quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Opinião do dia: O Globo

Realiza- se, então, por ironia, o sonho de bolivarianos que trabalham em Brasília: Venezuela e Brasil, enfim, juntos. Como exemplos a não serem seguidos. Juntos num desastre econômico, político e com impiedosos reflexos sociais. É certo que há diferenças marcantes entre os dois países, e a favor do Brasil. A principal delas é a solidez das instituições republicanas. Estas foram destroçadas pelo chavismo bolivariano. Haja vista a enorme crise político- institucional em que se encontra a Venezuela de Nicolás Maduro, ungido pelo próprio Hugo Chávez seu sucessor: o governo se recusa a aceitar a vitória da aliança oposicionista nas eleições parlamentares, e para isso usa os aparelhos chavistas que foram instalados no Judiciário e em todo o Estado.

O aparelhamento do setor público, incluindo estatais, é lição da cartilha chavista de tomada do poder sob um simulacro de democracia. O lulopetismo tentou aplicar a mesma tática no Brasil, mas foi em parte frustrado pelas instituições.

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“Realiza-se projeto de equiparar Brasil à Venezuela”, editorial de O Globo, 26 de janeiro de 2016.

Lava- Jato se aproxima de Lula e preocupa Planalto

• Nova fase da operação investiga prédio onde ex-presidente

• Ministro da Justiça diz que petista não é investigado e que suspeitas sobre ele são ‘ especulação indevida’; segundo procuradores, OAS teria usado apartamentos para lavar dinheiro desviado da Petrobras

Nova fase da Lava- Jato deflagrada ontem, a Triplo X chegou mais perto do ex-presidente Lula. Centrada no Edifício Solaris, em Guarujá, onde Lula e sua mulher tiveram um tríplex, a operação investiga a relação entre a Bancoop (cooperativa de bancários), o PT e a empreiteira OAS. A suspeita é que 11 apartamentos do Solaris foram usados para lavar dinheiro desviado de contratos da Petrobras para pessoas ligadas ao PT. Os procuradores classificaram o imóvel que pertenceu a Lula como “alto grau de suspeita” e querem saber se houve tentativa de ocultação de patrimônio. A operação preocupou o Planalto e o PT. Lula repudiou ligação de seu nome com a Lava- Jato. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que suspeitas sobre o ex-presidente são “especulação indevida”.

Lava- Jato bate à porta de Lula

• Tríplex que foi de ex-presidente pode ter servido para lavar dinheiro da Petrobras

Cleide Carvalho, Mariana Sanches, Renato Onofre - O Globo

- CURITIBA, GUARUJÁ e SÃO PAULO- As investigações da Operação Lava- Jato chegaram ao edifício Solaris, no Guarujá, onde está o tríplex em nome da OAS que pertenceu ao ex-presidente Lula e a sua mulher, Marisa Letícia. O tríplex faz parte de uma lista de 11 apartamentos que o Ministério Público Federal suspeita terem sido usados para lavar dinheiro de contratos da Petrobras, beneficiando pessoas ligadas ao PT e ao ex- tesoureiro do partido João Vaccari Neto, preso desde abril de 2015 e já condenado em um dos processos. Para a Polícia Federal, que ontem deflagrou a 22 ª fase da Operação Lava- Jato, batizada de Triplo X, essas unidades do edifício têm “alto grau de suspeita quanto à sua real titularidade”.

— Nós investigamos fatos. Todos os apartamentos e todas as pessoas que tiveram ligação com este empreendimento são investigadas. Se houver um apartamento lá que esteja em seu nome (do ex-presidente Lula) ou que ele tenha negociado, ou alguém de sua família, vai ser investigado como todos os outros — disse o procurador da República Carlos Fernando Lima.

— Há indicativos que um tríplex pertence a ele (Lula), mas temos de avançar na investigação — disse o delegado Igor de Paula, coordenador da investigação da Lava- Jato na PF. Para o procurador, houve interesse especial da OAS para concluir os apartamentos do Solaris.

Ontem, após deflagrada a operação, Lula reproduziu nas redes sociais trecho do que disse em entrevista a blogueiros simpatizantes ao PT na semana passada: “Gosto de ser provocado”.

Lula diz que não ocultou patrimônio
À noite, no Facebook, Lula disse que não foi sequer citado na decisão do juiz Sérgio Moro e repudiou tentativa de envolver seu nome em atos ilícitos investigados na Lava- Jato: “Lula nunca escondeu que sua família comprou, a prestações, uma cota da Bancoop, para ter um apartamento onde hoje é o edifício Solaris. Isso foi declarado ao Fisco e é público desde 2006. Ou seja: pagou dinheiro, não recebeu dinheiro pelo imóvel. Para ter o apartamento, de fato e de direito, seria necessário pagar a diferença entre o valor da cota e o valor do imóvel, com as modificações e acréscimos ao projeto original. A família do ex-presidente não exerceu esse direito. Portanto, Lula não ocultou patrimônio, não recebeu favores, não fez nada ilegal. E continuará lutando em defesa do Brasil, do estado de direito e da Democracia”.

O edifício Solaris foi transferido da Bancoop para a OAS em 2009 e já é alvo de investigações do Ministério Público de São Paulo. Pelo menos oito das 11 unidades sob suspeita do edifício à beira mar da praia de Astúrias, no Guarujá, seguem em nome da OAS, que descarta irregularidades e diz que ainda não conseguiu vendê-los.

Um relatório da PF anexado às investigações diz que há “manobras financeiras e comerciais complexas” envolvendo a OAS, a Bancoop e pessoas vinculadas ao PT, e que os apartamentos “podem ter sido repassados a título de propina pela OAS em troca de benesses junto aos contratos da Petrobras”. A OAS já teve seus principais executivos condenados na Lava- Jato por corrupção, e a Bancoop é investigada em São Paulo por estelionato contra os cooperados, que teria sido praticado por Vaccari e pelo ex- presidente da empreiteira, Léo Pinheiro.

Além do tríplex reservado a Lula, que ficaria na unidade 164- A, de frente para a praia das Astúrias, outros dois apartamentos estão em nome de Simone Godoy ( 133- A), mulher do ex-assessor especial da Presidência da República no governo Lula Freud Godoy; e de Sueli Falsoni Cavalcante ( 43- A), funcionária da construtora. Para os investigadores da Lava- Jato, o apartamento de Sueli seria o destinado a Vaccari e já teria, inclusive, sido declarado pela mulher dele, Giselda Rose Lima. A cunhada de Vaccari, Marice Correa de Lima, apontada pelo doleiro Alberto Youssef como a pessoa que coletava dinheiro de propina para o PT em nome de Vaccari, também aparece na lista de proprietários e declarou uma unidade em seu IR de 2010.

Em depoimento prestado em outubro do ano passado, Lenir Gushiken, ex- cunhada de Luiz Gushiken, morto em 2013, disse ter ouvido que o filho de José Genoino também teria apartamento no edifício. Por meio de um amigo, Ronan Kayano Genoino informou ao GLOBO que não tem apartamento no Guarujá. Disse ainda que sequer frequenta a cidade e que nenhum membro de sua família possui imóveis lá.

Marice comprou um apartamento da OAS e o revendeu mais caro para a própria construtora. Em seguida, a OAS o vendeu por menos do que teria pago à Marice. Para os investigadores, a manobra é indício de lavagem de dinheiro. Os advogados de Marice informaram que ela está fora do país e não vai comentar.

Na lista das 11 unidades do Solaris sob suspeita está um segundo tríplex, em nome da offshore Murray Holding, sediada em Nevada, nos Estados Unidos. O negócio é obscuro. A pessoa que aparece como intermediária na transferência do apartamento para a offshore é a publicitária Nelci Warken, uma das três pessoas presas ontem. Para os investigadores, ela não tem capacidade financeira para ser proprietária de imóveis com valores que alcançam mais de R$ 5 milhões e pode ter servido como “laranja”. Dona de várias empresas, Nelci também prestou serviços para a Bancoop.

Na investigação para identificar os reais beneficiários da Murray, a Lava- Jato chegou ao escritório Mossack & Fonseca, com sede no Panamá e filial em São Paulo, responsável pela abertura de centenas de offshores usadas para lavagem de dinheiro. Entre elas, seis já foram identificadas como repassadoras de propina da Petrobras. Das seis pessoas que tiveram prisão temporária decretada pela Justiça, três estão no exterior e são vinculadas ao escritório.

Segundo a PF, foi montada uma estrutura criminosa destinada a oferecer a investigados da operação a abertura de empresas offshores e contas no exterior para ocultar dinheiro desviado em corrupção, “notadamente recursos oriundos de delitos praticados no âmbito da Petrobras”. Além de Nelci, foram presos Ricardo Onório Neto, sócio da Mossack, e Renata Pereira Brito, funcionária ligada à empresa. A PF levou coercitivamente para prestar depoimento Eliana Pinheiro de Freitas, suspeita de ser laranja no esquema, e o venezuelano Rodrigo Andres Uesta Hernandez, funcionário da Mossack.

O principal interlocutor de Nelci no escritório era Ademir Auada, que está fora do país. Sua família não quis comentar. Morador de São Bernardo do Campo, ele é acusado de destruir documentos junto com a filha, antes de uma ação da PF.

Em nota, a Bancoop disse sobre o Solaris que “por deliberação coletiva dos respectivos cooperados, adotada em assembleia realizada em 27 de outubro de 2009 e confirmada pela adesão individual de cada cooperado, o empreendimento foi transferido à construtora OAS”.

Dilma critica 'insinuações' sobre Lula na 22.ª fase da Operação Lava Jato

• A presidente criticou o que classificou de 'insinuações' contidas nos vazamentos da investigação

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

QUITO (EQUADOR) - A presidente Dilma Rousseff disse nesta quarta-feira, 27, que não há provas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 22.ª fase da Operação Lava Jato e criticou as “insinuações” contidas nos vazamentos da investigação. Dilma ficou irritada quando foi questionada se a Lava Jato estava se aproximando de Lula e disse que, “ao contrário do mundo medieval”, o ônus da prova cabe a quem acusa.

Ao ser questionada se o ex-presidente seria o alvo da Polícia Federal, Dilma fechou o semblante. “Eu me recuso a responder pergunta desse tipo porque se levantam acusações, insinuações e não me dizem por que, quando, como, onde e a troco do quê”, disse ela em Quito, logo após discursar em um retiro com chefes de Estado e de governo que participam da IV Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Dilma disse achar “extremante incorreto” esse tipo de vazamento das investigações e citou até os ideais da Revolução Francesa para dizer que o ônus da prova cabe a quem acusa. “Se alguém falasse a respeito de qualquer um de nós aqui, que a nova fase da Lava Jato levanta suspeitas sobre você, e você não soubesse do que é suspeita, como é que é suspeita e de onde vem a suspeita, você não acharia extremamente incorreto, do ponto de vista do respeito?”, perguntou ela. “Quem prova - acho que foi a partir da Revolução Francesa, se não me engano, foi com Napoleão – a culpabilidade, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova é de quem acusa.”

Para a presidente, o inquérito e as investigações existem para apurar os fatos, e não para vazar informações ainda sob análise. “Antes como você provava? Eu dizia que você era culpado e você lutava comigo. Se você perdesse, você era culpado. Então, houve um grande avanço no mundo civilizado a partir de todas as lutas democráticas.”

O Estado perguntou a Dilma se a Lava Jato atrapalhava a economia. “Não, querida, eu não vou responder. Sinto muito. O FMI acha. Eu acho que vocês devem perguntar ao FMI”, respondeu a presidente, numa referência ao relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na última sexta-feira, Dilma disse ter ficado "estarrecida" com o documento, que apontou a duração da instabilidade política e a continuidade das investigações da Lava Jato como causas da crise econômica brasileira.

Dilma: só no mundo medieval se faziam acusações sem provas

• Cardozo diz que Moro lhe garantiu que ex-presidente não é investigado

Fernanda Krakovics - O Globo

Em sua visita ao Equador, perguntada sobre a Lava- Jato, a presidente Dilma mostrou irritação: “Ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova é de quem acusa.” - QUITO- Perguntada sobre a 22 ª fase da Lava- Jato, que se aproxima do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva (apesar de não citálo em momento algum), a presidente Dilma Rousseff afirmou que, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova, atualmente, é de quem acusa.

Etapa da operação realizada ontem investiga se um prédio no Guarujá ( SP), no qual Lula teria um apartamento, foi usado pela OAS para lavar dinheiro.

— Acho que foi a partir da Revolução Francesa, se não me engano foi com Napoleão, que, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova é de quem acusa. Daí, o inquérito, toda a investigação. 

Antes você provava assim: eu dizia que você era culpado e você lutava comigo. Se você perdesse, você era culpado. Houve um grande avanço no mundo civilizado, a partir de todas as lutas democráticas — disse a presidente, em entrevista ontem, ao deixar a cúpula de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Dilma ficou irritada ao ser indagada sobre a avaliação de que a nova fase da Lava- Jato, realizada ontem, chega perto do ex-presidente Lula.

— Se alguém falasse a respeito de qualquer um de nós aqui, que a nova fase da Lava- Jato levanta suspeita sobre você, e você não soubesse qual é a suspeita e de onde é a suspeita, você não acharia extremamente incorreto do ponto de vista do respeito? — questionou.

Perguntada ainda se a Lava- Jato afeta a economia, respondeu: — O FMI acha. Na semana passada, a presidente disse ter ficado “estarrecida” com relatório do FMI que piorou a perspectiva da economia brasileira em 2016 e apontou, entre os motivos, a continuidade das investigações da Lava- Jato.

Em Brasília, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou de “especulações indevidas” as análises de que a fase de ontem da Lava- Jato mira o ex- presidente Lula.

— Até onde sei, essa investigação está sob sigilo. Apenas posso dizer de situações que são públicas. Recentemente, o juiz Sérgio Moro disse que o ex-presidente Lula não é investigado, e eu não recebi nenhuma informação de qualquer ato investigativo em relação a essa pessoa do juiz Sérgio Moro. O ex-presidente não está sendo investigado, e nem me parece que tenha sido determinada qualquer medida na investigação de hoje (ontem) — afirmou Cardozo.

Integrantes do Palácio do Planalto avaliam que a nova fase da Lava- Jato é mais uma tentativa de atingir Lula, e petistas próximos ao ex-presidente a interpretam como estratégia para desgastar a imagem dele.

O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, disse que há uma “obsessão” em criminalizar Lula.

— Ele já disse que não é dele o apartamento, que ele pretendeu e depois desistiu de comprar. Eu acho só que as pessoas têm que aguardar um pouquinho as investigações antes de colocar os carimbos. (...) Isso vale pra todo mundo, para o pessoal que é do meu lado, para a oposição. Então, ele é uma figura, evidentemente, que tem uma liderança bastante sólida no país, é uma referência, um nome superconhecido, oito anos presidente. Então, virou objeto de desejo — disse Jaques Wagner.

Líderes da oposição dizem que a operação é mais um passo no fechamento do cerco a Lula.

— O objetivo é o tríplex da família. E Lula não nasceu ontem e sabe disso. Essa investigação vai produzir consequências políticas profundas. Vai colocar sob impasse definitivo a relação de Lula com Dilma — diz o senador José Agripino Maia (DEM). (Colaboraram Eduardo Bresciani, Sérgio Roxo e Maria Lima)

Nova fase da Lava-Jato investiga condomínio relacionado a Lula

Por Carolina Leal* e Letícia Casado – Valor Econômico

Curitiba e Brasília - A Polícia Federal deflagrou ontem a 22ª fase da operação Lava-Jato, batizada de Triplo X, com seis mandados de prisão temporária e 15 de busca e apreensão, mirando na construtora OAS e na empresa panamenha Mossack Fonseca - responsável por abrir offshores que seriam usadas para lavar dinheiro e promover transações imobiliárias para ocultar o repasse de propina a envolvidos na Lava-Jato.

Um dos alvos é o condomínio Solaris, no Guarujá, onde são investigados apartamentos em nome de parentes do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, além de um triplex pertencente à offshore Murray, uma das que foram constituídas pela empresa Mossack Fonseca.

O condomínio teve sua construção iniciada pela Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), da qual Vaccari já foi diretor, e depois foi transferido à empreiteira OAS, e é o mesmo em que a família do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria tido a opção de compra de um triplex. A suspeita dos investigadores é de que o prédio tenha servido como canal para pagamento de propina.

"Temos indicativo de que todos os apartamentos do condomínio, ou a maioria, podem ter sido usados para lavagem de dinheiro oriundo de corrupção em empresas estatais", afirmou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. Embora tenha destacado que o ex-presidente Lula não é alvo da operação, a PF diz que a investigação agora envolve todo o condomínio.

No caso do ex-tesoureiro do PT, as investigações constataram indícios de irregularidades em imóveis pertencendo à esposa e à cunhada de Vaccari. A esposa dele, por exemplo, declarou à Receita Federal ser proprietária de um apartamento no condomínio, mas o imóvel não foi identificado nas matrículas do empreendimento - em uma delas, quem consta como proprietária do apartamento é uma funcionária da OAS. Ontem, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão na sede da construtora, e também na Bancoop e na Mossack Fonseca.

A Mossack Fonseca surgiu nas investigações porque ao menos quatro investigados na Lava-Jato teriam usado offshores abertas pela empresa para lavar dinheiro. Em recente delação premiada, Roberto Trombeta, apontado como operador das construtoras OAS e UTC, relatou que usou uma offshore constituída pela empresa para repassar cerca de US$ 8 milhões ao doleiro Alberto Youssef, a mando da OAS .

Dentre as seis pessoas que tiveram a prisão temporária decretada ontem, está a publicitária Nelci Warken, que já prestou serviços para a Bancoop e seria a responsável por operar a offshore Murray, dona de um triplex no Solaris, que não é o mesmo relacionado à família do ex-presidente. Segundo a Polícia Federal, ela teria usado offshores abertas pela Mossack Fonseca para promover transações imobiliárias envolvendo 14 imóveis. Para os investigadores, tudo indica que ela é "laranja" de uma outra pessoa, a quem se referiria em ligações telefônicas interceptadas pela polícia apenas como "nosso querido amigo".

Além de Warken, foram presos temporariamente Ricardo Honório Neto, sócio-proprietário da filial da Mossack Fonseca no Brasil, e Renata Pereira Brito, também ligada à empresa. Outras três pessoas ainda não tinham sido localizadas pela polícia: o venezuelano Luis Fernando Hernandez Rivero; Ademir Auada, responsável pela abertura de várias offshores em nome da empresa; e Maria Mercedes Riano Quijano, apontada como a pessoa que coordenava o escritório da companhia no Brasil.

"Fica evidenciado que a Mossack Fonseca participava de um grande esquema de lavagem. Oferecia seus serviços para os mais diversos esquemas, inclusive sendo alvo de outras operações em andamento", afirma o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. Para o delegado Igor Romário de Paula, o envolvimento da empresa na operação pode abrir "inúmeros outros casos dentro da própria Lava-Jato e fora dela".

Tanto os investigadores quanto o juiz Sergio Moro, em despacho determinando as prisões, ressaltaram uma troca de e-mails em que integrantes da empresa conversavam sobre destruir documentos que pudessem servir de provas para a polícia. "A integridade das práticas comerciais [da Mossack Fonseca] não é exatamente uma prioridade na representação da empresa no Brasil", afirmou o juiz Sergio Moro no despacho. Para a PF, tudo indica que mais nomes da política podem aparecer no esquema. Procurada, a UTC não quis comentar e a OAS não retornou a pedidos de esclarecimento. *Especial para o Valor

Para Planalto, cerco a Lula se fecha ainda mais com fase da Lava Jato

Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Auxiliares da presidente Dilma Rousseff avaliam que a nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta quarta-feira (27), tem o objetivo de "desgastar" a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no momento em que o governo está "fragilizado" e "tenta encontrar saídas" para a crise política e econômica do país.

Publicamente, o ministro José Eduardo Cardozo afirmou, nesta quarta, que qualquer associação entre Lula e a nova fase da operação é "especulação indevida".

Contudo, segundo a Folha apurou, auxiliares de Dilma acreditam que "o cerco a Lula se fechou ainda mais" e isso é "preocupante" visto que o ex-presidente ainda é tido como o principal fiador do governo.

Apesar disso, a avaliação de ministros do núcleo mais próximo à presidente é que uma eventual prisão de Lula "não deve acontecer".

Segundo eles, o ex-presidente ainda tem respaldo da militância do PT e de diversos movimentos sociais, que iriam às ruas para defendê-lo caso isso acontecesse. Alguns, porém, não descartam que, caso o ex-presidente fique "totalmente desmoralizado", o cenário fique mais fácil para que ele seja preso.

Como mostrou a Folha, o ex-presidente Lula reforçou no início do ano sua equipe de defesa com a contratação do criminalista Nilo Batista. Nas palavras de aliados, a contratação do advogado se deu porque Lula "tomou consciência de que algo mais grave poderia acontecer".

Nesta quarta, foi deflagrada a 22ª fase da Lava Jato, operação que apura o esquema de corrupção na Petrobras, para investigar se a empreiteira OAS lavou dinheiro por meio de negócios imobiliários para favorecer o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, preso desde abril de 2015. Entre os imóveis investigados, está um tríplex no Guarujá que foi reservado a Lula.

Aliados do ex-presidente fazem coro ao discurso de que a operação é "uma tentativa politizada" de "desgastar" e "desmerecer" a imagem de Lula. Segundo eles, o petista tinha uma cota da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo), pensou em comprar o apartamento –a mulher de Lula, Marisa Leticia, chegou a reformar e decorar o imóvel–, mas o ex-presidente desistiu do negócio.

O condomínio Solaris, onde fica o tríplex, teve a construção iniciada pela Bancoop, que foi presidida por Vaccari, mas, em crise financeira, a cooperativa transferiu o empreendimento para a OAS, em 2009.

Desistência do apartamento
Como revelou a Folha em dezembro de 2014, o ex-presidente cogitou, inclusive, desfazer-se do apartamento.

Segundo interlocutores, as repercussões negativas das reportagens sobre o imóvel à época fizeram com que Lula reavaliasse a efetivação da compra do apartamento, que continuava em nome da OAS.

O ex-presidente tinha a opção de pedir o ressarcimento dos valores pago à Bancoop ou poderia ficar com o apartamento e registrá-lo em seu nome –o que não fez até hoje.

Cooperativa ligada ao PT é alvo de apuração na nova fase da Lava Jato

• Foi pela Bancoop que a mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marisa, adquiriu a opção de compra de um imóvel assumido pela empreiteira OAS

Andreza Matais, Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo

Cerca de 80 policiais federais cumpriram nesta quarta-feira, 27, 15 mandados de busca e apreensão, 6 mandados de prisão temporária e 2 mandados de condução coercitiva – quando o investigado é levado para depor e liberado – nas cidades de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e Joaçaba (SC), como parte da 22.ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Triplo X.

Foram alvo de mandados de busca e apreensão a Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop), a OAS e a Mossack Fonseca, empresa que teria montado offshores. Foi presa temporariamente (prisão válida por cinco dias) em São Paulo Nelci Warken, que consta como proprietária do Triplex 163-B no condomínio Solaris, da OAS, no Guarujá. O apartamento que seria do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o tríplex 164-A, de cerca de 300 metros quadrados, na torre vizinha.

Além de Nelci Warken, foram detidos Ricardo Honório Neto e Renata Pereira Brito. Eliana Pinheiro de Freitas e Rodrigo Andrés Hernandez foram conduzidos coercitivamente. No exterior, com registro lançado no controle de fronteiras para identificação assim que entrarem no País, Maria Mercedez Quijano e Ademir Auada. Um investigado não foi localizado, Luis Fernando Hernandez Rivero.

Segundo o delegado Igor Romário de Paula, da força-tarefa da Lava Jato, o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, o lobista Mário Goes e o ex-gerente da estatal Pedro Barusco tiveram offshores abertas pela Mossack Fonseca.

Este mais recente desdobramento da Lava Jato apura “a existência de estrutura destinada a proporcionar a investigados na operação policial a abertura de empresas offshores e contas no exterior para ocultar ou dissimular o produto dos crimes de corrupção, notadamente recursos oriundos de delitos praticados no âmbito da Petrobrás”. A PF informou que a investigação apura a ocultação de patrimônio por meio de um empreendimento imobiliário.

Tesoureiro. O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto presidiu a Bancoop de 2004 a 2010. Durante sua gestão, verbas destinadas à construção dos apartamentos dos cooperados teriam sido desviadas. Vaccari é réu por corrupção, lavagem de dinheiro e estelionato em ação penal por desvio de R$ 70 milhões da Bancoop, na 5.ª Vara Criminal de São Paulo. Vaccari nega ilícitos em sua gestão na cooperativa, entidade criada nos anos 1990 por um núcleo do PT.

No mesmo ano em que passou a ser investigada, em 2010, a Bancoop quebrou. Com isso, empreendimentos inacabados da cooperativa foram negociados com outras construtoras.

Uma dessas obras incompletas era um condomínio na praia de Astúrias, no Guarujá, o Solaris. Quem concluiu o projeto, em dezembro de 2014, foi a OAS, que assumiu a obra em 2009. Entre os cotistas do Solaris estava a mulher do ex-presidente Lula. Em 2005, Marisa Letícia adquiriu a opção de compra de um imóvel após a conclusão da obra ou a restituição do capital investido.

Marisa teria desistido de ficar com o imóvel, mas, conforme indicam investigações do Ministério Público de São Paulo, chegou a acompanhar obras no local. O imóvel foi reformado recentemente pela atual proprietária, a empreiteira OAS.

Segundo o Instituto Lula, o ex-presidente e sua mulher, Marisa Letícia, “jamais ocultaram que esta possui cota de um empreendimento em Guarujá, adquirida da extinta Bancoop e que foi declarada à Receita”.

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou que “todos os apartamentos” do condomínio Solaris, no Guarujá, são alvo da investigação. Entre os imóveis investigados, disse Lima, estão alguns que podem estar relacionados a familiares de Vaccari, como a mulher dele, Giselda, e a cunhada, Marice. “A investigação tem um pé na busca de patrimônio (oculto).”

“Todo o empreendimento está sob investigação.” Lima disse que “nesse momento” a apuração aponta para imóveis que seriam de propriedade de familiares de Vaccari. “O empreendimento originariamente era da Bancoop e foi assumido pela OAS. Temos indicativos que todos os apartamentos, ou boa parte deles, podem ter sido usados para lavagem de dinheiro oriundo de contratos com estatais. Estamos analisando e aprofundando a investigação.”

O procurador respondeu a uma outra indagação sobre Lula ter declarado à Justiça eleitoral na campanha de 2006, quando reelegeu-se presidente, que sua família possuía um imóvel no condomínio do Guarujá, no valor de R$ 47 mil. “Existe até notícia de jornal que a família do ex-presidente estaria desistindo de exercer o poder de comprar esse imóvel. Estamos analisando essa questão mais a fundo.

Temos indícios de que um tríplex lá (no Solaris) vale R$ 1 milhão ou R$ 1,5 milhão, valor bastante significativo.”

Temer descarta impeachment neste momento

Por Raymundo Costa – Valor Econômico

BRASÍLIA- Indo direto ao ponto: o vice-presidente Michel Temer não acredita que o pedido de impeachment seria aprovado no Congresso, se fosse votado hoje. "Neste momento não", disse Temer em uma conversa reservada em seu gabinete na VPR, sigla pela qual é conhecida a Vice-Presidência da República, instalada no bloco 2 do anexo 2 do Palácio do Planalto. "Eu só não sei o que vai acontecer com a retomada dos trabalhos do Congresso", completou em seguida.

Temer teria muito a dizer, pelo que se ouve de seus interlocutores na VPR e no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice, mas no momento foge de entrevistas. Receia ser mal interpretado e chamado de golpista ou acusado de querer derrubar a presidente Dilma Rousseff. "Tudo que eu falo tem uma dupla interpretação. Tem um certo clima de suspeição. Então eu tenho que tomar muito cuidado". Temer reconhece que a presidente tem as suas dificuldades para propor uma pauta, mas entende também que é hora de sair do "ramerrame" da economia e que, para isso, é preciso "ousadia" da parte de Dilma.

Num ambiente diagnosticado como de crise de confiança, diz que "a presidente precisa ousar", ao responder a uma pergunta sobre o que acha que Dilma deveria fazer neste momento de inflação alta e aumento do desemprego. "Ela precisa encontrar um meio para dizer [ao Congresso] 'olha, eu preciso disso daqui, eu sei que nós estamos em ano eleitoral, sei que é difícil, mas nós precisamos". Temer conta que numa conversa com Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) o ministro lhe disse que o déficit da Previdência, este ano, chegará a R$ 25 bilhões. "Daqui a pouco é o pensionista que não recebe! Alguma coisa tem que ser feita."

Temer e a cúpula do PMDB saudaram a entrevista que o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto concedeu ao Valor, publicada na edição de segunda-feira. Nela Delfim diz que a presidente precisa retomar as rédeas e ir ao Congresso apresentar reformas, do contrário, o caos se instalará. O vice só diverge quando o ex-ministro diz que Dilma deve levar o Congresso às cordas.

"A expressão não foi feliz", disse a interlocutores. "Colocar o Congresso nas cordas quer dizer que nós vamos pressionar o Congresso". Na opinião do vice-presidente, o que a presidente deve buscar "é fazer uma parceria" com o Congresso. "Você tem é que ser parceiro do Congresso. O governo não governa sem o Congresso. Se o Congresso não quiser, o governo não governa".

A entrevista de Delfim animou a cúpula do PMDB porque as reformas constitucionais e infraconstitucionais sugeridas pelo ex-ministro integram o programa "Ponte para o Futuro", divulgado ano passado pelo partido: reforma da Previdência Social, inclusive com a adoção da idade mínima, do mercado de trabalho, da desindexação e da desvinculação dos gastos orçamentários. Temer, segundo apurou o Valor, entende que Dilma tem problemas para assumir essa agenda e o principal deles é o PT.

"Essa é a dificuldade que ela tem, eu reconheço", disse o vice-presidente numa conversa recente. "Agora, meu caro, quando você é presidente da República, você tem que salvar o país em vez de salvar o partido, não é verdade"?

Há outras dificuldades. Entre elas, a desconfiança que se instalou entre a presidente e seu vice, depois sobretudo que o impeachment tomou forma concreta na Câmara dos Deputados e o governo, no contra-ataque, passou a jogar na divisão do PMDB criando problemas, inclusive, para a recondução de Temer à presidência nacional do partido. O vice toma muito cuidado ao tocar no assunto, nas sucessivas conversas - a VPR e o Palácio do Jaburu viraram um "point" de políticos, diplomatas e empresários em constante vai e vem.

Conta que a presidente fez uma tentativa, quando chamou o PMDB para fazer a coordenação política do governo, ano passado. Na realidade, segundo Temer, foi um apelo, porque, se o PMDB não aceitasse, a crise seria maior. O então secretário da Aviação Civil Eliseu Padilha, convidado para a Secretaria de Relações Institucionais, recusara o cargo. "O governo estava no chão", disse Temer. "Eu fiz um esforço extraordinário para aprovar aquele esforço fiscal, porque era contra o trabalhador de um lado, e contra empresário, de outro", contou o vice.

Em suas contas, foram mais de 60 reuniões com líderes do Senado e da Câmara. "Como nós aprovamos? Com meu cartão de crédito". Temer considera difícil governar com 20 partidos na base aliada do governo com esses 20 partidos exigindo posições. Houve um momento em que chegou a fatura. Padilha ajudou no varejão e na organização da Secretaria de Relações Institucionais, mas os acordos não foram cumpridos. "Eu comecei a perceber que o PT não estava satisfeito com a nossa presença dentro do Palácio do Planalto".

"Se ela faz gestos como 'essa "Ponte para o Futuro" é formidável, nós vamos adotar vários temas aqui e tal' seria um chamamento", disse Temer a interlocutores que estiveram na terça-feira, antevéspera da reunião do Conselhão, para uma conversa na VPR. No primeiro encontro que teve com Dilma em 2016, a presidente disse a Temer que recebeu, leu e pediu para a equipe econômica examinar o programa do PMDB.

O gesto, se houver, será surpresa para o PMDB e para o vice Michel Temer. A reação esperada no arraial pemedebista é outra. Alguma coisa assim como "não, olha aí o PMDB contra o país, o impeachment". O que é mais grave, na visão do vice, é a concepção que os outros não podem pensar. "Quem tem que pensar é só o PT". Numa conversa, o vice-presidente foi questionado diretamente se estaria disposto a ajudar. Sua resposta foi essa: "Ela precisa chegar e dizer 'Temer, você é vice-presidente e nós vamos governar juntos. Vou fazer uma declaração de que nós vamos governar juntos. Nós vamos fazer as coisas juntos. Eu, você e o nosso ministério. Veja aí o que você acha disso ou daquilo".

Temer acha que Dilma deveria envolver o Congresso, inclusive a oposição, que pode sim colaborar, apesar de fazer beicinho sempre que a presidente ou seus auxiliares falam de diálogo. "Quando nós aprovamos a primeira medida provisória (do ajuste fiscal) eu trouxe oito votos do DEM, seis votos do PSB, três votos do PV, com o Zequinha [Sarney]. Aquilo nos permitiu ganhar. Nós ganhamos por 22 votos. Conversar com a oposição não faz mal". Atento aos "gestos" na política, Temer registra que "Mendoncinha [o deputado Mendonça Filho, líder do DEM] falou que se for uma coisa estruturadora do Estado...".

A exemplo de Delfim, o vice acha que a presidente deve ir ao Congresso apresentar as reformas necessárias para estabilizar a economia, mas prefere a solução do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung: a presidente iria, mas só depois de votado o pedido de impeachment. "Você vai resolver o impeachment quando? Meados de abril. Então, se ela for depois..."

Outros interlocutores de Temer chamam a atenção também que se Dilma for na reabertura do Congresso, será fotografada na sessão ao lado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros - um contra e outro a favor do impeachment. Os dois envolvidos nas investigações da Lava-Jato. Constitucionalista, Temer está atento a demandas como aquelas relacionadas ao direito de defesa, mas no geral acha que a Lava-Jato "vai promover uma certa modificação nos costumes do país".

Hoje, enquanto o Conselhão estiver reunido em Brasília, Temer estará no Paraná, pela manhã, e em Santa Catarina, à tarde, em campanha pela presidência do PMDB. Amanhã o giro será pelo Nordeste - Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. "Estou empenhado no PMDB, fui instado a isso", costuma dizer, referindo-se à tentativa dos senadores de colocar alguém em seu lugar. Desde 2001 na presidência do PMDB, diz que essa será sua última disputa. Temer aposta numa chapa única ao comando pemedebista, provavelmente com um senador de vice.

José Serra*: Sarna pra se coçar

- O Estado de S. Paulo

Projeto de lei (PL) que tramita no Congresso permite, numa só tacada, o funcionamento de cassinos, bingos, até mesmo por vídeo, jogos eletrônicos e, por que não, o jogo do bicho, além das loterias já exploradas pelo governo. O governo Dilma anunciou que quer aprová-lo. A defesa dos supostos benefícios da medida, sem considerar custos, é ilustrativa da maneira apressada como se discutem políticas públicas em nosso país.

Quais os argumentos a favor da liberação geral dos jogos de azar? Primeiro, ela permitiria o controle daquilo que hoje corre solto na clandestinidade. Segundo, quem vai jogar no exterior ficaria por aqui. Terceiro, atividades acessórias ao jogo expandiriam empregos e impostos para os três níveis de governo. Quarto, o turismo interno e de estrangeiros bombaria. Por último, seriam fortalecidas políticas regionais de desenvolvimento.

O primeiro argumento é equivocado. A descriminalização sempre aumenta o consumo do que era proibido. Isso vale tanto para as drogas quanto para os jogos. Se estes já são um problema hoje, imaginem as proporções que assumiriam se o Executivo, nos termos desse projeto de lei, viesse a credenciar até 35 cassinos no País, no mínimo, um por Estado. Vou abordar mais de perto esta que é a mais emblemática das modalidades de exploração do jogo.

A fim de supostamente limitar a instalação de cassinos, o PL prevê que cada um seja acoplado a uma espécie de shopping center com serviços de hotelaria. Alguém duvida, no entanto, que às vésperas de votação importante no Congresso (nem precisa ser impeachment...) o governo acabaria cedendo à pressão de bancadas para autorizar mais este ou aquele cassino?

Quanto aos empregos, cabe a pergunta: de onde viria a receita dos cassinos? Evidentemente, do bolso dos jogadores, principalmente da classe média para baixo. Não haveria riqueza nova, apenas o desvio da renda já existente. As pessoas deixariam de gastar em outras coisas para perder seu dinheiro nas roletas e nos caça-níqueis. Ou seja, empregos gerados pelo jogo eliminariam outros, vinculados a outras atividades. O bem-estar das famílias dos jogadores diminuiria, assim como seu consumo e seus investimentos em saúde, educação ou na compra da casa própria. Perderiam as famílias e o País como um todo. Fato comprovado: a introdução dos cassinos em Atlantic City – que só perde em jogatina para Las Vegas – reduziu em 25% os empregos nos demais setores. Apenas em 1995 Illinois perdeu U$ 287 milhões no balanço de benefícios e malefícios econômicos causados pelos cassinos.

Quanto ao turismo, vamos ser francos: algum ricaço brasileiro vai deixar de perder dinheiro em Montecarlo ou Las Vegas para se expor a fiscais da Receita e concidadãos xeretas com suas câmeras nos cassinos verde-amarelos? E por que um ricaço estrangeiro trocaria sua rota de jogo do Hemisfério Norte pela que vai do Oiapoque ao Chuí?

Quanto às divisas, também não cabe ilusão: o jogo geraria déficits significativos. O setor é intensivo em importação de equipamentos especializados. Além disso, tenderia a ser controlado por estrangeiros. As promessas de receitas abundantes – e ilusórias – passam ao largo das despesas e perdas reais que o jogo vai provocar.
Embora o PL vede benefícios fiscais, é evidente que eles ocorrerão. Primeiro, porque há normas vigentes que criam essa possibilidade – até na Constituição, como no caso dos fundos regionais de desenvolvimento. Segundo, porque benefícios podem ser camuflados em concessões de terrenos e ofertas de infraestrutura pelo poder público. Terceiro, por causa da regra sem exceção de que o Executivo sempre abre exceções em vésperas de votações importantes.

De mais a mais, as despesas com segurança crescerão, pois as atividades de jogo tendem a estimular o crime e a articulação de redes de narcotráfico e lavagem de dinheiro. No Estado de Wisconsin, os crimes aumentaram 6,7% após a abertura dos cassinos. Segundo o Instituto Americano de Seguros, 40% dos crimes de colarinho branco nos Estados Unidos têm raízes no jogo. Entre 1977, quando os cassinos foram autorizados a operar fora de Las Vegas, e 1996 as taxas de criminalidade nos Estados Unidos, para seis de sete tipos de crimes violentos, cresceram.

Além disso, o vício do jogo cria seus dependentes, tal como o álcool e as drogas, e a assistência à massa de jogadores compulsivos também drenaria recursos. Em Iowa, em 1995, 5,4% da população tinha algum problema mais sério com o jogo, número três vezes maior do que antes da abertura dos barcos cassinos na região. Em Las Vegas, 8% da população adulta também tem problemas ligados ao jogo – faltam ao serviço para jogar, gastam dinheiro do aluguel ou cometem algum tipo de fraude para prosseguir jogando. Em New Jersey, um serviço público telefônico recebeu, em 1996, 26 mil chamadas de jogadores desesperados por dívidas. Atrás dessas dívidas vêm perda de produtividade e desfalques. Muitos jogadores param de pagar impostos. Em 1990, esses efeitos provocaram prejuízos de US$ 1,5 bilhão ao Estado de Maryland.

A essas evidências sobre os Estados Unidos se somam as inferências que podemos fazer com base na praxe das decisões públicas no Brasil. A permissão ampla, geral e irrestrita de jogos de azar exige um debate bem informado, que pondere cuidadosamente custos e benefícios. Se essa prática já é escassa entre nós, imagine-se o atropelo dos fatos e da lógica se uma decisão for tomada no atual ambiente de salve-se quem puder, com o governo Dilma e sua base acossados por depressão econômica, desemprego avassalador, retrocesso das políticas sociais, a começar pela saúde, pela insegurança em relação ao crime e pelos grandes escândalos administrativos. É procurar sarna pra se coçar.

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* José Serra é senador (PSDB-SP)

Merval Pereira: Corrupção pornográfica

- O Globo

Bancoop é um escândalo dentro do escândalo. A Polícia Federal já é conhecida pela criatividade com que nomeia suas operações. Às vezes manda recados, como na Operação "Erga omnes" ( Vale para todos), em que prendeu os presidentes das maiores empreiteiras, incluindo Marcelo Odebrecht; ou adverte, como na Nessun Dorma (Ninguém Durma) da ópera Turandot de Puccini.

Aironia estava presente na Operação “Que País é esse?”, exclamação do ex- diretor da Petrobras Renato Duque ao ser preso, ou na Operação Passe Livre, que prendeu o amigo de Lula José Carlos Bumlai, que tinha passe livre no Palácio do Planalto.

Nada mais bem aplicado, porém, quanto o nome dado para a 22 ª operação, a Triplo X, que tanto pode ser lido como uma referência ao tríplex atribuído a Lula no Edifício Solaris, quanto à classificação dos filmes de pornografia pesada. Porque nada mais pornográfico do que esse escândalo dentro do escândalo envolvendo a Bancoop, denunciado no GLOBO pelo repórter Germano Oliveira, e que Lula tentou parar na Justiça, tendo sido derrotado em seu intento.

Uma cooperativa de trabalhadores presidida primeiro por Ricardo Berzoini e depois por João Vaccari Neto, a alta direção do PT, que quebrou devido à corrupção e deixou literalmente abandonadas mais de 3 mil pessoas que haviam colocado suas economias na arapuca desses sindicalistas que sempre trabalharam em proveito próprio.

Fundada em 1996 pelo ex-presidente do PT e atual ministro da Secretaria de Governo da Presidência Ricardo Berzoini, a cooperativa dos bancários é investigada pelo Ministério Público de São Paulo desde 2007, por crimes de lavagem de dinheiro, com desvio de recursos para o caixa dois do Partido dos Trabalhadores, que controla a máquina sindical dos bancários.

Os fundos de pensão controlados também por representantes do PT perderam muito dinheiro investindo na Bancoop, até que a empreiteira OAS assumiu o empreendimento a pedido de Lula, segundo denúncias que estão sendo apuradas. O fato é que apenas o edifício Solaris foi terminado, coincidentemente onde Lula e dona Marisa tinham apartamento, também João Vaccari Neto, parentes seus, e até Freud Godoy, ex- segurança de Lula envolvido no escândalo dos aloprados.

O tríplex de Lula, o 164 – A, foi incluído pela Polícia Federal entre os imóveis com “alto grau de suspeita quanto à sua real titularidade”. As investigações já realizadas pela força-tarefa de Curitiba e também pelo Ministério Público de São Paulo indicam, segundo relatório oficial, que “manobras financeiras e comerciais complexas envolvendo a empreiteira OAS, a cooperativa Bancoop e pessoas vinculadas a esta última e ao Partido dos Trabalhadores apontam que unidades do condomínio Solaris podem ter sido repassadas a título de propina pela OAS em troca de benesses junto aos contratos da Petrobras”.

O Ministério Público do Estado de São Paulo considera que já tem provas suficientes para denunciar o ex-presidente Lula e sua mulher, dona Marisa, por ocultação de propriedade, e não é coincidência que a Operação Lava- Jato tenha chegado ao estágio em que chegou justamente na semana em que o Ministério Público de São Paulo anunciou sua decisão. As duas investigações estão sendo compartilhadas.

O promotor de Justiça de São Paulo Cássio Conserino foi apenas menos cauteloso que os procuradores da Lava- Jato, que ontem somente incluíram o apartamento atribuído a Lula na investigação quando perguntados diretamente, e mesmo assim deixando claro que todas as unidades que teoricamente pertencem à OAS serão investigadas.

Os promotores paulistas já têm depoimentos de pessoas que estiveram com o ex-presidente e sua família durante a reforma do apartamento, financiada pela OAS, e sabem até mesmo, como o site “O Antagonista” revelou, onde as cozinhas foram compradas, por quem, e quanto custaram, possibilitando um interessante cruzamento com um sítio em Atibaia que também é dito pertencer a Lula, mas está no nome de outros proprietários, provavelmente laranjas. As mesmas cozinhas foram compradas na mesma loja, pela mesma pessoa, ligada à OAS, no mesmo dia.

José Roberto de Toledo: Juiz Moro foi pescar

- O Estado de S. Paulo

O noticiário sobre nova fase da Lava Jato, a Triplo X, destaca o arpão direcionado a fisgar Lula. Dizer se ele vai acertar o alvo, por ora, é prestidigitação. Mas essa pescaria não cabe em um arpão. Ao grampearem toda comunicação e confiscarem computadores da Mossack & Fonseca, os investigadores da Lava Jato jogaram uma rede tão grande que correm o risco de pescar mais peixes do que são capazes de escamar. Peixes grandes.

A Mossack & Fonseca, cujos funcionários brasileiros foram detidos nesta quarta-feira pela Polícia Federal, é um dos maiores escritórios do mundo dedicado à incorporação e administração de empresas em paraísos fiscais, ou em locais onde a lei requer um mínimo de informação sobre os donos. São lugares como os estados de Nevada e Wyoming, nos EUA, e países ou territórios como o Reino Unido, Panamá, Ilhas Virgens, Samoa, Bahamas, Malta, Nova Zelândia e Holanda, entre outros.

Fundada no Panamá em 1977, pelo alemão Jurgen Mossack e pelo panamenho Ramón Fonseca, a Mossfon – para os íntimos – tem cerca de 500 funcionários dispersos por representações em mais de 40 países. A maioria dos escritórios, como o brasileiro, serve para captar clientes e, depois, atendê-los. Quem faz o serviço de registro das empresas de fachada e cuida da sua burocracia costumam ser a sede no Panamá e os escritórios nos países onde a offshore foi criada, como o das Ilhas Virgens Britânicas (BVI).

Abrir uma offshore não é ilegal, desde que seja declarada por seus donos ou beneficiários às autoridades do seu país. O problema é que esse tipo de empresa de fachada, cujos diretores muitas vezes são funcionários do próprio escritório que a abriu, é também uma maneira comum de ocultar bens e movimentar recursos cuja origem não pode ser explicada totalmente.

Propriedades imóveis, barcos, aviões, contas bancárias, outras empresas e valores costumam ser registrados em nome de offshores. Por pelo menos dois motivos.

O primeiro – e não necessariamente ilegal – é tributário. A alíquota de imposto cobrado sobre pessoas jurídicas é, em regra, menor do que a aplicada às pessoas de carne e osso. Por exemplo: homens e mulheres de bens, que queiram deixar seu patrimônio para os descendentes sem que o Fisco abocanhe boa parte dele, abrem offshores nas quais toda a família é beneficiária. Se um morre, os demais não precisam pagar imposto sobre a herança.

O segundo motivo é que fica muito mais difícil chegar ao reais beneficiários da empresa. A offshore não precisa estar registrada obrigatoriamente em nome de quem vai operá-la. É comum que o dono formal seja um “laranja” ou outras empresas de fachada. Estes concedem uma procuração com plenos poderes para um terceiro – o beneficiário de fato – movimentar as contas e fazer negócios em nome da offshore: comprar, vender, pagar.

No seu despacho autorizando a operação contra a Mossack &Fonseca, o juiz Sergio Moro cita ex-dirigentes da Petrobrás, como Renato Duque e Pedro Barusco, que teriam se beneficiado de contas abertas em nome de offshores criadas com ajuda da Mossfon. Mas isso é só o começo da pescaria.

Uma simples busca no Google pelos nomes dos funcionários da Mossfon presos revela que eles costumavam se reunir, no Brasil, com empresários e advogados – às vezes acompanhados de diplomatas panamenhos. Eram visitas de prospecção de clientes. Como o escritório na Avenida Paulista existe há 30 anos, presume-se que muitos desses contatos resultaram em negócios.

Os investigadores da Lava Jato não precisam presumir. Basta comparar os nomes citados em e-mails e documentos apreendidos na Mossfon Brasil com seus registros na Receita Federal. Investigações similares sobre a Mossack & Fonseca na Alemanha, EUA e Argentina fisgaram balaios de peixes. Peixes grandes.

Bernardo Mello Franco: Lula na mira

- Folha de S. Paulo

A 22ª fase da Lava Jato teve um alvo claro, embora não declarado. Os investigadores deram mais um passo na direção do ex-presidente Lula, que se descreveu na semana passada como a "viva alma mais honesta" do país.

A nova operação foi batizada de Triplo X, em referência explícita ao tríplex visitado pela família do petista em um edifício no Guarujá. O empreendimento pertence à construtora OAS, enrolada no petrolão.

Em relatório, a Polícia Federal apontou "alto grau de suspeita" sobre a titularidade de imóveis no prédio. "Há indicativos que um tríplex pertence a ele [Lula], mas temos de avançar na investigação", disse o delegado Igor Romário de Paula.

"Se houver um apartamento lá que esteja em seu nome [de Lula] ou que ele tenha negociado, vai ser investigado como todos os outros", emendou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima.

A posse do tríplex já era investigada pelo Ministério Público de São Paulo, que parece apostar corrida com a força-tarefa de Curitiba. Na semana passada, o promotor paulista Cássio Conserino anunciou que denunciará Lula por ocultação de patrimônio, embora ele ainda não tenha sido ouvido sobre o caso.

A defesa do ex-presidente diz que ele não é dono do tríplex. Afirma que sua mulher comprou uma cota do edifício, declarada à Receita, mas desistiu do negócio.

Aliados alegam que Lula é vítima de perseguição, em complô para afastá-lo da sucessão de 2018. A oposição sonha em vê-lo com roupa de presidiário, como o boneco inflável das manifestações contra o PT.

A ofensiva jurídica fez o ex-presidente perder a imagem de intocável. Nos últimos meses, ele suspendeu as palestras e teve que prestar depoimentos sobre três escândalos diferentes: o petrolão, a suposta compra de medidas provisórias e a teia política da Odebrecht. Pode ser que nenhuma acusação seja provada, mas o estrago político já está feito.

Luiz Carlos Azedo: O dever de casa

• Quando se procura uma explicação para as razões pelas quais os empresários temem investir e os consumidores evitam gastar, a resposta é óbvia: falta de confiança

- Correio Braziliense

Um velho jargão político diz que o sujeito que entra numa reunião sem saber a ordem do dia dela sairá derrotado, a não ser que de fato concorde com quem convocou o encontro. É mais ou menos o que vai acontecer hoje no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: os 90 integrantes, todos nomeados pela presidente Dilma Rousseff, não sabem o que vão discutir. Desconfia-se que o governo quer convencê-los de que o problema do ajuste fiscal será resolvido se apoiarem a volta da CPMF, o antigo imposto do cheque, que o Planalto quer aprovar no Congresso neste começo do ano, goela abaixo da sociedade.

Por ironia, essa intenção da presidente Dilma Rousseff põe em debate uma questão crucial para o futuro do país. É possível sair da crise com gastos excessivos, impostos demais e um governo obeso, perdulário e moribundo? Há muitas razões para a crise de confiança que inibe tanto os investimentos como o consumo, mas essa é a questão central, para onde quer que se olhe, seja para a situação dos hospitais, o zika vírus e a epidemia de microcefalia ou para a Operação Lava-Jato e a volatilização da exploração do pré-sal. O cenário é um só: obesidade, excesso de gastos e agonia nos órgãos e serviços oficiais.

O Conselhão deveria indagar: como cortar gastos e impostos e diminuir o papel do governo na economia? Nove entre 10 empresários que participam da reunião apoiariam essa discussão. Acontece que a presidente Dilma Rousseff trafega na contramão, haja vista o deficit fiscal de R$ 170 bilhões de 2015. E pretende anunciar linhas de crédito em torno de R$ 50 bilhões por meio de bancos públicos para setores como construção civil, exportador, bens de capital e micro e pequenas empresas. A maioria dos analistas acredita que o problema é outro: falta de demanda.

Quando se procura uma explicação para as razões pelas quais os empresários temem investir e os consumidores evitam gastar, a resposta é óbvia: falta de confiança. Ninguém sabe o que vai acontecer com o país. Naturalmente, o fracasso econômico do governo Dilma, o mais intervencionista no mercado desde Geisel, a crise ética desnudada pela Operação Lava-Jato e a desestruturação da base do governo no Congresso explicam essa desconfiança. O problema é que não dá para esperar 2018, quando termina o mandato de Dilma, para voltar a investir ou comprar.

É mais provável até que isso aconteça, mas será uma travessia no deserto. Gregos e baianos concordam que é preciso fazer alguma coisa. A oposição tentará apear Dilma do poder por meio do impeachment, mas sonha com uma decisão da Justiça Eleitoral que casse seu mandato e convoque novas eleições. Os governistas, que acusam a oposição de golpista, porém, também não estão satisfeitos com a situação. O PT, o PDT e o PCdoB propõem a radicalização do modelo de capitalismo de Estado, aumentando ainda mais o seu peso na economia, seja pela arrecadação tributária, seja pelo fomento de atividades econômicas. O PMDB e demais partidos da coalizão governista resistem à aprovação da CPMF e outros impostos, mas também não querem cortar na própria carne. Enquanto o governo não se entende, a inflação sobe e o desemprego aumenta.

Um bom exercício para o Conselhão seria avaliar a qualidade dos gastos feitos pelo governo nas mais diversas áreas. Na execução de obras e contratação de serviços, os malfeitos estão todos os dias nos jornais. Mas o descalabro maior é registrado na execução das políticas públicas, na saúde, na educação, na segurança pública, nos transportes. Quem sabe o Conselhão não cobra do governo um mapa da relação entre o custo das atividades-meio e o dos serviços efetivamente prestados à população. Esse é o busílis.

Ricos e funcionários
Voltando ao tema da nova legislação sobre financiamento de campanha abordado na coluna intitulada Caixa dois e pé no barro, as regras para financiamento privado da campanha eleitoral limitam as doações de pessoas físicas a 10% da renda bruta auferida no ano anterior, de acordo com a declaração do Imposto de Renda. Esse percentual não se aplica aos candidatos, que poderão usar todo o patrimônio para financiar a sua própria eleição. Na legislação anterior, isso era limitado a 50%.

Esse modelo favorece os candidatos ricos, com grande volume de bens e rendas declarados no IR. Como os servidores públicos comissionados não estão impedidos de fazer doações e têm interesse em manter os respectivos cargos de confiança, serão os principais doadores dos candidatos governistas. Donos de empresas prestadoras de serviços também não estão impedidos de fazer doações legais, desde que tenham declarado os dividendos recebidos das respectivas empresas.

Demétrio Magnoli: Uma alma desonesta

- O Globo

A melhor coisa do Brasil é Lula, segundo Lula. “Se tem uma coisa de que eu me orgulho neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu”, confessou o ex-presidente a uma plateia de blogueiros aduladores. Na conversa, ninguém produziu uma tentativa de distinção entre honestidade pessoal e honestidade política. Mas são conceitos diferentes. No plano pessoal, o julgamento da honestidade de Lula não cabe a ele — e permanece em suspenso. No plano político, provavelmente “não tem uma viva alma” mais desonesta que ele “neste país”.

Um boneco de FH com trajes de presidiário surgiu muitos anos atrás, carregado por sindicalistas da área de influência de Lula. O precedente não torna menos reprováveis os “pixulecos” que representam Lula em condições similares. Aquilo que, nos tempos de oposição, o PT classificava como parte da luta política legítima deve ser entendido como um elemento da degeneração sectária de nossa vida democrática. Lula é inocente até que, eventualmente, sua culpa seja provada no curso do devido processo legal. Mas, como disse Dilma Rousseff, o ex- presidente não está acima da lei e pode ser investigado, tanto quanto qualquer cidadão.

Não é, aparentemente, o que pensa o próprio Lula. Dias atrás, seu fiel escudeiro Gilberto Carvalho denunciou uma suposta “politização” das investigações que miram Lula e seus familiares. De acordo com ele, tudo não passaria de uma sórdida campanha destinada a impedir a “volta de Lula” no ano da graça de 2018. As declarações, altamente “politizadas”, implicam uma grave acusação contra o Ministério Público, que comanda as investigações, a Polícia Federal, que as conduz, e o Poder Judiciário, que as controla. Carvalho, a voz de Lula, está sugerindo que as três instituições operam segundo um ardiloso plano político- partidário. É uma alegação paralela à de Eduardo Cunha — e um sintoma de temor típico dos que têm algo a esconder.

Há muitas coisas incomuns nas atividades de Lula e nos negócios de seus filhos. Quando um ex- presidente que continua a exercer influência decisiva no governo profere palestras patrocinadas por empreiteiras condenadas no escândalo do petrolão e remuneradas em valores extraordinários, emerge uma natural desconfiança. Quando os negócios de um de seus filhos recebem impulso notável de uma empresa de telefonia beneficiada por alteração no marco regulatório decidida pelo governo de Lula, algo parece fora de lugar. Quando os negócios de outro filho se misturam aos de um lobista preso por corrupção, a coincidência solicita investigação. Lula é, pessoalmente, desonesto? A pergunta tornou- se razoável, mas uma resposta negativa carece de fundamento e, antes de um processo, deve ser marcada com a etiqueta da calúnia.

A imputação de desonestidade política, por outro lado, depende da opinião pública e, em certos casos, do Congresso, não dos tribunais. O tema pertence ao universo da ética e varia, no tempo e no espaço, ao sabor dos valores sociais hegemônicos. Nas repúblicas democráticas contemporâneas, a sujeição do Estado a interesses políticos particulares e o desvio de recursos públicos para fins partidários caracterizam a desonestidade política. Nesse sentido, Lula é uma alma desonesta.

As provas estão à vista de todos, a começar da “entrevista” concedida aos bajuladores. A existência de blogueiros chapa- branca não é um problema, mas seu financiamento com recursos de empresas estatais ( a Petrobras, a Caixa, o Banco do Brasil, os Correios) infringe o princípio da impessoalidade da administração pública. A nomeação de diretores da Petrobras segundo critérios partidários, conduta defendida por Dilma, que está na raiz do petrolão, é uma forma de privatização do Estado. O uso da Petrobras como patrocinadora do Fórum Social Mundial, um encontro de ativistas de esquerda simpáticos ao PT, faz parte da mesma classe de práticas. Jaques Wagner nunca criticou tais iniciativas, mas reconheceu que o PT “se lambuzou” no poder. Lula chefiou a farra dos “lambuzados”, assegurando para si mesmo um lugar de honra no panteão de nossa “elite de 500 anos”.

“A curiosidade é condição necessária, até mesmo a primeira das condições, para todo trabalho intelectual ou científico”, escreveu Amós Oz, acrescentando que “em minha opinião a curiosidade é também uma virtude moral”. Uma face ainda mais relevante, se bem que menos evidente, da desonestidade política de Lula é seu esforço para, em nome de seus interesses políticos, abolir a curiosidade do debate público brasileiro. Lula instaurou um paradigma nefasto na linguagem política que consiste em retrucar a qualquer crítica por meio de uma acusação de preconceito dirigida ao crítico.

O argumento do interlocutor não interessa. Ele critica para reagir à ascensão ao poder de um pobre que conheceu a fome, de um operário metalúrgico filho de mãe analfabeta. Ou para contestar a competência da primeira mulher a chegar à Presidência. Ou, alternativamente, com a finalidade de sabotar as políticas de combate à pobreza, de inclusão dos negros ou de proteção aos índios. O crítico é intrinsecamente mau. Se não o for, está a serviço da elite, de ambições estrangeiras ou de ambas. A linguagem política lulista, um relevo inescapável na paisagem brasileira, espalhou- se tão rapidamente quanto a dengue, as obras superfaturadas e o vício do crack. O assassino de nossa curiosidade é uma alma desonesta.

Lula colhe os frutos da árvore que plantou e, metodicamente, irrigou. Os fabricantes de “pixulecos” aprenderam a lição de sectarismo que ele ensinou. Aceitaram a divisão do país segundo as linhas do ódio político. Chamam-no de “ladrão” e “bandido” para circundar o caminho difícil do argumento. No país do impropério, do grito e da palavra de ordem, identificaram a escada do sucesso. O principal legado do lulismo é essa espécie peculiar de devastação ambiental.

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Demétrio Magnoli é sociólogo

Rogério Gentile O fantasma Celso Daniel

- Folha de S. Paulo

Celso Daniel foi sequestrado no dia 18 de janeiro de 2002 quando voltava de um restaurante em carro blindado. O corpo do prefeito de Santo André foi achado cerca de 32 horas depois.

À época, Lula disse que o assassino queria "amedrontar" o PT. "Você [Daniel] não foi vítima do acaso. Possivelmente tem gente grossa por detrás disso", afirmou. Três anos depois, na Presidência, citando investigações policiais, Lula afirmou que o crime foi comum. "Não acredito em crime político em hipótese alguma."

O caso voltou a ser notícia com Marcos Valério, que, tentando reduzir as penas do mensalão, disse que o PT pediu em 2004 sua intermediação em um empréstimo. O dinheiro seria repassado ao empresário Ronan Maria Pinto, que estaria chantageando Lula e Gilberto Carvalho com dados que ligariam o PT à morte do prefeito, o que Ronan nega. Valério disse ter recusado o pedido, mas que o pecuarista José Carlos Bumlai topou.

Preso pela Lava Jato, Bumlai confirmou que conseguiu um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao banco Schahin em 2004 e que o valor foi destinado ao caixa dois do PT. Posteriormente, disse ter sabido que R$ 6 milhões seriam usados para calar um suposto chantagista.

Salim Schahin, um dos acionistas do banco, por sua vez, afirmou aos investigadores que perdoou a dívida em troca de um contrato bilionário com a Petrobras. Contrato que, disse, foi obtido com aval de Lula.

Já o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, disse que Lula deu-lhe um novo cargo, em 2008, na diretoria financeira da BR Distribuidora em reconhecimento pela ajuda que prestou ao contratar o Banco Schahin, quitando o empréstimo para o PT.

Lula tem razão ao reclamar das delações. Se é verdade o que ele diz, é vítima de um complô incrível, tantos são os testemunhos e os detalhes que se complementam. Se é verdade o que eles dizem, está numa enrascada. Nas duas situações, Lula não pode mesmo gostar da Lava Jato.

Jarbas de Holanda: Da promessa de reforma da Previdência até o uso das reservas internacionais

No plano da economia – no pós-Carnaval e ao longo do primeiro semestre – sequência do processo recessivo, com o desemprego chegando aos dois dígitos e a inflação mantendo-se nesse patamar, mesmo com a paradeira das atividades produtivas e a queda de renda da população. E persistência da deterioração das contas públicas (com efeitos restritivos tão ou mais agudos para os governos estaduais e municipais), antecipando um segundo déficit primário consecutivo – em vez da meta de superávit de 0,5%, que proximamente será abandonada. Porque não será possível superar, nem sequer reduzir, o descompasso entre receitas, cadentes, e despesas ainda maiores do gigantismo estatal e do assistencialismo. Tudo isso, além dos dramáticos problemas da Petrobras, reforçando as demandas empresariais e de crescentes segmentos da sociedade de respostas sérias, consistentes, às causas da crise econômica e fiscal. Que, não enfrentadas de pronto na perspectiva concreta da superação desse descompasso, estenderão o processo recessivo por mais vários anos.

Demandas essas cujo andamento passa a constituir condicionante da continuidade, ou troca neste semestre, do governo Dilma Rousseff. E que se traduzem no reclamo de reformas estruturantes das quais a da Previdência é emblemática. Tratada como essencial pelo ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy. E mantida no discurso do substituto Nelson Barbosa como peça-chave do esforço que faz para reversão, ou pelo menos redução, da grande desconfiança dos investidores, internos e externos, em relação à presidente.

Mas, no plano político-partidário, a defesa da continuidade do mandato dela está vinculada a demandas econômicas completamente diferentes, a rigor contrapostas; de par com os objetivos da aliança contra a operação Lava-Jato, e investigações paralelas, entre as lideranças do lulopetismo e caciques do Congresso, à frente senadores do PMDB. Quanto à presidente, embora sufocada pela crise econômica e fiscal, quase certamente – o que será lamentável – vai tentar tal continuidade através do acolhimento a estas e não àquelas demandas, bem como às da referida aliança. A reforma da Previdência, rechaçada pelos dirigentes do PT e “movimentos sociais” a ele ligados, se reduzirá de fato a um mero discurso. Os esforços para melhoria da receita federal se apoiarão no aumento de tributos de competência do Executivo, articulado com a MP para a recriação da CPMF, a ser tentada a qualquer custo. 

 A tentativa de reativação do setor de obras públicas, praticamente parado, terá como centro o emprego de recursos do FGTS e dos bancos públicos, em lugar de investimentos privados atraídos com regras consistentes de parceria, propostos pelo ex-ministro Levy. E o bloqueio legislativo, provável, à recriação da CPMF propiciará – ou propiciaria, em face da persistência da incerteza da continuidade do mandato de Dilma – decisão do governo do uso das reservas internacionais do país, com a “justificativa” principal do atendimento às carências da área de saúde. Uso que já vem sendo cobrado pelo ex-presidente Lula.

Decisão que desdobrará, ou desdobraria, em consequências macro e microeconômicas mais graves o desmonte progressivo dos importantes ganhos do Plano Real. Desmonte promovido de 2008 em diante.

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Jarbas de Holanda, jornalista

Carlos Pereira: Durma-se com um barulho desses?

• Quais lições podemos tirar da crise política?

- Valor Econômico

A ciência política brasileira fez avanços consideráveis, tanto do ponto de vista teórico como metodológico. A busca por rigor no tratamento dos dados e sofisticação analítica permitiu, por exemplo, que identificássemos os pré-requisitos para o funcionamento virtuoso do presidencialismo multipartidário.

Entretanto, a deterioração abrupta da governança política e econômica tem gerado novos desafios interpretativos. Na realidade, o Brasil vive hoje um acúmulo de crises: econômica, política, de representação, ética e moral, do sistema partidário, do seu estado de proteção social, etc. É extremamente difícil estabelecer onde uma dessas crises começa e quando outra termina. A sensação de descarrilamento e de mal estar é generalizada: inflação alta, desemprego crescente, recessão econômica, corrupção, baixa popularidade da presidente, quebra de sua coalizão, risco de impeachment e de cassação de sua candidatura, etc.

Como chegamos até aqui? Por que os equilíbrios virtuosos alcançados ao longo das duas últimas décadas não conseguiram se sustentar ao longo do tempo? Até que ponto essas crises decorrem de problemas estruturais do sistema político? Seriam consequência de problemas de governo, especialmente no que diz respeito a más escolhas de gerência de coalizões?

Por que nós, cientistas políticos, não fomos capazes de prever tais crises?

É possível identificar pelo menos três interpretações concorrentes, mas não necessariamente excludentes, para a crise política brasileira.

A primeira visão argumenta que não houve descontinuidades ou mesmo deterioração na forma de gestão dos presidentes brasileiros pós-redemocratização.

Ou seja, Lula e Dilma geriram o nosso presidencialismo multipartidário de forma similar a Fernando Henrique ou Itamar. Os problemas seriam decorrentes de fatores exógenos à gestão tais como: a eleição de um polêmico "cavaleiro das trevas" à presidência da Câmara dos Deputados; o fortalecimento extemporâneo de um partido político ideologicamente amorfo, como o PMDB, e a decorrente vulnerabilidade política do governo diante deste parceiro; ou ainda, a transferência de responsabilidade à crise econômica internacional e/ou seguidos equívocos na formulação da política econômica.

A segunda interpretação acredita que o desenho do nosso sistema, ancorado em uma fragmentação partidária excessiva, galopante e independente das escolhas da própria gestão política, levaria a custos proibitivos de governabilidade de forma inexorável, sempre seguido de cooptação financeira e corrupção. A deterioração, portanto, seria o caminho quase natural de um desenho institucional claramente disfuncional. Pelo desenho da nossa constituição, presidentes não teriam condições de governar, senão cooptando cada vez mais partidos. Cairíamos assim em um ciclo vicioso: participação de partidos em governos passando a "valer dinheiro" (sujo ou não), seja integrando a coalizão ou "vendendo tempo de TV". Esse quadro estimularia a criação de mais partidos, gerando maior necessidade de cargos, maiores custos para gerenciar coalizões e mais corrupção. Em outras palavras, não foi uma questão de "azar" a estratégia monopolista e hegemônica do PT de governar e gerenciar o presidencialismo. Isso aconteceria cedo ou tarde, pois tais problemas seriam decorrentes da forma como o sistema foi concebido e das implicações desta concepção sobre a dinâmica evolutiva do sistema.

A terceira interpretação identifica a crise política como, fundamentalmente, uma crise de governo. Argumenta que o presidencialismo de coalizão foi transformado em presidencialismo de cooptação nos governos do PT. Os problemas políticos decorrem menos de um desenho institucional inadequado e mais das escolhas de um partido e de suas pretensões hegemônicas, ao se defrontar com o elevado grau de consenso requerido pelas instituições políticas para governar. O governo tucano geriu nosso presidencialismo de coalizão compartilhando poder entre os partidos da base aliada: coalizões ideologicamente homogêneas próximas do legislador mediano do Legislativo, menos partidos na coalizão e gestão compartilhada do poder Executivo. Os governos petistas, por sua vez, construíram coalizões ideologicamente mais heterogêneas, na média mais à esquerda do parlamentar mediano do Legislativo, e pouco compartilharam o governo com aliados, refletindo a sua pouca confiança nos partidos de sua coalizão e oportunismo das eventuais alianças. Os governos do PT preferiram buscar atalhos e o resultado foi a crise política e a grave recessão.

Independentemente do grau de acerto e erro de cada visão, há barulho lá fora e a ciência política brasileira precisa enfrentá-lo. A saída, ainda que desconfortável, é a de buscarmos lições da crise, que aqui resumo em três. A primeira é que superestimamos os poderes constitucionais e de agenda do presidente enquanto mecanismos capazes de superar desafios de gestão de coalizões. Essa dificuldade se tornou evidente com a eleição de um presidente da Câmara dos Deputados com preferências políticas distintas do Executivo, levando o Legislativo à posição de protagonista. A segunda lição é que o compartilhamento proporcional de poderes com aliados só gera efeitos virtuosos quando o presidente é politicamente forte. Quando o presidente se enfraquece, como ocorrido com a presidente Dilma, a proporcionalidade se traduz em cooptação e maior vulnerabilidade do Executivo. 

Finalmente, a terceira lição que se pode apreender é que o funcionamento virtuoso do presidencialismo de coalizão requer um presidente/líder/coordenador hábil e disposto a um jogo de caráter consociativo. Caso contrário, os custos e problemas de coordenação política adquirem um potencial predatório.

Naturalmente sempre pode haver quem prefira, mesmo reclamando, dormir com um barulho desses. Mas ainda penso que há barulho que pode virar música.
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Carlos Pereira é professor titular na Ebape da Fundação Getulio Vargas (FGV), coautor do livro "Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System"

Míriam Leitão: Diferenças latinas

- O Globo

Vários países da América Latina enfrentam o fim do ciclo das commodities, mas reagem diferentemente. Brasil e Argentina estão em recessão. A Venezuela nem se diga. Peru, Chile e Colômbia reduziram o crescimento, mas continuaram com o PIB positivo. O que diferencia é a política econômica, segundo José Roberto Mendonça de Barros. “Estão em crise os que adotaram o populismo.”

O economista da MB Associados fala principalmente do caso do Peru, que manteve a mesma política econômica, apesar de passar por três presidentes com perfis diferentes:

— O Peru manteve a economia aberta, integrada ao mundo, bom ambiente de negócios, política fiscal mais ajustada, apesar de ter passado pelos presidentes Alejandro Toledo, um técnico, Alan Garcia, um ex- populista, e Ollanta Humala, que entrou também com discurso também populista.

Os outros países que tiveram políticas mais responsáveis enfrentam uma desaceleração, reduzem o ritmo, mas o Brasil despencou em uma recessão com inflação alta. É o mesmo caso da Argentina. A Venezuela errou muito mais e está em situação muito mais dramática.

Em Davos, houve um painel com ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central de países latinoamericanos. E o mediador, o economista venezuelano Ricardo Haussman, professor na Harvard's Kennedy School e amigo de vários dos economistas da mesa, fez um relatório sobre a sua visão dessas diferenças. No painel, estava o ministro Nelson Barbosa, o presidente do BC Argentino, Federico Sturzenegger. Chile, Colômbia e Peru estavam com ministros da Fazenda: Rodrigo Valdés, Mauricio Cárdenas e Alonso Segura.

O Chile foi duramente atingido pela queda de 55% no preço do cobre, seu principal produto de exportação. Mas havia criado um fundo de contingência onde depositou, nos anos de boom, parte da receita extra auferida com o cobre. Mesmo assim, teve que fazer ajuste fiscal, mas manteve o crescimento. O Peru também é grande exportador de cobre. O Brasil foi atingido pela queda do minério de ferro, que está a um quinto do preço do pico em 2011. Colômbia e Venezuela foram afetados pelo petróleo. “O interessante é que Chile, Colômbia e Peru estão mantendo o crescimento entre 2% a3%, não tanto quanto cresciam antes, mas é uma notável performance dado a magnitude do choque”, diz ele, em texto publicado em sua página na internet.

Hausmann diz que eles conseguiram isso porque todos foram “prudentes” em manejar o boom, se preocupando em reduzir a dívida/ PIB, melhorando as avaliações de risco. “O Peru foi muito mais resiliente do que eu esperava. Isso foi possível porque o país usou estímulos fiscais para reduzir o impacto, enquanto mantinha os déficits fiscal e externo em níveis modestos”. A Colômbia fez um ajuste fiscal mais forte, mas enfrenta problemas, entre outra razões, porque seus dois vizinhos estão “implodindo”, segundo o economista, se referindo à Venezuela e ao Equador. O país está mantendo o crescimento com forte estímulo a obras de infraestrutura, o que pode fazer pelo ajuste anterior ao choque, porque este ano não terá receita vinda do petróleo.

Haussman definiu o Brasil como “muito vulnerável” porque desperdiçou o período de boom. Mendonça de Barros tem o mesmo diagnóstico:

— Em 2008, tinha mesmo que dar estímulos à economia, mas depois a política descambou para o populismo eleitoral em 2010 e lá ficou.

Exportadores de commodities têm que estar preparados para os períodos das quedas. Eles sempre chegam. O erro, cometido antes, cobra agora a sua conta.