terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso

Também os ventos antipopulistas começam a soprar na América Latina. A derrota dos candidatos peronistas na Argentina e, sobretudo, a espetacular maioria obtida pela oposição democrática na Venezuela enchem de ânimo os que não confundem populismo com progressismo. Uruguai e Chile são governados por partidos “de esquerda”, mas não populistas, e a nenhum democrata ocorre torcer por sua derrota só por essa inclinação política. Outra coisa é o autoritarismo pseudonacionalista, que distribui uma renda que não se sustenta no tempo e atropela regras democráticas, quando não viola direitos humanos, para se perpetuar no poder, como no caso do “bolivarianismo”, que, como uma lâmina, estava e ainda está cravado no arcabouço institucional da região. Esse populismo começa a se desfazer. São sinais promissores.

A confusão entre populismo e políticas “de esquerda” baseia-se num equívoco: o de que medidas que propiciam melhoria imediata das condições de vida são progressistas, mesmo que não se possam manter no tempo. Em contrapartida, seriam de “direita” providências que impedem gastar mais do que se pode, à custa de endividamentos e da insolvência. Na verdade, o respeito ao equilíbrio orçamentário, o controle da inflação e a não manipulação do câmbio (sem austeridades eternas, nem monetarismos fora de moda) são condições indispensáveis para o crescimento econômico e para a inclusão social. Não são suficientes, mas são indispensáveis para que as políticas sociais se mantenham. Ao ignorá-las, muitos projetos ditos “em benefício do povo” terminam em ruínas.

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Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República, ‘Sinais de preocupação e esperança’, O Estado de S. Paulo, 03. 01. 2016

Merval Pereira: Falsa polêmica

- O Globo

Mais uma vez a oposição está escolhendo o pior caminho na disputa sobre o rito do processo de impeachment, unindo-se ao (ainda) presidente da Câmara, Eduardo Cunha, nos embargos de declaração que serão impetrados para tentar mudar a decisão do Supremo Tribunal Federal.
A oposição questionará unicamente a proibição de haver chapa alternativa na eleição para a Comissão da Câmara que analisará a admissibilidade do processo de impeachment, baseando-se na afirmativa do presidente da Câmara de que o artigo 19 da lei 1.079 de 1950 alude a “comissão especial eleita”.

Mas bastaria que lessem a íntegra do voto do ministro Barroso para constatar que ele concluiu, e foi seguido pela maioria do STF, que a escolha dos membros da Comissão não é eleição, mas indicação dos líderes para comissões temporárias, conforme o artigo 33 do Regimento Interno da Casa.

Por isso, aliás, o STF não aplicou o artigo 188 do regimento, que trata especificamente da votação secreta em eleições. Essa, por sinal, é controvérsia que Barroso esclareceu em um artigo no site Consultor Jurídico. Ele não considerou que o artigo 188 do regimento da Câmara pudesse ser usado, e mesmo assim o artigo não prevê voto secreto para todos os membros da comissão, mas apenas para os presidentes e vices:

“A votação por escrutínio secreto far-se-á pelo sistema eletrônico, nos termos do artigo precedente, apurando-se apenas os nomes dos votantes e o resultado final, nos seguintes casos: (...)

III – para eleição do presidente e demais membros da Mesa Diretora, do presidente e vice-presidentes de Comissões Permanentes e Temporárias, dos membros da Câmara que irão compor a Comissão Representativa do Congresso e dos dois cidadãos que irão integrar o Conselho da República e nas demais eleições”.

Por isso também Teori Zavascki, que o havia questionado, admitiu que Barroso estava com a razão. A Constituição, no artigo 58, diz que as Casas do Congresso formarão comissões com base no seu regimento, e o artigo 33 do Regimento Interno da Câmara explica como serão constituídas as comissões temporárias, como é a do impeachment: seus membros serão “designados pelo presidente por indicação dos líderes”.

Barroso diz crer que o artigo 19 da lei 1.079/1950 foi superado pelo artigo 58, caput e § 1º da Constituição. O raciocínio é lógico: se a Constituição determina que comissões temporárias serão formadas segundo o regimento da Câmara, e se a comissão do impeachment é temporária, fica claro que o artigo da lei de 1950 que determina que a comissão seja “eleita” caducou.

Barroso ainda se esforça para interpretar o espírito da lei, dizendo que “eleita” significa só escolhida, de modo que a formação da comissão de impeachment seguiria, por completo, o regramento padrão do regimento da Câmara. “Não pode caber ao plenário da Casa escolher os representantes dos partidos ou blocos parlamentares. Logo, eleita significa escolhida, que é, aliás, uma das acepções léxicas possíveis”.

E, mesmo assim, para seguir os mesmos critérios do impeachment do ex-presidente Collor, Barroso admite em seu voto a realização de eleição pelo plenário da Câmara, desde que limitada a confirmar ou não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é, sem abertura para candidaturas ou chapas avulsas.

Isso porque, diz Barroso, “se, por força da Constituição, a representação proporcional é do partido ou bloco parlamentar, os nomes do partido não podem ser escolhidos heteronomamente, de fora para dentro, em violação à autonomia partidária”. Fica aberta a interrogação sobre o que fazer se o plenário da Câmara não aprovar a lista apresentada pelos líderes partidários.

Barroso sugere: “Pode haver disputa dentro do partido, e pode até ser saudável que se façam eleições internas.” A saída da oposição será mais eficiente, portanto, se estimular chapas dissidentes nos partidos aliados, tentando superar na disputa interna os governistas.

O sucesso da dissidência dependerá da situação econômica na ocasião da escolha da Comissão da Câmara, onde se dará a disputa essencial. Caso a Câmara aprove por 2/3 a admissibilidade do impeachment, não haverá clima político para o Senado reverter a decisão.

Se a oposição não for bem-sucedida nessa empreitada na Câmara, será sinal de que o governo ainda tem argumentos, republicanos ou não, para manter sua maioria preventiva.

Hélio Schwartsman: A culpa é dos outros

- Folha de S. Paulo

"Para analistas, crise política pode alcançar 2018"; "Crise leva famílias de classe média de volta às camadas de menor renda"; "Crise afeta folia e cidades da região cancelam Carnaval"; "Crise desfaz planos de vida e de carreira". Essas são manchetes recentes de jornais que recolhi meio a esmo no Google.

O quadro não é animador, mas será que já devemos desfazer nossos planos de vida? Seres humanos não somos os melhores analistas de risco. Nossos vieses cognitivos fazem com que sejamos incorrigivelmente otimistas em relação a nós mesmos –93% dos americanos se julgam motoristas mais hábeis que a mediana– e verdadeiras aves de mau agouro no que concerne a situações sobre as quais não temos controle, como se depreende das manchetes acima.

O arranjo é estranho, mas faz sentido evolutivo. A autoconfiança, mesmo desmedida, pode ajudar nas atividades em que o desempenho individual afeta diretamente o resultado. Já o pessimismo com o que não depende de nós faz com que nos preparemos para o pior, o que também pode ser útil para a sobrevivência.

Se a análise é correta e esses vieses estão em plena operação, é grande a chance de os governantes estarem diminuindo o tamanho da crise e nós, cidadãos comuns, o magnificando.

No que diz respeito aos dirigentes, acredito que seja este o caso, como se conclui da leitura do artigo de Dilma Rousseff publicado na Folha e da entrevista que o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, deu ao jornal. Ambos ainda parecem viver num mundo à parte, no qual os principais responsáveis pela crise são a queda das commodities, a desaceleração da China e, é claro, a oposição, que teima em não aceitar o resultado das urnas.

Quanto aos cidadãos comuns, é bem possível que estejamos exagerando nas expectativas negativas, mas, ao fazê-lo, apenas distorcemos um pouco o mundo real, sem nos transportar para a dimensão paralela para a qual o governo foi abduzido.

Raymundo Costa: As pontes do ministro Jaques Wagner

• Governo e aliados desavindos falam em entendimento

- Valor Econômico

Entre os votos de Feliz Natal e próspero Ano Novo, governo e seus aliados desavindos, como o PMDB, trocaram sinais cautelosos de uma trégua política. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, falou mesmo em governo de união nacional para estancar a crise, o que pressupõe um chamado também à oposição, a partir de dois temas iniciais: a reforma política e a reforma da Previdência, provavelmente com o estabelecimento da idade mínima de 65 anos, o que Wagner não disse, mas é o pressuposto do debate em curso no momento.

PT e PMDB, este por intermédio do ex-ministro Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães e um dos mais próximos conselheiros do vice-presidente Michel Temer, falaram em conversar. Até aí tudo bem. Mas o ponto de partida para um e outro difere muito. Para os pemedebistas, só existe uma porta de entrada para um amplo entendimento: a busca do equilíbrio fiscal tendo em vista a retomada do crescimento. É o que dá rumo e foco. O resto é a bagunça fiscal. Essa, no entanto, não parece ser condição nem para o PT nem para o governo federal.

Outros petistas, além de Wagner, também têm falado em diálogo. O ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário), por exemplo, defende a celebração de um "pacto pela democracia", a fim de isolar os radicais e preservar conquistas que são de todos. Patrus, o ministro que efetivamente implantou o Bolsa Família, é um dos muitos petistas hostilizados em locais públicos, por conta das denúncias de corrupção que pesam contra o partido. Mas quer conversar e colaborar no que puder.

A proposta Wagner é diferente e foi entendida como uma tentativa do PT de se limpar da lambuzada em que se meteu na Lava-Jato com a reforma política, vista como "quimera" pela cúpula do PMDB. Em entrevista que concedeu ao jornal "Folha de S. Paulo", publicada no domingo, o ministro Wagner não só deu precedência à proposta de reforma política, dentro de um eventual entendimento, como também atribuiu o pecado do PT a não ter mudado os métodos do exercício da política, "ferramentas que já eram usadas", disse.

Nas entrelinhas de Wagner, não foram o PT e os petistas que erraram. O partido e alguns de seus filiados é que foram maculados pelo sistema. "Talvez porque nunca [o PT] foi treinado para isto, deve ter feito como naquela velha história: 'quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza'. Quem é treinado erra menos, talvez, né", perguntou o ministro da Casa Civil. A seu modo, Jaques Wagner explicou o envolvimento do PT na Lava-Jato da mesma maneira que Delúbio Soares e o ex-presidente Lula justificaram o mensalão - recursos não contabilizados, apenas caixa 2, uma prática usual de todos os partidos brasileiros.

O aceno ao entendimento não deixa de ser um gesto positivo, mas o enredo proposto tanto pelo PT como pelo governo dificilmente levará à mesa de negociação os aliados desavindos e, sobretudo, a oposição. Os políticos querem eles próprios cuidar da reforma política, no seu devido tempo, o que certamente não é agora, quando as forças estão pulverizadas, em meio a uma crise que envolve tanto o Legislativo quando o Executivo. Quanto à lambuzada, não há muito o que fazer, está nas mãos do Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário.

Sem algum tipo de entendimento, nada indica que a mudança de ano mudará também a conjuntura política. Na entrevista à "Folha", Wagner calculou que a presidente Dilma Rousseff deve contar com o apoio de 250 a 255 deputados para "enterrar" o impeachment na Câmara, sem precisar recorrer aos préstimos do Senado e de seu presidente, Renan Calheiros. É mais que suficiente para matar o processo de impeachment no nascedouro, onde bastam 171 votos para livrar a presidente da República. É pouco, no entanto, para quem fala em reforma política, reforma da Previdência, reforma tributária e na reedição da CPMF, todos projetos que precisam de maioria constitucional (308 votos) para serem aprovados.

Há muitos outros percalços à vista. A partir de fevereiro, o Congresso passa a ser regido pelo signo das eleições de 2016 e 2018. Os prognósticos para o desempenho do PT nas eleições municipais não são os melhores possíveis, antes pelo contrário, o que deve ter repercussão nas as votações. E o que mais deve pesar na convenção de março do PMDB, quando será decidido se o partido fica ou sai do governo. Ao menos formalmente, pois uma parte ficará no governo seja qual for a decisão partidária.

A instalação da comissão especial do impeachment pode demorar. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) acatar um pedido do procurador-geral, Rodrigo Janot, o deputado Eduardo Cunha será afastado da presidência da Câmara mas não destituído do cargo. Neste caso, assume o vice Waldir Maranhão (PP-MA), fiel escudeiro do titular.

Cunha só quer instalar a comissão especial do impeachment depois de julgados os recursos que apresentar à decisão do Supremo sobre o processamento do pedido, o que deve prolongar a agonia congressual do governo. Há expectativa no Congresso de o STF acolher parte do recurso da Câmara. O voto do ministro Celso de Mello e a repercussão negativa do ativismo judicial do Supremo alimentam o que mais parece ser uma esperança. Mello votou com o relator Edson Fachin inclusive nos aspectos relacionados a voto secreto e chapa avulsa. Divergiu apenas ao considerar que cabe efetivamente ao Senado instaurar ou não o processo.

O Palácio do Planalto não quer se livrar de Eduardo Cunha para ficar na mão de Renan Calheiros, o presidente do Senado. A soma de Renan Calheiros mais Dilma, sem dúvida, favorece o governo no Congresso. Mas o pacto que atualmente junta os interesses de Renan com os de Dilma também existia com Eduardo Cunha e só foi rompido quando o PT decidiu votar contra o presidente da Câmara no Conselho de Ética. A disposição de Renan está intrinsecamente liga às evoluções de Janot na Operação Lava-Jato.

José Casado: Já é ruína

• Criada para administrar ‘fabulosa riqueza’ para Saúde e Educação, estatal do pré-sal já está sucateada. Vive da caridade de fornecedores, que cedem softwares gratuitos

- O Globo

Numa noite de outubro, dois anos atrás, ela convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão para comunicar: “Passamos a garantir, para o futuro, uma massa de recursos jamais imaginada para a Educação e para a Saúde.”

Enlevada num tom de realismo mágico, anunciou a alquimia: “A fabulosa riqueza que jazia nas profundezas dos nossos mares, agora descoberta, começa a despertar. Desperta trazendo mais recursos, mais emprego, mais tecnologia, mais soberania e, sobretudo, mais futuro para o Brasil.”

Arrematou, com esmero ilusionista: “Começamos a transformar uma riqueza finita, que é o petróleo, em um tesouro indestrutível, que é a Educação de alta qualidade. Estamos transformando o pré-sal no nosso passaporte para uma sociedade mais justa.”

Para gerenciar a riqueza submersa a mais de quatro mil metros no Atlântico, Dilma Rousseff criou a estatal Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. (PPSA). Deu-lhe amplos poderes para defender os interesses da União, o que inclui a gestão dos contratos de partilha, controle dos custos e das operações de exploração e produção de todo petróleo extraído da camada pré-sal.

Não é pouco. A combalida Petrobras, que nesses campos já produz mais de um milhão de barris, planeja concentrar investimentos numa área de tamanho equivalente a 150 mil campos de futebol, a 170 quilômetros de distância do litoral do Estado do Rio. Libra, como é conhecida nos mapas marítimos, é uma das maiores áreas do planeta reservada à exploração de petróleo. Foi leiloada a uma sociedade composta pela Petrobras, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e as chinesas CNPC e CNOOC.

Dilma continua com o seu discurso surrealista, com toques de absolutismo groucho-marxista: “Eu represento a soberania nacional, do pré-sal, a defesa dos 30%, a defesa do conteúdo nacional... Esse golpe (o processo de impeachment) não é contra mim, é contra o que eu represento, contra a soberania, contra o modelo de partilha do pré-sal”— disse semanas atrás a uma plateia de sindicalistas aliados do governo.

Longe do espelho d’água do Palácio do Planalto, sobram certezas sobre o desgoverno na condução dos negócios do pré-sal. A empresa estatal (PPSA) criada para recolher a “massa de recursos jamais imaginada” para Saúde e Educação mal começou e já está sucateada.

Tem 15 empregados, acumula prejuízos e patrimônio líquido negativo. Sem dinheiro, atravessou 2015 sobrevivendo da caridade privada. Fornecedores cederam-lhe licenças temporárias gratuitas de software.

Perplexos, auditores do Tribunal de Contas da União registraram: “Há sérios riscos de se comprometer ou até inviabilizar a realização de importantes tarefas técnicas, tais como: a) interpretação sísmica e modelagem geológica; b) construção de modelos estáticos e dinâmicos para simulação de fluxo em reservatórios petrolíferos; c) análise de dados de perfuração de poços e de desempenho petrofísica; d) testes de modelagem de escoamento.”

É real a ameaça aos resultados econômicos para a União, adverte o tribunal.

Com 28 meses de existência, a estatal do pré-sal pode ser vista como novo símbolo do governo Dilma. Parecia que ainda era construção, mas já é ruína.

Luiz Carlos Azedo: O modo de agir e pensar

• A iniciativa de ressuscitar o Conselhão, anunciada ontem, aposta num atalho para restabelecer a confiança da sociedade no governo

- Correio Braziliense

Um dos fatores de descrédito do atual governo é a incapacidade de mudar seu modus operandi. Há uma correlação óbvia entre o modo de agir e pensar da presidente Dilma Rousseff e os resultados desastrosos do seu governo. Reconhecer esses resultados é inevitável para o Palácio do Planalto — afinal, os fatos são teimosos —, mas daí a aceitar que o modo de agir e pensar da chefia fazem parte do problema são outros quinhentos.

É nesse aspecto que a iniciativa do Palácio do Planalto de elaborar um documento sobre a economia, que será mais uma declaração de intenções, e submetê-lo à discussão do chamado Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, para resgatar a confiança de empresários e investidores, tem tudo para dar errado. Será um repeteco de um modelo de gestão que desaguou no “mensalão” e, depois, fomentou o surgimento do “petrolão”.

No primeiro mandato do presidente Luiz Inácio da Silva, o atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, foi o responsável pelo funcionamento do Conselhão. Talvez por isso, e por sua forte influência na nova equipe ministerial, o órgão de assessoramento da Presidência esteja sendo reativado. O papel do Conselhão foi usurpar do Congresso a mediação da “grande política”, que passou a ser debatida sem intermediários pelo presidente Lula com líderes empresariais, representantes dos movimentos sociais e personalidades influentes do mundo corporativo. Ao Congresso, cabia apenas homologar suas decisões e se engalfinhar na “pequena política” do toma lá dá cá.

O rolo compressor governista no Congresso foi azeitado pelo “mensalão”, partindo-se do princípio de que era mais fácil manter a base governista com emendas, cargos comissionados e um “por fora” do que incorporar as lideranças dos partidos ao processo decisório nas questões de Estado e de governo. Vivia-se, naquela ocasião, uma situação muito parecida com a atual, do ponto de vista da composição da base, principalmente porque o PMDB estava dividido. O grupo Sarney-Renan, na base do governo, controlava o Senado; e a bancada da Câmara, dividida, trocava de líder a cada abaixo-assinado, com o presidente da legenda, Michel Temer, na oposição.

No segundo mandato, com a economia em expansão e o chamado Plano de Aceleração do Crescimento, aperfeiçoou-se o sistema de financiamento da hegemonia petista e sua base, à margem do Conselhão, com a formação do cartel de empreiteiras que mergulhou de cabeça no projeto do pré-sal e emergiu com o “petrolão”. O funcionamento do colegiado passou a ser mera formalidade, até porque seu principal condutor, o então ministro Jaques Wagner, havia sido eleito governador da Bahia e já não fazia o meio de campo com os integrantes do órgão.

A entrada de grandes empreiteiras e empresas de energia, inclusive estrangeiras, no esquema do “petrolão” elevou a um novo patamar o sistema de superfaturamento de obras e serviços, desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro operado pela cúpula do PT, cujos tesoureiros foram presos. A mediação com as grandes empreiteiras e outras empresas agregadas ao “cluster” passou a ser feita por diretores e gerentes da Petrobras, empreiteiros e executivos de empresas e lobistas a serviço de um círculo poderoso de políticos com poder de mando na base do governo, principalmente do PT, PMDB e PP, que agora estão sendo investigados pela Operação Lava Jato.

Àquela altura do campeonato, o Conselhão já era. As grandes decisões do governo envolvendo os projetos de investimento e políticas fiscais em relação aos demais setores dinâmicos da economia eram tomadas pelo presidente Lula em pessoa, ministros, presidentes de bancos e empresas estatais em negociações diretas com os beneficiados. Não havia isonomia; havia a política dos campeões, dos privilégios e privilegiados, principalmente em matéria de desonerações fiscais. Por causa disso, mais escândalos, como a venda de medidas provisórias para o setor automotivo, estão surgindo.

Atalho
No governo Dilma, o Conselhão passou ser apenas mais uma caixinha no organograma da Presidência da República. O estilo mandão e a autossuficiência da presidente da República dispensavam a interlocução com seus integrantes. O resultado foi a transformação do Instituto Lula, no Ipiranga, em São Paulo, em muro das lamentações de empresários, políticos e lobistas. O esquema do “petrolão”, porém, já estava montado e tinha vida própria. Assim como outros que estão sendo descobertos em estatais de energia e fundos de pensão.

O esquema entrou em colapso porque a nova matriz econômica de Dilma Rousseff foi um fracasso e a Operação Lava-Jato, quase que por acaso, começou a desnudar o sistema de lavagem de dinheiro da corrupção, no final do primeiro mandato. Entretanto, a iniciativa de ressuscitar o Conselhão anunciada ontem pelo governo está fadada ao fracasso, porque aposta num atalho para restabelecer a confiança da sociedade no governo e para pactuar a nova política econômica com o mercado. Não resolve a questão fundamental para isso, que é a construção de um consenso nacional em torno da “grande política”, cuja agenda emergencial é enfrentar a crise ética e reequilibrar as contas públicas.

Marco Antonio Villa: A Revolução Cultural do PT

• Revolução Industrial não é citada uma vez sequer, assim como a Revolução Francesa ou as revoluções inglesas do século XVII

- O Globo

O Ministério da Educação está preparando uma Revolução Cultural que transformará Mao Tsé-Tung em um moderado pedagogo, quase um “reacionário burguês.” Sob o disfarce de “consulta pública”, pretende até junho “aprovar” uma radical mudança nos currículos dos ensinos fundamental e médio — antigos primeiro e segundo graus. Nem a União Soviética teve coragem de fazer uma mudança tão drástica como a “Base Nacional Comum Curricular.”

No caso do ensino de História, é um duro golpe. Mais ainda: é um crime de lesa-pátria. Vou comentar somente o currículo de História do ensino médio. Foi simplesmente suprimida a História Antiga. Seguindo a vontade dos comissários-educadores do PT, não teremos mais nenhuma aula que trata da Mesopotâmia ou do Egito. Da herança greco-latina os nossos alunos nada saberão. A filosofia grega para que serve? E a democracia ateniense? E a cultura grega? E a herança romana? E o nascimento do cristianismo? E o Império Romano? Isto só para lembrar temas que são essenciais à nossa cultura, à nossa história, à nossa tradição.

Mas os comissários-educadores — e sua sanha anti civilizatória — odeiam também a História Medieval. Afinal, são dez séculos inúteis, presumo. Toda a expansão do cristianismo e seus reflexos na cultura ocidental, o mundo islâmico, as Cruzadas, as transformações econômico-políticas, especialmente a partir do século XI, são desprezadas. O Renascimento — em todas as suas variações — foi simplesmente ignorado. Parece mentira, mas, infelizmente, não é. Mas tem mais: a Revolução Industrial não é citada uma vez sequer, assim como a Revolução Francesa ou as revoluções inglesas do século XVII.

O apagamento da História, ao estilo Ministério da Verdade de “1984,” não perdoou a história dos Estados Unidos — neste caso, abriu exceção somente para a região onde esteve presente a escravidão. Do século XIX europeu, tudo foi jogado na lata de lixo: as unificações alemã e italiana, as revoluções — como a de 1848 —, os dilemas político ideológicos, as mudanças econômicas, entre outros temas clássicos e indispensáveis à nossa História.

Os policiais da verdade não perdoaram também a História do Brasil. Os movimentos pré-independentistas — como as Conjurações Mineira e Baiana — não existiram, ao menos no novo currículo. As transformações do século XIX, a economia cafeeira, a transição para a industrialização foram desconsideradas, assim como a relação entre as diversas constituições e o momento histórico do país, isto só para ficar em alguns exemplos.

Mas, afinal, o que os alunos vão estudar? No primeiro ano, “mundos ameríndio, africanos e afro-brasileiros.” Qual objetivo? “Analisar a pluralidade de concepções históricas e cosmológicas de povos africanos, europeus e indígenas relacionados a memórias, mitologias, tradições orais e a outras formas de conhecimento e de transmissão de conhecimento.” E também: “interpretar os movimentos sociais negros e quilombolas no Brasil contemporâneo, estabelecendo relações entre esses movimentos e as trajetórias históricas dessas populações, do século XIX ao século XXI.” Sem esquecer de “valorizar e promover o respeito às culturas africanas, afro-americanas (povos negros das Américas Central e do Sul) e afro-brasileiras, percebendo os diferentes sentidos, significados e representações de ser africano e ser afrobrasileiro.”

No segundo ano — quase uma repetição do primeiro — o estudo é sobre os “mundos americanos.” Objetivo: “analisar a pluralidade de concepções históricas e cosmológicas das sociedades ameríndias a memórias, mitologias, tradições e outras formas de construção e transmissão de conhecimento, tais como as cosmogonias inca, maia, tupi e jê.” Ao imperialismo americano, claro, é dado um destaque especial. Como contraponto, devem ser estudadas as Revoluções Boliviana e Cubana; sim, são exemplos de democracia. E, no caso das ditaduras, a sugestão é analisar o Chile de Pinochet — de Cuba, nemtchum.

No terceiro ano, chegamos aos “mundos europeus e asiáticos.” Se a Guerra Fria foi ignorada, não foi deixado de lado o estudo da migração japonesa para o Paraguai na primeira metade do século XX (?). O panfletarismo fica escancarado quando pretende “problematizar as juventudes, discutindo massificação cultural, consumo e pertencimentos em diversos espaços no Brasil e nos mundos europeus e asiáticos nos séculos XX e XXI.” Ou quando propõe “relacionar as sociedades civis e os movimentos sociais aos processos de participação política nos mundos europeus e asiáticos, nos séculos XX e XXI, comparando-os com o Brasil contemporâneo.”

Quem assina o documento é o exministro da Educação Renato Janine Ribeiro, um especialista brasileiro em Thomas Hobbes. Porém, Hobbes ou o momento em que viveu (o século XVII inglês) são absolutamente ignorados pelos comissários-educadores. Para eles, de nada vale conhecer Hobbes, Locke, Platão, Montesquieu, Tocqueville, Maquiavel, Rousseau ou Sócrates. São pensadores do mundo europeu. O que importa são as histórias ameríndias, africanas e afro-brasileiras.

O documento está recheado de equívocos, exemplos estapafúrdios, de panfletarismo barato, de desconhecimento da História. Os programas dos cursos universitários de História foram jogados na lata de lixo e há um evidente descompasso com a nossa produção historiográfica. A proposta é um culto à ignorância. Nenhuma democracia no mundo ocidental tem um currículo como esse. Qual foi a inspiração? A Bolívia de Morales? A Venezuela de Chávez? A Cuba de Castro? Ou Lula, aquele que dissertou sobre a passagem de Napoleão Bonaparte pela China?

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Marco Antonio Villa é historiador

Vinicius Torres Freire: Crise? Que crise?

- Folha de S. Paulo

As praias e seus hotéis estavam lotados, as estradas para o litoral, entupidas, e comer um sanduíche exigia uma hora de fila. "Crise? Que crise?"

Histórias e fotos dos congestionamentos dos feriados fizeram sucesso em blogs e redes insociáveis na virada do ano. "Formadores de opinião" adeptos de Dilma Rousseff faziam troça de "pessimildos". Logo apareciam os críticos, e passava-se ao debate: "coxinha", "fascista", "mortadela", "petralha" e nenhuma ordem nas razões.

Como é comum nesse ambiente, virtual e realíssimo, os que comungavam da mesma opinião se congratulavam pela esperteza esotérica, pelo conhecimento exclusivo da realidade e pela imunidade contra o "derrotismo" do "golpismo midiático" —ou pela indiferença à estatística, para não dizer a sofrimentos.

Hotel de praia lotado é um bom indicador? Aliás, estava lotado?

Ainda não há estatísticas gerais da ocupação dos hotéis no final do ano. Há evidências anedóticas (parciais, casos) de que os negócios não foram mal e de empresários do ramo algo contentes.

Até outubro, o negócio parecia em baixa. A taxa de ocupação então caía 6,8% no ano, segundo os dados mais recentes disponíveis da parceria do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil com o Senac de São Paulo. A receita por apartamento diminuía 10,4%. Em 2014, a receita já subira abaixo da inflação (ou seja, diminuiu, em termos reais). Há alguma crise na hotelaria.

Pode ser que o final de ano tenha sido melhor. É possível, mas ainda não precisamente provável, que brasileiros tenham substituído viagens ao exterior pelo turismo doméstico. Acontece em vários negócios quando há "alta do dólar". Em crises menos bicudas, é assim que começam recuperações econômicas. Em vez de comprar lá fora, voltamos a comprar "produto nacional", de hotel a roupa, passando por insumo industrial.

As despesas com viagens ao exterior, medidas em dólar, começaram a cair em fevereiro. Em reais, passaram a despencar lá por agosto, em média quase 20% em relação a 2014.

Em crises costuma haver mudança de padrões de consumo (os preços se alteram uns em relação aos outros; a perda de renda eleva a procura por produtos inferiores etc.). Difícil julgar o que se passa considerando apenas um ramo de negócio. Mas é um tanto ridículo argumentar essas quase obviedades com quem faz "disputa política", a expressão repulsiva que define o uso de truques para justificar interesses da política politiqueira mais baixa, da situação à oposição.

O fato geral é que o investimento em expansão da economia cai desde 2013. Até outubro de 2015, as vendas do varejo caíam 3,6%. O consumo de eletricidade, mais de 2%, raro. O rendimento médio nas metrópoles caía 8,8% até novembro, o número de pessoas empregadas era 3,7% menor que em 2014.

Até setembro, quem não faz troça da desgraça poderia ficar um pouco aliviado com o fato de que, na média do Brasil, nem a renda nem o número de empregados havia caído —sinal de que o interior ainda resistia, talvez por causa de benefícios sociais. Mas Estados e cidades vão ficando sem dinheiro para ataduras ou salários. Esses são apenas sintomas. A doença, embora curável, é muito pior.

Míriam Leitão: Ano-novo chinês

- O Globo

O ano começou com o susto da bolsa chinesa, cujos índices despencaram e levaram à suspensão do pregão. O governo chinês desvalorizou o yuan, e o indicador de atividade do setor industrial veio fraco. Foi o suficiente para que os poupadores tivessem a mesma reação de outras vezes, em que vendem pelo temor de novas quedas. Durante o ano, a dúvida continuará em relação à China.

‘Aqueda da bolsa chinesa reflete a enorme incerteza que ronda o PIB chinês em 2016. O PMI, que é uma sondagem com gerentes do setor industrial, ficou abaixo de 50 pontos e veio mais fraco do que o esperado. Então fica aquela dúvida: será que o PIB vai ficar abaixo de 6%? O governo vai conseguir atingir a meta de crescimento de 7%? Como a China é a segunda maior economia do mundo, ela consegue provocar essa forte volatilidade em todos os mercados, explicou o economista Sérgio Vale, da MB Associados.

Além disso, a China foi a economia que mais puxou o PIB global na última década e foi a grande formadora de preços dos produtos que exportamos. O que acontece lá nos afeta diretamente, e isso fez o ano inaugurar com desvalorização do real. Há outra variável pressionando as moedas dos países emergentes, que é a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos, mas o grande enigma continua sendo o que acontecerá com a China, diz Sérgio Vale:

— O governo chinês tem pouco espaço para estímulos monetários ou fiscais. Então, quando acontece uma desvalorização do yuan, fica o temor de que o governo esteja pensando em usar a moeda como forma de estímulo, ou seja, que isso seja mais um sinal de que os problemas da economia do país são maiores do que o mercado consegue enxergar.

Esse é sempre o ponto em relação à China. Uma desvalorização da moeda poderia ser vista como um impulso para a manutenção da competitividade das exportações chinesas, mas na verdade a pergunta que surge é: o que o governo chinês está escondendo? Há sempre o temor de que as autoridades estejam camuflando parte da fragilidade. É isso que eleva o temor em relação a uma economia que, no fim das contas, permanece crescendo em ritmo invejável, ainda que reduzindo o patamar ano a ano.

Os juros americanos em alta também afetam o mundo inteiro, inclusive a China, pela intensidade e complexidade das relações entre as duas maiores economias do mundo. A desvalorização do real poderia ser vista também como uma forma de aumentar a capacidade brasileira de exportar, mas há dúvidas sobre por quanto tempo os Estados Unidos subirão os juros e até se esta é a política certa. A economia americana está retomando o crescimento e já recuperou o alto nível de emprego, mas a inflação permanece ainda muito baixa. A elevação dos juros é uma forma de prevenir a formação de bolhas, mais do que o combate a alguma pressão inflacionária.

Na China, há também o temor de que os ativos estejam valorizados demais. As ações tiveram anos de alta e chegaram a mais que dobrar de valor. Depois, caíram, devolvendo parte da valorização. Existe a dúvida sobre se ainda assim as ações estão valorizadas.

Com juros em alta e a incerteza sobre a China, o mundo fica mais hostil para um país como o Brasil, que tem tantos motivos para dúvidas dos investidores. O Brasil está em recessão, com inflação alta, um processo de impeachment em andamento, já perdeu o grau de investimento por duas agências — Standard & Poor’s e Fitch — e pode perder também pela Moody’s. A perspectiva não é boa também para 2016.

O economista Ilan Goldfajn, do Itaú Unibanco, contou em relatório divulgado ontem aos clientes que na viagem que acaba de fazer aos Estados Unidos defrontou-se o tempo todo com perguntas sobre o desdobramento da crise econômica e política. Ele diz que, se a China desacelerar a economia mais do que o esperado, deve ocorrer mais queda das commodities, o que desvalorizaria mais o real. Quando a presidente Dilma assumiu, o dólar estava em R$ 1,66. Ontem, fechou em R$ 4,03. A valorização do dólar foi de 145%; a queda do real foi de 58%. Essa mudança cambial é uma das razões do superávit comercial de quase US$ 20 bilhões em 2015. O que, pelo menos, é uma boa notícia para o ano-novo brasileiro.

Sombras nas bolas de cristal – Editorial / O Estado de S. Paulo

Se as bolas de cristal da economia estiverem funcionando tão mal quanto no começo do ano passado, os brasileiros têm motivos muito especiais para se preocupar. Em 2015 a recessão e a inflação foram muito piores do que indicavam as projeções dos economistas entre o réveillon e o Dia de Reis. A inflação deveria ter chegado a 6,56% e o Produto Interno Bruto (PIB), aumentado 0,5%, segundo a pesquisa Focus divulgada há um ano, em 5 de janeiro, pelo Banco Central (BC). Mas os preços devem ter subido mais de 10% e a contração econômica, segundo tudo indica, passou de 3%. A pesquisa publicada ontem apresenta perspectivas mais sombrias que as de um ano antes. A inflação projetada para 2016 chegou a 6,67% e o PIB, segundo a nova estimativa, deve encolher 2,95%. Se o erro das previsões for parecido com o do início do ano anterior, os brasileiros poderão ter saudade de 2015.

Nem o governo espera um bom desempenho econômico nos próximos meses. O cenário tomado como referência para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada no fim de dezembro, inclui uma contração econômica de 1,9% e uma inflação de 6,47%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os parlamentares encarregados da redação final acertaram esses números com os técnicos do Executivo.

O avanço do IPCA considerado na LDO é quase igual ao estimado pelos economistas do mercado e a recessão é um pouco menos funda. Mas o cenário inclui também uma taxa básica de juros de 13,25% no fim de 2016. Na pesquisa Focus a taxa apontada chegou a 15,25%, um ponto porcentual acima daquela ainda em vigor. Essa expectativa reflete a disposição anunciada pelos dirigentes do BC de apertar a política monetária, provavelmente a partir deste mês, para tentar atingir a meta de inflação de 4,5% até o fim de 2017.

Seria insensato apostar a casa ou qualquer bem de família nessas ou em outras projeções econômicas, principalmente quando a incerteza política torna mais precário o funcionamento das bolas de cristal, cartas de tarô, búzios, modelos econométricos e outras ferramentas de adivinhação. Mas o esforço de previsão é indispensável a qualquer atividade. Nenhum goleiro, consumidor, produtor ou investidor se permite agir sem alguma concepção do futuro e por isso as projeções, mesmo inseguras, têm sempre alguma importância.

Além do mais, a precisão das estimativas, neste momento, é bem menos importante que os desafios e as tendências mais aparentes. Ninguém pode falar com alguma segurança, neste momento, sobre o desdobramento, a duração e o resultado final de um processo de impeachment. Mas o assunto está no topo das prioridades da presidente Dilma Rousseff e isso afetará as decisões políticas e econômicas por algum tempo.

O Executivo terá de enfrentar esse e outros obstáculos, incluída a pressão do ex-presidente Lula e do PT, para cuidar da gestão das finanças públicas. Investidores e consumidores provavelmente continuarão retraídos, o baixo ritmo de atividade ainda prejudicará a arrecadação de tributos e o governo, em qualquer caso, dependerá da recriação do imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), para alimentar o Tesouro. A presidente continua mostrando pouca disposição para o corte e a racionalização da despesa.

Há razões muito sólidas para duvidar do resultado fiscal prometido, um superávit primário (sem os juros) equivalente a 0,5% do PIB. Além disso, conter o endividamento público será mais difícil, se os juros básicos subirem.

Numa hipótese otimista, 2016 será diferente de 2015 em um ponto importante: a recessão e a alta de preços ficarão mais perto das previsões do que ficaram no ano anterior. Ainda assim, o ano será muito ruim. Qualquer cenário mais luminoso dependerá da apresentação, pelo governo, de um programa sensato e crível de arrumação de suas contas e de aumento da produtividade nacional. Não há, por enquanto, nenhum sinal desse tipo.

Propostas do PT arruinariam de vez o país – Editorial / O Globo

• Documento do partido defende a volta ao fracassado ‘novo marco’, e, com isso, cai na síndrome de que uma ideia errada precisa ser aplicada até que funcione

Enquanto a presidente Dilma e seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, redigem um documento sobre o que será a política econômica pós-Levy, como noticiado pelo GLOBO no domingo, o PT se apressou a preparar um documento próprio com propostas de mudança de rumo, a fim de conduzir o país para longe de qualquer ajuste fiscal.

Já entregue ao ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, o documento, com uma lista de 14 medidas, ficará nas gavetas palacianas, caso Dilma e Barbosa estejam de fato comprometidos com ações que restabeleçam o mínimo de confiança na estabilização da economia. Uma delas, a reforma da Previdência, com a fixação de idade mínima, ignorada pelo documento.

O núcleo do documento resgata o sentido de intervenções já defendidas pelo Instituto Perseu Abramo, think tank da intelectualidade orgânica petista, sempre, em sua essência, na linha de mais impostos, para financiar mais gastos. Insanidade.

Entre as medidas há questões já contempladas pelo Planalto — a equivocada volta da CPMF e o incentivo à legalização de dinheiro transferido para o exterior. E sacadas mais delirantes, como pedir emprestado à China para capitalizar empresas brasileiras, no momento em que os chineses se desdobram para estabilizar seu mercado acionário, em perigoso ciclo de baixa.

Podem até emprestar, mas imagine-se a que taxas de juros, devido à perda do selo de bom pagador pelo Brasil junto a agências internacionais de risco. Os chineses têm se revelado especialistas em fazer bons negócios, para eles, em países e empresas com a corda no pescoço — Venezuela, Petrobras, a Argentina de Cristina K.

Com viés anticapitalista, o PT, cuja militância vê o lucro como pecado, volta a defender o fim da possibilidade de as empresas abaterem do Imposto de Renda o que distribuem aos acionistas a título de juros sobre o capital próprio.

Não parece inteligente, numa recessão que tende a ser a mais grave desde a causada pela crise mundial de 1929/30, descapitalizar empresas que já padecem da retração dos mercados. Assim, num paradoxo, o PT conspira contra os trabalhadores ao incentivar o desemprego, já em alta.

Tampouco demonstra entender que uma das causas importantes da taxa anêmica de investimento na economia dos últimos anos tem sido a baixa rentabilidade dos negócios.

Mais impostos em geral — o sobre heranças é um inexequível mantra conhecido —, inclusive sobre as rendas mais elevadas, não apenas não conseguirão reequilibrar as contas públicas, cujo desequilíbrio é imenso, como aprofundarão a recessão. O nó tributário do país precisa ser cortado por uma ampla e cuidadosa reforma. Medidas tópicas pioram as coisas. Vide as desonerações.

O documento do PT é a renovação da aposta no fracassado “novo marco macroeconômico”. Confirma a conhecida síndrome segundo a qual um modelo errado precisa ser repetido tantas vezes quantas forem necessárias para que enfim funcione.

O sinal do dólar – Editorial /Folha de S. Paulo

A divulgação de dados pouco auspiciosos sobre a economia da China provocou nesta segunda-feira (4) a queda da Bolsa de Valores de vários países, incluindo o Brasil, e levou à desvalorização da maior parte das moedas emergentes. Como em 2015, o real esteve entre as mais prejudicadas –e já não surpreende que seja assim.

É que, de certa forma, pode-se relacionar o grau de desenvolvimento institucional (e de acumulação de poder) de um país à confiabilidade de sua moeda. Quanto mais elevado aquele, maior será esta.

Em alguns casos, atinge-se prestígio tal que a moeda se torna referência de valor global (dólar, euro, libra esterlina e iene, por exemplo), e não só para os cidadãos do país. Oscilações nas cotações tendem a ser consideradas reflexos de diferenças de ciclo econômico e níveis de juros, em geral não indicando um quadro de desconfiança.

Entre muitos emergentes, porém, o padrão monetário local serve como meio de transação apenas interno e reserva de valor menos confiável. A cotação dessas moedas em relação a referências sólidas é percebida como critério para avaliar a economia nacional.

Assim é por aqui, onde a população vê o nível da moeda americana diante da brasileira como atestado de saúde –ou, no momento, de doença. Em 2015, o país se destacou como o mais febril: o dólar saltou de R$ 2,7 para quase R$ 4; a desvalorização do real foi menor somente que a do peso argentino.

Verdade que parte dessa depreciação decorre de razões externas, como os juros nos EUA e a queda de preços de matérias-primas. Até aí, portanto, nada de anormal na perda de valor do real.

De fato, até meados do ano passado, a dinâmica da moeda brasileira seguia o padrão global, salvo por um surto de desvalorização em março, no auge da insegurança em relação ao balanço da Petrobras.

A partir de julho, todavia, o cenário muda. Quando o governo Dilma Rousseff (PT) abandona as metas de economia no Orçamento, escancarando o descontrole da dívida pública, a perda de valor do real se acentua e adquire vida própria.

Tem-se aí um dos resultados do descalabro administrativo da gestão petista: o enfraquecimento dos fundamentos que dão guarida ao valor da moeda, fazendo o país regredir a um padrão de instabilidade que se acreditava superado.

Parte desse ajuste no câmbio até é desejável, pois ajuda a devolver competitividade à indústria nacional e a diminuir o deficit nas contas externas (facilitando exportações, e não importações). Mas não se trata apenas disso, infelizmente.

A cotação do dólar, no fundo, reflete o temor de que, sem a adoção de medidas adequadas, o crescimento exponencial da dívida interna levará a uma erosão institucional ainda mais dramática e selvagem –um processo de inflação crescente, que atinge a todos, sobretudo os mais pobres.

Em outras palavras, a preocupante desvalorização do real é apenas sintoma de um quadro bastante grave da economia brasileira.

Ano novo dos mercados começa com um susto chinês – Editorial / Valor Econômico

A China voltou a assombrar os mercados no primeiro dia útil do ano, derrubando as bolsas mundiais e provocando nova rodada de desvalorização das moedas. Os temores são os mesmos que habitaram os mercados no ano passado, assim como os motivos imediatos. A bolsa de Xangai caiu 7% ontem, limite que desencadeou a suspensão do pregão. O BC permitiu nova desvalorização do yuan, que atingiu seu valor mais baixo desde 24 de novembro de 2011. E o pano de fundo é similar: estatísticas mostraram uma nova queda na produção industrial - a quinta, segundo a contagem oficial, a décima pela da Markit. Mais desvalorizações e estímulos monetários estariam a caminho para evitar uma desaceleração mais forte da economia.

A China parece estancada entre o velho modelo que pretende reformar e o novo que ainda toma forma, sendo que o esfriamento da economia é o resultado mais provável. Há sinais de que o instinto conservador da burocracia chinesa foi acionado e, para evitar reduções maiores na velocidade de crescimento, velhas armas que garantiram durante duas décadas e meia avanços espetaculares do PIB poderão ser usadas novamente. Sua eficácia hoje não seria apenas duvidosa, como poderia produzir desequilíbrios ainda mais violentos em um economia onde o endividamento aumentou demais, e rapidamente.

O estopim da queda da bolsa de Xangai foi o fim do prazo da proibição, estabelecida em meados de 2015, quando as ações despencaram (após alta de mais de 100%), de venda de papéis por grandes investidores, acompanhada da vedação de lançamento de ofertas iniciais e compras maciças por instituições financeiras oficiais. Sem muletas, com boa parte das empresas atravessando um período de lucratividade nula ou baixa, redução da produção e superestoques, a tendência das ações só pode ser uma: a baixa. Ocorreu ontem e voltará a ocorrer, pois o governo sustenta um nível artificial dos papéis, que só deixará de sê-lo se a economia voltar a crescer com mais força do que hoje - o que parece fora de cogitação.

A desvalorização do renmimbi, por seu lado, ressuscitou nos mercados o pesadelo de desvalorizações competitivas, o que, diante da contínua força do dólar, tenderia a forçar movimento semelhante nos países emergentes, aumentando as incertezas e acentuando a retração em vários deles.

Ao atrelar o renmimbi a uma cesta de moedas, a China evitou a valorização forçada que seguia na trilha do dólar. Desde junho de 2014, as reservas internacionais chinesas caíram US$ 400 bilhões, para US$ 3,4 trilhões. Não parece, porém, haver vontade explícita de desvalorização, pois o país mantém substanciais superávits comerciais (com grande queda nas importações) e que, junto ao baixo crescimento no comércio global desaconselhariam estímulos à competitividade de exportações já muito competitivas.

Sinais de fumaça de órgãos oficiais indicam que o governo vacila em suas intenções e está mais disposto a usar a política fiscal - isto é, bancar mais investimentos - e afrouxar a política monetária para estimular a economia e, quase tão importante quanto isso, dar liquidez e boas condições de rolagem dos enormes dívidas do país - 208% do PIB, medida pelo financiamento social total (Michael Pettis). Desde novembro de 2014, os juros foram cortados em seis oportunidades, acompanhados ou não de reduções dos depósitos compulsórios.

O uso desses instrumentos - aumento do déficit fiscal de 2,3% para 3% do PIB e ampliação da oferta de crédito - podem evitar maior desaceleração, mas ao custo de ampliar o endividamento, que só é inferior ao do Japão e que se aproxima de um nível insustentável. Além disso, ampliar a fatia dos investimentos é receita velha, embora temporária, para preencher o hiato de crescimento durante a guinada da economia para o consumo, além de ser uma prova de que a velocidade com que o consumo e a renda doméstica estão crescendo é insuficiente para suportar o ritmo de expansão almejado pelos burocratas de Pequim.

O governo tem em suas mãos todos os meios de evitar a perda de velocidade do PIB, agravando, porém, os desequilíbrios existentes. Para corrigir os problemas de superprodução, enorme capacidade ociosa, baixa ou negativa rentabilidade dos investimentos e alto endividamento, a economia terá de desacelerar. O quanto é um dos assuntos que mais atemorizam o governo chinês e os mercados globais há tempos.

‘Dilma faz o diabo para se aguentar no poder’

• Uma das principais lideranças do PSDB, o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP) diz que, se a Câmara abrir o processo de impeachment, o Senado ‘não se recusará a oficiar o funeral’

Maria Lima - O Globo
BRASÍLIA-

A intervenção do Planalto no PMDB e a reviravolta no Supremo são uma pá de cal no impeachment?

Dilma faz o diabo para se aguentar no poder. A relativa folga de hoje será o pesadelo de amanhã. De todas as decisões do Supremo, a mais aberrante é a proibição das candidaturas avulsas para a comissão do impeachment. Candidaturas avulsas são frequentes no Congresso. A decisão do STF criou obstáculos procedimentais, mas a questão de fundo permanece: os fatos criminosos, a crise, a sensação de que não temos governo. Se a Câmara, por dois terços, autorizar o processo contra a presidente, estará lavrando o atestado de óbito do governo. O Senado, independentemente do papel que lhe conferiu o Supremo, não se recusará a oficiar o funeral.

O governo avalia que foi pouca gente para as ruas e o impeachment arrefeceu. O senhor concorda?

Pobre governo cuja principal atividade é contabilizar o número de manifestantes e exibir uma falsa alegria quando as manifestações de hoje têm menos gente que as de ontem. É o que lhe sobrou, um farrapo de esperança. Tem que se contabilizar sobretudo os que não foram para as ruas e que querem o impeachment, com defecções importantes na base do governo. A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) se reuniu e por unanimidade os diretores se manifestaram a favor do impeachment.

O senhor acha que é uma defecção importante?

Muito! É gente que se beneficiou de todas essas políticas setoriais do governo da presidente Dilma, e que agora viu derreter. A indústria brasileira, hoje, tem a mesma participação no PIB que tinha em 1940. E a sensação é que, se vier o Michel Temer, pior do que está não vai ficar. E existe uma chance de melhorar. Hoje existe o risco real de uma explosão do descontentamento popular nunca visto. Desemprego aumenta, prazo de permanência do seguro-desemprego vai se esgotando, a renda diminuindo, inclusive para os que recebem o Bolsa Família, inadimplência das empresas afetando os bancos, dependência das pessoas que não conseguirão pagar as contas levandoas a perder o que têm.

O PSDB está sendo cobrado a ajudar um eventual governo Temer.

Se nós contribuirmos para o impeachment — e nossos votos estarão lá —, estamos predispostos a assumir responsabilidades no futuro. Isso não quer dizer necessariamente participação no governo. É preciso também que, se vier a assumir a Presidência, Michel Temer diga qual seu programa mínimo para restabelecer a paz política, a credibilidade, e compor um governo diferente que este adotado até agora e do qual ele participa com sete ministérios, distribuídos aí com o único objetivo de impedir o número crítico para aprovação do impeachment. De acordo com o método que ele vai adotar e com o programa, nós podemos inclusive participar.

Seu nome chegou a ser incluído na lista de investigados da Lava-Jato e depois retirado para ser investigado como caixa dois. Isso não dá munição aos adversários?

No primeiro depoimento do Ricardo Pessoa, da UTC, ele disse que eu havia pedido, além do recurso da doação de campanha, mais R$ 200 mil. Mas há um segundo depoimento, já entregue ao relator Celso de Mello, em que ele retifica o primeiro e diz que houve um equívoco, que eu nunca tratei sobre isso. O inquérito deve ser encerrado logo após o recesso judiciário. Isso aborrece muito, espero que tudo se esclareça o mais rápido possível e se encerre o caso.

Agora, um delator disse que houve pagamento de R$ 300 mil para o senador Aécio Neves. Não é um constrangimento para o PSDB?

Absolutamente, não. Se trata da declaração de um boquirroto, que coloca na mesma situação o senador Randolfe Rodrigues, um homem probo como o Aécio. E os dois já responderam à altura essa infâmia.

O senhor é presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. O governo está no meio de um impasse sobre a concessão do agreement a Dani Dayan, indicado pelo governo de Israel como embaixador no Brasil. Há viés ideológico na posição do Brasil ou a chancelaria israelense está quebrando o protocolo?

As duas coisas. A causa do mal estar com a indicação de Dayan é uma nítida inclinação do governo brasileiro pró-Palestina. Os governos brasileiros, inclusive de Fernando Henrique Cardoso, sempre foram críticos em relação às ocupações (do território palestino). Mas a simpatia do governo com a causa palestina não pode ser motivo para se rejeitar a indicação de um embaixador. No entanto, é preciso reconhecer que o governo de Israel também rompeu uma praxe diplomática ao, antes de se submeter a consulta ao país recebedor, tornar pública sua indicação. Agreement significa concordar. Quando um país indica alguém para a embaixada, o país recebedor precisa concordar. Agora, o melhor é que cada um dos lados pare de falar. O único acordo comercial que o Brasil conseguiu tirar do papel, no Mercosul, foi com Israel.

Fala de Jaques Wagner acentua mal-estar entre PT e governo

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Dirigentes petistas reagiram com irritação, nesta segunda-feira (4), ao ministro Jaques Wagner (Casa Civil), que, em entrevista à Folha, disse que o partido "se lambuzou" no poder.

O ex-ministro da Justiça Tarso Genro disse que a declaração de Wagner "foi profundamente infeliz e desrespeitosa, porque generaliza e não contextualiza".

Segundo ele, o chefe da Casa Civil faz "coro com o antipetismo raivoso que anda em moda na direita e na extrema direita do país".

"Com a responsabilidade que ele tem, deveria ser menos metafórico e mais politizado nas suas declarações", reagiu Tarso.

A entrevista de Wagner acentuou o mal-estar entre governo e partido. Integrantes da direção partidária, deputados e senadores fizeram chegar ao Palácio do Planalto sua insatisfação diante da fala do ministro, classificada por eles como "um ataque desnecessário" à legenda.

O presidente do PT de São Paulo, Emídio de Souza, afirmou que o PT sofreu desgaste ao defender o governo de Dilma Rousseff.

"Sustentar o governo mesmo quando ele se distanciou da sua base social e do seu programa também desgastou o partido. O momento é de ajustar o rumo do governo e do partido, garantir e aprofundar as conquistas e não ficar se atacando mutuamente", disse Emídio.

O secretário de Organização do PT, Florisvaldo Souza, também chamou de infeliz a declaração.

Coordenador da maior força petista, a CNB (Construindo um Novo Brasil), Francisco Rocha disse ser "lamentável que figuras expoentes do partido se utilizem da astúcia da velha mídia quando este debate deveria ser realizado internamente".

"O PT não se lambuzou em cuia de mel", disse Rochinha, acrescentando que o erro foi não ter se organizado para aprovar a reforma política.

Líder da corrente Articulação de Esquerda, Valter Pomar registrou sua crítica nas redes sociais. "Acho que em 1998, num encontro nacional petista, um determinado senhor disse que o problema do seu partido é que ele tinha que aprender a ser uma grande máquina eleitoral. Muitos anos depois, este mesmo senhor agora critica o seu partido porque se 'lambuzou'".

Ocupando interinamente a liderança do PT no Senado, Paulo Rocha (PA) minimizou o impacto das declarações. Segundo ele, o próprio partido reconhece que reproduziu métodos em vez de se valer da popularidade de Lula para modificá-los.

"Cometemos erros. Foi um erro o mensalão, foi um erro fazer o caixa dois", admitiu.

Cunha
Mesmo sob críticas, Jaques Wagner usou, nesta segunda-feira, as redes sociais para criticar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

"Esse processo [do impeachment, que nasceu como um instrumento de vingança, não tem fundamentação jurídica", publicou.

Ele elogiou o STF a respeito da tramitação do processo, ao afirmar que a Corte anulou "as manobras regimentais" de Cunha. "Eu, a presidenta Dilma e todo o governo estamos confiantes de que o processo de impeachment não sobreviverá", concluiu.

Um dos principais auxiliares de Dilma, Wagner voltou a reconhecer falhas do governo na condução da economia. "Temos plena consciência de alguns erros que cometemos e das dificuldades que precisamos vencer."

Na entrevista à Folha, o ministro disse que "as medidas contracíclicas tomadas produziram problema fiscal".

Semana passada, em entrevista a uma rádio, ele apontou como equívocos a "desoneração exagerada" e "programas de financiamento que foram feitos num volume muito maior do que a gente aguentava".

Nesta segunda, o petista ponderou, no entanto, que "impopularidade não é crime". "É um defeito, um problema que vamos seguir trabalhando para resolver."

Colaboraram Flávia Foreque e Marina Dias, de Brasília

Justiça intima Lula como testemunha de lobista preso

• Alexandre Paes dos Santos, o APS, preso por envolvimento na 'compra' de medidas provisórias arrolou ex-presidente (2003/2010) para depor em sua defesa

Por Fábio Fabrini e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS, preso por envolvimento no suposto esquema de “compra” de medidas provisórias no governo federal, arrolou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor como sua testemunha de defesa na Justiça. A intimação do petista e de mais 11 pessoas foi autorizada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal em Brasília, que conduz a ação penal sobre o caso, investigado na Operação Zelotes. As oitivas estão marcadas para o fim deste mês.

A ação penal mira 16 pessoas, acusadas pelo Ministério Público Federal (MPF) de atuar num esquema de lobby e pagamento de propina para viabilizar as medidas provisórias, que favoreceram empresas do setor automotivo com benefícios fiscais. O caso foi revelado pelo Estado em outubro.

Lula era presidente quando duas delas (MP 471/2009 e MP 512/2010) foram editadas. Os investigadores suspeitam que um dos filhos do petista, o empresário Luís Cláudio Lula da Silva, tenha recebido recursos relacionados a uma terceira norma, a MP 627/2013, assinada pela presidente Dilma Rousseff.

Uma das empresas de Luís Cláudio, a LFT Marketing Esportivo, obteve R$ 2,5 milhões, entre 2014 e 2015, de uma das empresas denunciadas por pagar propina no esquema, como mostrou o Estado. Luís Cláudio nega qualquer irregularidade e diz que o dinheiro se refere a serviços prestados em sua área de atuação, o esporte.

O magistrado também autorizou a oitiva do ex-ministro e ex-chefe de gabinete de Lula Gilberto Carvalho. Para a Polícia Federal, ele teria atuado em “conluio” com um dos lobistas do caso. Foi determinada ainda a intimação do atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dyogo Henriques Oliveira. Assim como Carvalho, ele é citado em anotações de APS sobre as medidas provisórias.

O pedido do lobista à Justiça faz parte de uma estratégia para ouvir o máximo possível de testemunhas. Outro arrolado foi o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), que relatou a medida provisória 471 na Câmara.

Em petição enviada à Justiça, a defesa de APS requisitou que fossem intimadas 69 pessoas, entre elas outros congressistas que votaram na conversão das MPs em leis. Mas o juiz concordou com a oitiva das 11 primeiras da lista, entre elas Lula e Gilberto Carvalho, e mais o secretário-executivo da Fazenda. Na época, da edição das MPs, ele era secretário-adjunto de Direito Econômico do Ministério da Fazenda.

“Foge da razoabilidade e da proporcionalidade a quantidade exagerada de testemunhas indicadas, considerando que os fatos envolvendo o acusado são intrincados num contexto único pela acusação de atividade criminosa envolvendo medidas provisórias, embora haja mais de uma tipificação legal”, justificou o juiz. Ele sugeriu que as testemunhas não intimadas compareçam independentemente à Justiça para falar.

O advogado de APS, Marcelo Leal, afirmou que, ao indicar Lula e as demais testemunhas, pretende provar que não houve compra de MPs. “O presidente da República é o único detentor do ato de ofício de assinar medidas provisórias. É ato privativo”, alegou. Questionado se seu cliente conhece ou tem ligação com Lula, ele respondeu: “Acho que não”.

O advogado disse que vai recorrer da decisão, que classificou de injusta e absurda. “Meu cliente quer provar a sua inocência e não tem o direito de que a Justiça ouça as testemunhas? Isso é o fim do mundo! Não tem nenhuma ali que seja ‘encheção de linguiça’”, protestou.

Ele argumentou que, por lei, cabe a oitiva de ao menos oito pessoas por fato a ser provado. No caso de APS, explicou, seriam mais de 30. O lobista é acusado pelo MPF de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e extorsão.

A Polícia Federal também expediu intimação para ouvir Lula sobre o caso das medidas provisórias no mês passado, mas o depoimento foi adiado a pedido do ex-presidente. Uma nova data não foi divulgada.

O Instituto Lula informou nesta segunda-feira,4, que o ex-presidente não comentaria a intimação para ser testemunha de APS. Gilberto Carvalho afirmou, por sua assessoria, que “não recebeu nenhum comunicado oficial até o momento e que, quando chamado, poderá se pronunciar”.

Aleluia explicou que foi relator da MP 471 por apenas uma semana e que foi favorável à aprovação porque ela favorecia montadora em seu Estado, a Bahia. Ele acrescentou que não foi procurado ou recebeu pedido de APS sobre a medida provisória.

A assessoria de Dyogo Oliveira não respondeu ao telefonema do Estado.

Cid Gomes sugere que Dilma deixe o PT

• Ex-ministro da Educação afirmou, em entrevista ao 'Diário do Nordeste', que popularidade da presidente chegou ao 'fundo do poço'

Carmen Pompeu, especial para O Estado - O Estado de S. Paulo

FORTALEZA - Em entrevista ao jornal cearense Diário do Nordeste, que será publicada nesta terça-feira, 5, o ex-ministro da Educação Cid Gomes (PDT) sugeriu que a presidente Dilma Rousseff saia do PT e se declare alheia ao processo eleitoral de sua sucessão como forma de reverter os baixos índices de popularidade. De acordo com Cid, Dilma chegou ao "fundo do poço" em termos de popularidade.

Na mesma entrevista, concedida no final do ano passado, Cid fez um balanço de 2015 e previsões para 2016. "Não será um 'anão' (grande ano), mas será menos traumático que 2015", disse. Na avaliação dele, no ano passado o País viveu uma crise orgânica, decorrente de uma relação "promíscua" entre os poderes Legislativo e Executivo. Uma relação, segundo ele, "podre", baseada no fisiologismo, na chantagem e no achaque.

"Isso não se muda da noite para o dia. Só uma próxima eleição vai permitir que a gente comece a construir uma nova relação", afirmou. "Isso não vem da Dilma não. Ela teve que se render a isso. Tentou resistir no começo, mas não conseguiu", completou.

Cid, que no ano passado ocupou o ministério da Educação por três meses e saiu depois de protagonizar embate com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a quem chamou de "achacador", disse não acreditar em impeachment de Dilma e nem na saída de Cunha pelas vias do Parlamento.

Sobre o impeachment da presidente, ele afirmou que "o povo brasileiro percebeu que pior que a Dilma é entregar o governo para o vice dela (Michel Temer), que é o chefão, o chefe dos achacadores". Com relação a Cunha, Cid apontou que, se depender do Parlamento, o presidente da Câmara deverá permanecer onde está, porque detém o apoio da maioria. "Mas pode ser que da Justiça brasileira saia alguma coisa", completou.

Cid também comentou sobre a possibilidade do irmão dele, Ciro Gomes, vir a disputar a presidência da República em 2018, mas ponderou, argumentando que uma candidatura não se faz com vontade pessoal. "Vai depender do momento", frisou. "Ciro não tem mais idade para uma anti-candidatura como das outras vezes, quando ele disputou para marcar presença e fazer denúncias", comentou.

O ex-ministro disse ainda que a disputa pela Presidência não está nos planos dele e revelou que pretende se tornar empreendedor e investir, em parceria com empresários chineses, na área de energia solar.

Após pagar pedaladas, Tesouro emite títulos para evitar inflação

• Operação, com valor de R$ 40 bi, visa a retirar dinheiro de circulação

Martha Beck, Gabriela Valente - O Globo

-BRASÍLIA- O Tesouro Nacional fez ontem uma emissão de R$ 40 bilhões em títulos públicos para o Banco Central (BC). A ideia foi dar à autoridade monetária mais fôlego para realizar operações compromissadas, que servem para reduzir o volume de dinheiro em circulação no mercado. A medida é mais uma etapa do processo de pagamento das pedaladas fiscais (atrasos nos repasses de recursos do Tesouro para bancos públicos e para o FGTS ocorridos nos últimos anos).

Como a União quitou todas as pedaladas em dezembro, os bancos passaram a ter mais dinheiro em caixa — liquidez —, o que tende a aumentar o volume de dinheiro no mercado e pressionar a inflação. No total, foram repassados R$ 72,4 bilhões a BNDES, Caixa, Banco do Brasil e FGTS, sendo que R$ 55,6 bilhões deste total se referem a passivos de anos anteriores. Assim, para evitar desequilíbrios, o BC precisa realizar as operações compromissadas, que são vendas de títulos para reduzir a liquidez da economia.

‘Tinha que ser feito’
Segundo nota divulgada ontem pelo Ministério da Fazenda, a emissão foi realizada para manter a carteira do BC “em dimensões adequadas para a condução da política monetária”. Em outro trecho, o texto explica que “a emissão tem o objetivo de suprir a carteira da autoridade monetária com títulos públicos em montante suficiente para viabilizar as operações compromissadas. (…) A emissão é necessária para manter em equilíbrio as condições diárias de liquidez bancária, de modo que a taxa Selic esteja em linha com a definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom)”.

De acordo com a Fazenda, já havia previsão de um aumento de liquidez do mercado em janeiro não apenas por causa das pedaladas. Um dos motivos para isso foi o vencimento, logo no dia 1º, de R$ 141,9 bilhões em títulos públicos que estavam em poder do mercado.

A área econômica destacou que a emissão de ontem ainda não vai recompor o colchão de liquidez (recursos decorrentes da venda de títulos que ficam depositados na conta única do Tesouro para rolar a dívida pública) que foi usado para pagar uma parte das pedaladas. Ao todo, foram gastos R$ 21,2 bilhões do colchão. Segundo a Fazenda, essas emissões serão feitas ao longo do primeiro trimestre deste ano.

Técnicos da área econômica afirmaram que a emissão vem num momento ruim, pois o Banco Central está elevando os juros, e o custo de captação de dinheiro no mercado está mais alto. No entanto, admitem que ela era necessária:

— O período não foi bom, mas tinha que ser feito — disse um integrante do governo que pediu para não ser identificado.

Ele afirmou ainda que o ritmo de realização das operações compromissadas vai depender da velocidade com que os bancos públicos vão colocar os recursos na economia.

Em outra frente, o governo trabalha para reduzir o impacto que o pagamento das pedaladas terá sobre a dívida bruta, principal indicador observado pelo mercado internacional e pelas agências de risco. O Tesouro negociou com o BNDES um acordo para o banco pagar antecipadamente R$ 28 bilhões da dívida que tem com a União, por causa dos sucessivos aportes de recursos feitos pelo Tesouro no banco nos últimos anos. O pagamento será usado para abater a dívida bruta.

Assim, embora as pedaladas tenham um impacto de R$ 55,6 bilhões sobre o endividamento, na prática, ele será menor, de R$ 27,6 bilhões, pois o governo vai abater R$ 28 bilhões do estoque. Segundo técnicos da área econômica, o BNDES já quitou mais da metade desse valor em dezembro. Em novembro, a dívida bruta federal somou R$ 3,84 trilhões, ou 65,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Alta de ônibus e metrô já pressiona inflação

• Índice oficial deve ser afetado por preços administrados e ficar acima de 6,5%, teto da meta do governo, segundo economistas

Idiana Tomazelli - O Estado de S. Paulo

RIO - Após um ano marcado por “tarifaços”, a inflação começa 2016 pressionada por itens administrados. Cariocas mal viraram o ano e já tiveram de enfrentar tarifas de ônibus e táxi mais caras. Já os paulistanos terão de desembolsar mais para andar de ônibus, metrô ou trem na próxima semana. Foram anunciados também aumentos no transporte público de Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre. Esses reajustes devem representar um impacto de 0,20 ponto porcentual na inflação, calcula a Tendências Consultoria Integrada.

Boa parte desse efeito será sentido em janeiro, mas até o fim do ano outras cidades promoverão reajustes no transporte. O impacto final deve chegar a 0,31 ponto porcentual na inflação em 2016, estima a LCA Consultores. O cálculo exclui passagens aéreas e transporte escolar, que não têm preços controlados.

Em 2015, a inflação no primeiro trimestre deu um salto com a alta de tarifas até então represadas, como energia elétrica, combustíveis e transporte público. Esses itens deram uma contribuição e tanto para que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegasse a 10,48% em 12 meses até novembro.

Agora, as tarifas de transporte público dão um novo salto, efeito secundário da inflação de dois dígitos que já penalizou o bolso dos brasileiros em 2015. Isso porque muitos contratos tomam como base índices de preços, como IGP-M ou o IPCA. “Claramente é um belo exemplo de como a inflação passada afeta os reajustes do presente. Há essa ideia de carregamento, que é um empecilho para o Banco Central na batalha contra o aumento de preços”, afirma o analista Marcio Milan, da Tendências.

Em São Paulo, região com maior peso no índice oficial de inflação, as tarifas de ônibus, trem e metrô vão passar de R$ 3,50 para R$ 3,80 no dia 9 - alta de 8,57%. No Rio, o ônibus aumentou de R$ 3,40 para R$ 3,80, avanço de 11,7%. “Uma parte desses reajustes era esperada. O que não se esperava era a magnitude, especialmente no Rio”, conta Milan.

Os reajustes de ônibus no Rio e em São Paulo terão, cada um, impacto de 0,07 ponto porcentual na inflação, calcula a LCA. Com menor peso em termos nacionais, Belo Horizonte teve alta de 8,82% na tarifa de ônibus, de R$ 3,40 para R$ 3,70, no dia 3. Em Salvador, o valor subiu 10% no dia 2, de R$ 3 para R$ 3,30.

Há também aumentos de táxi no Rio, no Recife e em Porto Alegre, além de reajuste no ônibus intermunicipal no Rio e em Belo Horizonte. O Rio ainda verá suas tarifas de trem e barcas ficarem mais caras em fevereiro.

O ônibus urbano, sozinho, responde por 2,55% dos gastos de uma família média brasileira, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para os consumidores de baixa renda, essa fatia beira os 10%. Por isso eles são, como em 2015, os mais penalizados por esses aumentos.

Ano eleitoral. Aparentemente, nem o ano eleitoral tem persuadido as administrações públicas a aliviarem a mão nos reajustes. Embora, do ponto de vista político, as eleições municipais sejam motivo para amenizar aumentos, a pressão sobre os cofres públicos parece ter prevalecido. “Havia expectativa de que os reajustes fossem mais tímidos, mas isso não se concretizou. Há pressão de custos, e algumas prefeituras estão com caixa apertado e não podem dar subsídios”, diz André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Entre os custos estão o óleo diesel, que subiu 12,75% no ano até novembro, segundo o IPCA, e a mão de obra. O economista da FGV lembra que o salário mínimo - que guia boa parte das remunerações do setor de transporte - avançou 11,6% neste ano, para R$ 880. “Até agora, quem tinha que dar reajuste o fez. Não conseguimos perceber processo de represamento”, afirma o economista Étore Sanchez, da LCA Consultores.

A LCA projeta que a inflação ficará em 7,1% em 2016 - mais um ano, portanto, acima do teto da meta de 6,5%.