terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Um país em tumulto - Míriam Leitão

- O Globo

Renan fora é avanço, mas eleva a incerteza. A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, determinando o afastamento do senador Renan Calheiros da presidência do Senado, embora lógica, pegou o governo e o Congresso de surpresa e sem dúvida terá repercussão na economia pelo aumento da incerteza sobre a pauta do ajuste. Mas Renan é réu, e esse assunto só não está concluído pela lentidão do ministro Dias Toffoli.

O STF já havia decidido, no caso do ex-deputado Eduardo Cunha, que réu não pode ocupar posição na linha de substituição do presidente da República. A decisão final, embora já tenha o voto da maioria do plenário, não sai porque o ministro Toffoli pediu vistas e não libera. O governo tem medidas urgentes e decisivas na agenda e se preparava para nela incluir a reforma da Previdência. As reações das lideranças dão a medida dos problemas que a decisão pode criar. Os governistas dizem que nada muda, pois o calendário de votações está aprovado por todos os líderes e em andamento. Mas os líderes da oposição dizem que a decisão é um problema. Provisoriamente deve ocupar a presidência o senador petista Jorge Viana.

Pelo calendário acertado, a PEC 241, que fixa o teto de gastos, deve ser votada na próxima terça-feira, dia 13. Mas a saída de Renan Calheiros não se dará sem resistências. Difícil imaginar que não tenha impacto na agenda da Casa. O plenário do STF deverá se manifestar sobre a decisão liminar do ministro Marco Aurélio e é provável que a mantenha, pois esta só não é jurisprudência firmada pela espera formal da conclusão da votação paralisada por Toffoli.

Esse evento inesperado invadiu um dia em que já havia assunto importante em pauta: o comunicado do presidente Temer sobre a reforma da Previdência. Apesar de o presidente dizer que ela atinge a todos, os militares ficam de fora e os parlamentares terão regras mais suaves de transição.

O que exatamente os governantes não entenderam do aviso de que ninguém quer pagar a conta sozinho? Os mesmos governos que impõem cortes em gastos sociais, como no Rio, e querem congelar salários e aumentar a contribuição previdenciária, vão poupar militares e permitir diferença de tratamento em relação aos parlamentares.

Renan, na semana passada, quis passar o rolo compressor sobre os próprios pares e confirmar o que fora aprovado na madrugada na Câmara. Derrotado, queria marcar para amanhã a votação de seu projeto do chamado abuso de autoridade. No último fim de semana, as manifestações foram contra o Congresso, e os parlamentares fizeram por merecer o repúdio.

O governo anuncia uma reforma da Previdência com boas ideias, como a medida de fixar a idade mínima de aposentadoria em 65 anos. Mas a decisão foi de deixar de fora alguns segmentos da sociedade, como os militares. O sistema de aposentadoria das Forças Armadas tem 148 mil aposentados e 148 mil pensionistas para um déficit de R$ 32,5 bilhões, segundo o consultor de Orçamento da Câmara Leonardo Rolim. Qual é o argumento para serem tratados, mais uma vez, de forma diferente?

O divórcio entre o que o país quer e o que as autoridades oferecem é cada vez maior e não se resume à reforma da Previdência. Na semana passada, enquanto o país vivia entre o luto e a revolta, discretamente os governadores abandonaram, por pressão dos empresários, a redução dos abusivos incentivos fiscais para as empresas que se beneficiaram da guerra fiscal.

As empresas teriam que depositar 10% do benefício recebido em um Fundo de Estabilização Fiscal. Mas só daria certo se todos os governos aceitassem. Os empresários começaram a ameaçar com processos por suposta quebra de contrato ou com nova migração de fábricas. Foi o que bastou para que os governadores deixassem o assunto de lado. O governo federal foi conivente com o abandono da melhor ideia do ajuste, porque aceitou repassar o dinheiro da multa e abrir mão de qualquer condicionante.

Esse é um momento de crise profunda na economia. Ou todos entram no esforço coletivo de reorganizar as contas públicas ou não será possível superar a crise. Quanto à política, com o evento de ontem entra em terreno ainda mais tumultuado, o que lança sobre a pauta econômica uma grande incerteza

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