segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O nó do endividamento do setor privado - Sergio Lamucci

- Valor Econômico

• Queda dos juros vai ajudar no processo de redução dos débitos

O endividamento de empresas e famílias é um dos principais obstáculos à retomada da economia brasileira, ajudando a explicar por que a atividade demora tanto a melhorar. Pessoas físicas e jurídicas estão no processo de reduzir suas dívidas, um fenômeno associado a crescimento mais baixo. Um ponto positivo é que cortes de juros mitigam os efeitos do desendividamento, e o Brasil começou há um pouco um ciclo de afrouxamento monetário que, segundo vários analistas, poderá levar a Selic para a casa de um dígito ainda no que vem.

A chamada desalavancagem do setor privado tem custos pesados, como deixa claro um estudo do Bradesco. O ritmo de expansão da economia é bastante afetado e o investimento recua como proporção do PIB, um movimento já evidente no Brasil, embora a crise econômica tenha também outros fatores importantes, como a péssima situação das contas públicas.

No Brasil, o processo de alta do endividamento do setor privado não financeiro (empresas e famílias) começou em 2005, como diz o relatório, assinado pela economista Daniela Cunha de Lima. No fim de 2015, o volume dessas dívidas atingiu 75,6% do PIB, segundo números do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês, o banco central dos bancos centrais). Em junho deste ano, o número havia caído para 70,1% do PIB, refletindo o recuo dos débitos das empresas de 50,1% para 44,8% do PIB. As dívidas das famílias pouco se alteraram em relação ao tamanho da economia, passando de 25,1% para 25,3% do PIB.

Na comparação internacional, a magnitude da dívida do setor privado brasileiro não assusta, de acordo com Daniela. Apesar de a relação desses débitos como proporção do PIB ter mais do que dobrado desde 2005, o "Brasil tem umas das menores dívidas privadas não financeiras do mundo", diz ela. Na China, o número está na casa de 210% do PIB e na média dos emergentes, em 142% do PIB. O ponto é que o comprometimento de renda de empresas e famílias brasileiras está entre os mais elevados. "[Ele] Está muito próximo dos patamares experimentados pelos países no momento em que o processo de desalavancagem começou", diz Daniela.

Em junho deste ano, os gastos de empresas e famílias com juros e amortização de suas dívidas equivaliam a 22% de sua renda (no caso das companhias, o estudo considera os lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização, o chamado EBITDA, na sigla em inglês). De um grupo de 32 países desenvolvidos e emergentes, é o sexto percentual mais alto com o comprometimento de renda, ao lado da Bélgica. O mais alto é o de Hong Kong, de 26%, mas cuja dívida do setor privado não financeiro é de 277% do PIB.

Num país com juros elevadíssimos, a queda da Selic deverá dar um alívio importante para empresas e famílias empenhadas em reduzir o endividamento. O estudo do Bradesco mostra que países que passaram por processos de flexibilização monetária tiveram um processo de desalavancagem menos duro. Daniela analisou quase 30 processos de redução do endividamento em mais de 20 países. Economias que cortaram os juros tiveram uma queda de 1,2 ponto percentual durante o período de desalavancagem na comparação com a fase de acumulação de dívidas, enquanto os que não afrouxaram a política monetária viram o ritmo de expansão do PIB recuar 1,6 ponto.

Cortar os juros também torna possível uma redução menor do nível de endividamento. Segundo o estudo, países com política monetária mais flexível reduziram a dívida em 15%, enquanto os que não baixaram os juros diminuíram o endividamento em 22%. "A redução dos juros contribui para aliviar o comprometimento de renda, gerando uma necessidade menor de alavancagem", diz Daniela.

Ela calculou qual a potencial redução do crescimento no Brasil decorrente do processo de desendividamento do setor privado não financeiro. Segundo ela, uma desalavancagem de 4 pontos percentuais da relação dívida/PIB por ano, por um período de três anos, faria o país crescer 1,9 ponto percentual a menos que na fase de acumulação das dívidas, de 2005 a 2015, excluindo os anos de PIB com variação negativa. "Ou seja, o crescimento passaria de 3,8% em média para algo como 1,9%", escreve Daniela, observando que a estimativa não considera outros eventos que podem afetar o ritmo de expansão da economia. Ela cita o caso do cenário internacional, dos preços de commodities e de choques de confiança.

A decepção com a atividade no terceiro trimestre consolidou a avaliação de que parte da demora na retomada se deve ao nível de endividamento do setor privado. No processo de digestão de dívidas elevadas, famílias e empresas adiam gastos com consumo e investimento. A perspectiva de redução mais forte da Selic ganha ainda mais importância, para aliviar a situação financeira do setor privado.

A queda da inflação e a atividade raquítica deverão levar o Banco Central (BC) a acelerar os cortes dos juros ao longo do ano que vem. Vários analistas já esperam uma Selic abaixo de 10% no fim de 2017. A possibilidade de as empresas renegociarem dívidas com o BNDES e o parcelamento de tributos, anunciados recentemente, também podem dar algum fôlego às empresas. A liberação do saque de contas inativas do FGTS pode ajudar famílias endividadas.

O principal, porém, é a redução dos juros. E, para que a queda das taxas seja sustentada, é fundamental que o país arrume as contas públicas. O desequilíbrio fiscal é a principal fonte dos problemas do país. Depois da aprovação do projeto que limita o crescimento dos gastos da União, é fundamental aprovar uma reforma da Previdência que preserve grande parte da proposta apresentada pelo governo.

No curto prazo, talvez seja necessário aumentar impostos e cortar mais os gastos, para impedir um déficit primário muito elevado em 2017. A dívida bruta do governo é muito alta para um país emergente e está em trajetória de forte crescimento. Aumentou quase 20 pontos percentuais do PIB desde 2013, para a casa de 70% do PIB, e deve subir mais nos próximos anos. Estabilizar e começar a derrubá-la como proporção do PIB num prazo não muito longo é crucial para que os juros possam se manter baixos de modo sustentado. Isso será fundamental para resolver o problema de endividamento do setor privado, contribuindo para melhorar as perspectivas de crescimento.

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