sábado, 3 de dezembro de 2016

O choque de poderes - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• A elite política do país está com a sobrevivência eleitoral ameaçada, independentemente de vir a ser condenada ou não

O choque entre o Congresso e o Judiciário teve mais um capítulo ontem. Depois de submeter o juiz federal Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, a um verdadeiro pelourinho numa sessão do Senado para debater a nova lei do abuso de autoridade, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), virou réu por peculato, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram a favor do acolhimento dessa denúncia os ministros Edson Fachin, Teori Zawascki, Luís Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio e Celso de Mello. Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram contra. Cármem Lúcia, presidente do STF, que pautou a matéria, não precisou exercer o voto de Minerva.

Renan era acusado de prestar informações falsas, usar documentos falsos e desviar verbas públicas. Foi absolvido do crime de falsidade ideológica, por insuficiência de provas, mas vai responder à acusação de ter desviado verbas públicas. A denúncia surgiu de um escândalo revelado em 2007, a partir da suspeita de que um lobista da construtora Mendes Júnior pagava a pensão de uma filha de Renan Calheiros com a jornalista Mônica Veloso. O processo não tem relação com a Operação Lava-Jato, na qual o presidente do Senado é alvo de oito inquéritos, nem com a Operação Zelotes, que investiga a venda de medidas provisórias, na qual também está enrolado.

Mais cedo, no Senado, o ministro Gilmar Mendes, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), havia ironizado as ponderações de Sérgio Moro durante a sessão da Casa, na qual o juiz da Lava-Jato afirmou que o momento não era o mais adequado para o Senado apreciar a nova lei de abuso de autoridade. Para o ministro, não teria cabimento um período “sabático” do Congresso em razão da operação. Críticas de Mendes ao projeto de medidas contra a corrupção apresentado pelos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, que acabou completamente desfigurado pela Câmara, encorajou os senadores investigados no escândalo da Petrobras a subirem o tom contra decisões de Moro, acusando-o de abuso de autoridade.

Numa discussão com o senador Lindeberg Faria (PT-RJ), que o acusou diretamente, Moro reagiu e disse que parte dos políticos querem utilizar o projeto de lei sobre abuso de autoridade para “criminalizar” a Operação Lava-Jato. “Parece-me claro que a intenção que subjaz, não digo em relação a todos, é de que o projeto de lei de abuso de autoridade seja utilizado especificamente para criminalizar condutas de autoridades envolvidas na Operação Lava-Jato. Para mim, ficou evidente, com o discurso do eminente senador, que o propósito é exatamente esse, ao afirmar aqui categoricamente que eu teria cometido atos de abuso de autoridade na condução dessa operação”, disse. “É essa a intenção do projeto ou não é? Se for essa a intenção do projeto, eu insisto na necessidade do adiamento, porque ela vai passar um recado errado para a população.”

Delação premiada
Moro foi questionado também pelo relator do projeto de abuso de autoridade, senador Roberto Requião (PMDB-PR). Mas não perdeu a fleuma e reiterou que o projeto precisava garantir que investigadores, promotores e juízes não serão punidos por divergências de interpretação da lei. Para isso, apresentou formalmente ao Senado uma sugestão de emenda ao projeto e disse que a independência da magistratura estaria em risco. Para Moro, Lindbergh “afirmou categoricamente que eu teria cometido atos de abuso de autoridade na condução dessa Operação.”

A proposta aprovada pela Câmara apresenta pelo menos dois dispositivos nesse sentido, ao prever crime de responsabilidade quando promotores e juízes procederem de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro do cargo e quando se expressarem sobre processo pendente de julgamento ou de atuação. O texto não traz parâmetro objetivo de conduta e pode servir para tentar intimidar juízes e promotores.

Ontem, finalmente, os acordos de delação premiada da empreiteira Odebrecht, encabeçados por Emílio Odebrecht, começaram a ser assinados. Cada um dos 77 executivos e ex-executivos da empreiteira assinará um termo de responsabilidade com o Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava-Jato, inclusive o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht, que está preso em Curitiba desde 2015. A empresa também assinou um acordo de leniência, no qual se compromete a pagar multa no valor de US$ 2,5 bilhões, ou seja, aproximadamente R$ 6,8 bilhões. O estresse no mundo político tem como pano de fundo esse acordo, pois toda a elite política do país está com a sobrevivência eleitoral ameaçada, independentemente de vir a ser condenada ou não, por ter recebido doações de caixa dois de empresa desde 2004. Cerca de 200 políticos estariam citados na delação.

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