terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A agonia dos iguais favorece o populismo - Fernando Exman

- Valor Econômico

Crise eleva risco de salvador da pátria vencer em 2018

Uma crise institucional generalizada, uma classe política desacreditada por grande parte da população e uma debilidade econômica que o país não deve superar a curto prazo. Assim chega o Brasil ao fim de 2016, em um cenário capaz de criar as condições necessárias para o avanço de pré-candidatos de perfil populista à sucessão presidencial e ao surgimento de salvadores da pátria. Observadores internacionais e dirigentes partidários avaliam, neste momento, se o Brasil pode entrar na lista dos países alcançados pela onda populista que já atingiu os Estados Unidos e diversos governos europeus.

A mais recente vítima da insatisfação dos eleitores com a política tradicional foi Matteo Renzi, que renunciou ao cargo de premiê italiano depois de ver sua proposta de reforma constitucional derrotada em um referendo. Além da vitória do empresário Donald Trump nas eleições presidenciais americanas, outros exemplos desse movimento observado na cena política ocidental foram a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia e o fortalecimento de partidos de direita na Hungria, Alemanha, França e Áustria.

Enquanto essa onda não chega com força ao litoral brasileiro, as atuais cúpulas partidárias se debruçam sobre as soluções que estão logo à mão a fim de manter sob seu controle as rédeas do jogo político. A primeira é a conclusão da pavimentação da ponte oferecida pelo presidente Michel Temer rumo a 2018, quando o próximo mandatário assumiria um país com as contas públicas ajustadas, o déficit da Previdência Social estancado e um programa de concessões em andamento. O Palácio do Planalto, no entanto, precisaria conseguir manter-se a salvo das denúncias que surgem no âmbito da Operação Lava-Jato.

A outra, caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decida cassar no ano que vem a chapa que elegeu em 2014 a ex-presidente Dilma Rousseff e o então vice Michel Temer, seria seguir a previsão constitucional e realizar eleições indiretas. Não se prevê, nesse arranjo, que alguém disposto a contrariar os interesses das principais forças empresariais e políticas seja alçado à Presidência. Isso se o Congresso não se encontrar em uma situação em que, pressionado pela opinião pública, seja levado a emendar a Constituição e permitir eleições diretas antes do pleito programado para 2018.

Neste caso, se a situação é favorável para quem está na frente das pesquisas de intenção de voto, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ex-senadora Marina Silva (Rede), haveria também o risco de se abrir o caminho para a aclamação de um candidato que pregue soluções mágicas para a crise econômica e a limpeza do meio político. Afinal, o populista se apresenta como o representante do cidadão comum esquecido ou ignorado pelo sistema. Declara-se hostil aos políticos tradicionais e às instituições estabelecidas. Coloca-se como porta-voz do verdadeiro patriotismo.

Alguns segmentos da população brasileira já estão em busca de um líder com esse perfil, e um maior número de eleitores pode se juntar a esse grupo à medida em que a Operação Lava-Jato avançar sobre lideranças de diversos partidos e as condições do mercado de trabalho se deteriorarem ainda mais.

Na mais recente pesquisa do instituto Datafolha, Marina apareceu na liderança dos cenários de segundo turno para as eleições de 2018 e Lula cresceu nas simulações de primeiro turno, na comparação com a sondagem anterior. No entanto, chama também a atenção a resiliência do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) na quarta colocação, se disputasse a Presidência com Lula, Marina e um candidato tucano. A exceção captada pelo Datafolha foi no cenário em que o juiz Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato em Curitiba, ficou à frente de Bolsonaro e de todos os atuais presidenciáveis do PSDB.

Moro já se tornou um dos ícones das manifestações de rua que defendem o combate à corrupção. Não passa despercebido no meio político o fato de o juiz ser frequentemente aclamado quando aparece em público, enquanto deputados, senadores e autoridades do Executivo são hostilizados nos saguões dos aeroportos país afora.

O próprio Bolsonaro cresceu no PP, partido citado em várias irregularidades. Agora, o militar da reserva está no PSC e deve contar com o apoio de parte do eleitorado evangélico na disputa presidencial de 2018.

Mesmo tendo um amplo currículo na área, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) vem tentando se diferenciar da classe política, de olho nos votos dos eleitores de esquerda que decidam buscar alternativas ao PT. E as urnas também estarão eventualmente à disposição de outros candidatos egressos do Judiciário ou do mundo das celebridades.

Não bastassem uma deterioração ainda maior do sistema político e prováveis impactos negativos na inserção internacional do país, a eleição de um candidato com uma agenda heterodoxa seria capaz de gerar ainda maiores incertezas na economia. Lula, por exemplo, voltou a defender o uso das reservas internacionais para impulsionar os investimentos. Bolsonaro, por sua vez, foi recentemente ao plenário da Câmara dos Deputados tentar explicar que sua defesa pela redução da Selic não se tratava de um "canetaço", mas uma forma de reduzir os gastos do governo com o serviço da dívida e recuperar "o poder aquisitivo do coitado do pobre".

No mesmo dia, a Câmara votava uma nova lei sobre migração. Bolsonaro lembrou que, diante de seus próprios processos eleitorais, europeus e americanos estavam endurecendo as suas legislações sobre o tema. "Não podemos, neste momento de crise mundial, escancarar as portas do Brasil para todo tipo de gente", sentenciou. "Tudo quanto é tipo de escória virá para cá agora."

Ambos os discursos não repercutiram. Depois de tantos episódios polêmicos que protagonizou, como os que bateu boca com colegas de Parlamento ou defendeu torturadores, Bolsonaro passou a ser tratado por muitos como um personagem com o qual não se deve perder tempo ou dar audiência. No exterior, onde o populismo é uma realidade, interlocutores de autoridades brasileiras já questionam se o país poderá ser um dos próximos a sentir os efeitos dessa onda global. Lá, os movimentos de Bolsonaro são acompanhados com atenção - mais do que os passos dos demais pré-candidatos que se colocam como "o diferente" para as próximas eleições.

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