quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Trump passa por cima dos partidos e se elege presidente – Editorial/Valor Econômico

A vitória de Donald Trump na eleição presidencial abre nova era de incertezas para os Estados Unidos e o mundo. Com agressões e injúrias, Trump pôs abaixo todos os obstáculos em seu caminho, a começar pelo establishment político e, nele, a cúpula do Partido Republicano. Sem experiência política, enfrentou os principais caciques do partido, derrotou mais de dez candidatos nas primárias e em uma virada surpreendente, tirou a Presidência da veterana democrata, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton. Trump reuniu 279 votos no colégio eleitoral, suficiente para levá-lo à Casa Branca, ante 228 de Hillary. Na contagem, perdeu por 125 mil votos dos 118,13 milhões de pessoas que foram às urnas, 55,6% dos habilitados a votar.

Apesar de dar à indignação dos agredidos por sua retórica ultrajante um toque de reunir, e de os hispânicos terem batido recordes de comparecimento, o percentual de eleitores que se deram ao trabalho de escolher foi o menor desde as eleições presidenciais de 2000. Se Trump foi capaz de mobilizar para a cabine de votação adeptos e desafetos, Hillary não conseguiu a mesma coisa sequer com seus partidários, como também mostra a perda de redutos democratas desde a década de 80, como Wisconsin, Michigan e Pensilvânia.

O saudosismo da "América grande de novo", o bordão eleitoral de Donald Trump, reuniu todos os que se consideram deserdados da globalização contra os supostos responsáveis pelo atual estado de coisas: Washington e suas máquinas político-partidárias. A dar vitalidade à pregação populista de Trump está a queda da renda real média das famílias americanas, inferior à da década de 1970, na era Reagan.

Trump fez uma convocação eleitoral centrada na classe operária e nos extratos menos ilustrados das classes médias. Foi bem sucedido gastando US$ 500 milhões a menos que os US$ 1,3 bilhão da rival democrata. Cruzou todas as fronteiras da civilidade e, em uma das campanhas de mais baixo nível da história americana, pôs em dúvida a lisura do próprio processo democrático que depois o consagrou presidente.

Sua estratégia careceu de ingredientes programáticos, que não poderiam ser oferecidos por sua ignorância autossuficiente - mas eles não eram indispensáveis. Soube mobilizar ressentimentos, ódio e desconfiança em alto grau, para os quais o terreno político já estava preparado após anos de sinistra propaganda da extrema direita republicana.

O programa econômico de Trump é protecionista - promete de tarifas mais altas contra a China a mudança dos acordos comerciais existentes. Prega estímulo fiscal aos mais ricos, com abatimento de impostos para empresas e pessoas de mais alta renda que, calcula-se, aumentará o déficit público em US$ 6 trilhões em uma década. Trump se propõe a investir em infraestrutura, revogar o "Obamacare" e, se pudesse, modificar a política do Federal Reserve e arrefecer a legislação que enquadrou os bancos após a crise de 2008.

Sua política externa não para em pé, ao desarmar a ofensiva para a Ásia expressa, em parte, na Parceria TransPacífico e, ao hostilizar a China, desagradar aliados naturais, como Coreia do Sul e Japão. Seus acenos a déspotas como Vladimir Putin são perturbadores, assim como sua insinuação de que os aliados militares da Otan devem se sustentar sozinhos e não depender dos EUA - que custeia 75% dos gastos militares da organização.

Os investidores e políticos do mundo inteiro tentam agora saber qual será o Trump que governará: o blasfemo e valentão populista de campanha ou um contido estadista aprendiz. A única coisa certa é a incerteza. Os mercados reagiram ontem com moderação ao risco Trump. A avaliação é de que gastos fiscais de qualquer forma estimularão a economia, produzirão déficit e mais inflação, o que não é ruim no momento. Há apostas de que Trump será domado pelos republicanos, que estão em maioria na Câmara e no Senado, apesar de ter ido às turras com eles. No entanto, a rigor, Trump sequer é republicano. Parte de seus projetos, como benesses fiscais aos ricos, coincidem com os interesses dos republicanos e terão caminho fácil no Congresso. Seu protecionismo e isolacionismo político não são bandeiras do partido. A esperança de um Trump sóbrio, despido do histrionismo de campanha, tende a ser uma miragem. Ele deve continuar quebrando as regras, com consequências nefastas imprevisíveis.

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