segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Trump, Fed e BC na batalha do câmbio - Angela Bittencourt

- Valor Econômico

• Estados ameaçam dar um baile no governo Temer

Donald Trump, Federal Reserve (Fed) e Banco Central (BC) são fontes de informação e de preocupação que transcendem interesses do mercado e até fronteiras. O feriado pela Proclamação da República, amanhã, poderá adiar votações importantes no Congresso, mas investidores estrangeiros ou locais não serão poupados de intensa volatilidade nos preços dos ativos financeiros.

A queda do dólar de 4% em um pregão e mais 4% no outro seguido de uma reação confirma: o mercado financeiro não é lugar para amadores em situações de crise. Seja ela qual for. Um conflito armado ou a substituição legítima, mas inesperada, de um presidente com propostas malucas de governo. Os dois exemplos parecem distantes mas não estão. Ambos podem mudar expressivamente o preço do dólar, o patamar da taxa de juro e do índice de ações.

O momento é crítico porque a vitória do magnata Donald Tump à presidência dos EUA pelo Partido Republicano - legenda que conquistou maioria nas duas Casas do Parlamento - surpreendeu e tirou do armário eventos que, se realizados, têm consequências globais: expansão desordenada do déficit orçamentário americano, redução de impostos, aumento da inflação, elevação acelerada da taxa de juro pelo Federal Reserve (BC dos EUA), extinção da lei de regulação dos mercados financeiros instituída em 2010 e restrição em operações comerciais pelos EUA com outros países sobretudo China.

"É desnecessário dizer o quanto ficarão voláteis os mercados. Os emergentes só se acalmarão quando, e se, Trump fizer um discurso ainda mais moderado", disse à coluna o diretor de operações de um banco americano que pede para manter o anonimato. Ele acrescenta que tem visto algumas 'paradas' de investidores estrangeiros e locais que carregavam posições enormes de títulos sem liquidez para serem vendidos. "Esses investidores estão protegendo suas posições em dólar por prazos mais longos", relata.

Esse executivo do banco americano avalia que a movimentação dos investidores locais e estrangeiros em títulos se dá pelo temor de que o mercado antecipe uma alta mais forte do juro pelos EUA - o que já se nota, inclusive, nos Treasuries. Custo de financiamento mais caro pode comprometer a perspectiva de ganho com as aplicações, o que estimula a venda. É exatamente aqui que mora a preocupação das instituições.

"Em dois dias tivemos demanda líquida de US$ 1,5 bilhão vinda de investidor offshore. E esse dinheiro só pode ter ido para a proteção da carteira uma vez que não produziu qualquer efeito no mercado", comenta o executivo que não descarta ofertas maiores de dólar pelo Banco Central e, eventualmente, uma intervenção coordenada com o Banco Central do México.

Patricia Krause, economista-chefe da Coface para América Latina, diz que é cedo para saber se a apresentação do Gabinete por Donald Trump tranquilizaria os mercados. Assim como o executivo do banco americano, Patricia tem uma preocupação particular com o México durante a administração Trump.

"Mais de 80% das exportações do México vão para os EUA, sendo que o valor total representa cerca de 28% do PIB do país. Trump acusa o Nafta de ter causado a perda de emprego nos EUA e durante sua campanha prometeu rever ou acabar com o acordo. Ainda é cedo para dizer o que de fato ocorrerá. Provavelmente havia um certo exagero no candidato Trump, pois era o que seus eleitores queriam ouvir. Agora eleito, o mesmo Trump deve reduzir o tom ameaçador", argumenta Patrícia para quem tal cenário gera instabilidade no mercado mexicano. Consumidores devem postergar compras e empresas novos investimentos no país, até que se tenha melhor ideia do que será o governo Trump."

Nicola Tingas economista-chefe da Acrefi, ponderou em entrevista à coluna que durante sua campanha Trump indicou direções, mas não traçou uma linha mestra detalhada de seu plano de ação na Presidência dos EUA. "Analistas acreditam que Trump tende a seguir seu espírito de empreendedor, que atua de forma ousada e tempestiva movida por sua visão pragmática, instintiva e volátil", diz Tingas.

O economista entende que pode ser uma boa aposta ter alguém "rápido e esperto" no comando do país; mas, "por outro lado, pode ser um grande risco administrar a mais importante nação sem meios e pessoas para mitigar riscos de gestão e governança."

O economista, que também chefiou o departamento econômico da Federação dos Bancos (Febraban), cita oportunas declarações do ex-secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers a respeito da arte de governar. Summers diz que Donald Trump precisa planejar previamente e ter controle sobre o risco de gestão da economia americana e de suas inequívocas repercussões globais. Diz ainda que o presidente eleito não pode somente ser guiado por expectativas e agir de forma reativa. "Governar é analisar o contexto, planejar e agir com respaldo de pessoas comprometidas e experientes que trabalham conjuntamente em plano detalhado de governo", ensina Summers.

Donald Trump toma posse em 20 de janeiro de 2017. Até tem tempo para que ele volte a se manifestar, com chance de moderar o discurso ou retomar a linha original agressiva e de contestação. No fim de semana, Trump alterou a chefia da equipe de transição.

Haveria maior conforto para o setor privado, incluindo aqui o mercado financeiro, se o elenco de questões a monitorar inicialmente nesta semana esgotasse aí. Mas não é o caso.

Os governadores ameaçam dar um baile no governo federal. Com sistemas de previdência falidos e arrecadação de receitas combalida por um ritmo de atividade constrangido pela crise instalada no país, pela economia que segue frágil, Estados em busca de alguma ajuda. Ante a postura restritiva assumida pela equipe econômica, administradora de déficits, governadores vão ao Judiciário na tentativa de obter participações maiores em receitas extraordinárias.

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