sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Tremores da delação - Míriam Leitão

- O Globo

Volátil como a bolsa em dia nervoso, o início da assinatura do acordo de delação da Odebrecht passou a quarta-feira toda oscilando. Havia momentos em que tudo parecia pronto, e em seguida surgia um novo impasse. Ontem de manhã já se sabia que seria novamente adiado. O que virá depois vai definir a sobrevivência econômica da maior empreiteira do país.

Nesse acordo de delação, o maior de que se tem notícia, com 77 delatores, ela pagará a maior multa do mundo corporativo. Tudo no caso Odebrecht tem escala tão inédita que é difícil medir as consequências, mas se na política é chamada de “delação do fim do mundo”, na economia pode ser a chance de recuperação da empresa, ainda que não seja agora, mas no futuro.

Após o fim da assinatura, a empresa divulgará nos maiores jornais um comunicado em que não poderá dizer que está celebrando o acordo de delação, porque ele não estará homologado, mas vai reconhecer erros, pedir desculpas à sociedade e estabelecer compromissos futuros. Um deles será o novo contrato de conformidade, com o qual a empresa pretende impedir que se repita o que quase a levou à destruição.

Hoje, concretamente, o estoque de projetos contratados da Construtora Odebrecht caiu 33%, de US$ 34 bilhões para US$ 22 bilhões em dois anos. O problema é que quase não há projetos entrando. A Moody’s tem um indicador que mede o fluxo de contratações sobre as obras em execução. E pela primeira vez há menos contratações do que obras sendo executadas, indicando que o fluxo de caixa deve continuar caindo.

O que adiou o assinatura no acordo de delação foi o impasse sobre quanto da multa vai para os Estados Unidos, onde a construtora também cometeu crimes. Apesar disso, recentemente, ela ganhou um pequeno contrato no país. É apenas um projeto de ampliação e melhoria no sistema de bagagens do Aeroporto Internacional de Miami, de US$ 180 milhões, mas foi em agosto, um ano depois da prisão de Marcelo Odebrecht, quando o mundo já havia desabado sobre a empresa.

— Mesmo com a crise, a Odebrecht continua sendo a maior empresa de engenharia e construção da América Latina. Dentro desses US$ 22 bilhões que a empresa tem de projetos contratados, 23% estão no Brasil, cerca de US$ 5 bilhões, o resto, em outros países — disse a analista sênior da Moody’s Cristiane Spercel.

A classificadora de risco dá à Odebrecht a nota Caa1, um dos piores níveis, e a empresa pode ser de novo rebaixada se os avaliadores considerarem que há novos riscos decorrentes do processo judicial. Se a empresa deixar de publicar os relatórios auditados anuais, pode haver uma aceleração da dívida, alerta um relatório da Moody’s. Ou seja, a dívida passa a ser cobrada em prazos mais curtos.

A Odebrecht vai continuar diminuindo e muitas ameaças ainda pairam sobre a companhia, mas ela pode, a partir desse acordo, começar a reestruturar suas atividades. Com a delação premiada e, principalmente, o acordo de leniência, a empresa tem esperanças de que o setor de Óleo e Gás possa voltar a disputar projetos na Petrobras, porque recentemente a Andrade Gutierrez teve sinal verde. As empresas do grupo que estão diretamente envolvidas na Lava-Jato são a Construtora Odebrecht e a Engenharia Industrial.

Os analistas de mercado avaliam que com o acordo ela bate no fundo do poço e tem uma chance de se recuperar, o que não havia antes quando a estratégia de defesa da companhia era apenas negar e confrontar a Justiça. Avaliam ainda que ela tem condições de pagar a multa. Mas consideram que o risco de novas ações judiciais no Brasil e em outros países permanece alto. Os problemas da empresa nos EUA impedem o acesso ao mercado de crédito, e no Brasil ela não fez qualquer contrato em quase dois anos. Como será a sua volta ao mercado de obras públicas? Por enquanto, a dúvida nem se coloca porque a recessão econômica e a crise fiscal paralisaram obras no Brasil.

O tremor maior na economia ocorreu no momento da prisão do presidente e herdeiro da empresa. O tremor maior na política vai acontecer a partir da divulgação do que contaram os 77 executivos sobre os crimes que cometeram em conluio com políticos e agentes públicos. Mesmo assim, a economia viverá os próximos meses em sobressaltos com as revelações.

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