sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Sem aumento de vendas, saldo comercial pode ser recorde – Editorial / Valor Econômico

O superávit comercial brasileiro atingiu US$ 38,5 bilhões no ano até outubro e US$ 46 bilhões em doze meses. Esses números robustos, porém, não correspondem a uma reação vigorosa das exportações, que ainda estão em queda, mas à derrocada muito forte das importações. As estatísticas até outubro revelam que as compras do exterior se recuperam a passo de tartaruga, em um ritmo tão lento quanto o da reação da produção industrial. Como a reanimação da economia foi retardada em relação às expectativas otimistas com a mudança de governo, a balança comercial continuará produzindo bons números pelos mesmos e desalentadores motivos.

Mais de dois terços (68%) do resultado positivo da balança comercial advêm da dieta rígida de importações imposta pela recessão brasileira. Em números absolutos, de janeiro a outubro o país exportou US$ 7,4 bilhões a menos que no mesmo período de 2015, e importou US$ 33,7 bilhões a menos. Ou por outra, se o país exportasse a mesma coisa que no ano passado nesse período (US$ 160,5 bilhões) e as compras seguissem seu ritmo atual, o superávit comercial seria de US$ 46 bilhões. Pelo menos desde outubro de 2014 que, na variação acumulada em doze meses, tanto importações quanto vendas externas rastejam na parte de baixo da linha que separa variações positivas e negativas. Na comparação entre outubro e o mesmo mês de 2015, as exportações declinam 10,2% e as importações, 15,2%, pelas médias diárias.

Ainda que de forma comedida, as importações ameaçam alguma reação positiva, enquanto que para as exportações o horizonte pode ser negativo, influenciado pela apreciação do câmbio. Na comparação outubro ante setembro, com ajuste sazonal, as importações cresceram 3,6%, enquanto que as vendas externas recuaram 1,4%, nos cálculos feitos pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Houve uma pequena melhora na margem, indicando alguma reação da economia doméstica. Pelo lado das compras, entre um mês e outro as importações de bens de capital avançaram 8,1%, ainda que o recuo em doze meses ainda seja muito grande, refletindo o emagrecimento dos investimentos - 23,1%. A importação de bens intermediários, onde se encaixam os insumos industriais, subiu 1,2%, ante uma taxa negativa de 20,8% nos doze meses encerrados em outubro. Pelo lado das vendas, as exportações de manufaturados foram positivas (0,8%).

Mais de dois anos de uma possante recessão explicam o paradoxo de um saldo comercial que pode bater o recorde dos US$ 46,4 bilhões obtido dez anos antes, em 2006, com as exportações ainda em queda. No acumulado do ano, as vendas externas diminuíram para o Mercosul (-10,7%), Estados Unidos (-7,3%), União Europeia (-2,4%), China (-1,9%) e Ásia (incluindo China, -4,4%). Houve um pequeno aumento das vendas para a Argentina, de 0,6%.

O tombo das importações no período foi previsivelmente bem mais intenso, todos na casa dos dois dígitos, para qualquer destino que se olhe. A China, o maior fornecedor do país, vendeu 29,6% menos no acumulado do ano, do que havia feito no mesmo período de 2015, o Japão, -28,9%, a Europa, -18,8% e o Mercosul, -15,7%.

Assim, a China garantiu ao Brasil no ano a maior parte de seu superávit: US$ 12,98 bilhões. O apetite da China por soja não diminuiu tanto quanto pelas commodities industriais, e a performance brasileira foi quase estável, com recuo de 1,9% no ano até outubro. Isso foi suficiente, já que as importações vindas da China caíram US$ 8 bilhões. Em mecanismo similar, a derrocada dos preços do petróleo e a manutenção das vendas para o Oriente Médio fizeram a vantagem comercial brasileira subir a US$ 5,4 bilhões.

As relações de troca, que consideram os preços de exportação e importação, completam um quadro que foi favorável ao Brasil até setembro. De abril até aquele mês, evoluíram 12% (Valor, 3 de novembro). A expectativa é que não se comportem da mesma maneira em 2017, à medida que as importações aumentarem, sem que haja muito espaço para alta das commodities.

Com o comércio global em baixa velocidade, o impulso das exportações para o Brasil foi válvula de escape importante, mas pode perder um fôlego que não é grande se a valorização cambial se aprofundar. A rentabilidade do exportador caiu e seu efeito nas vendas se fará sentir em breve, se a apreciação não se reverter, parcialmente que seja.

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