domingo, 6 de novembro de 2016

Reforma envolve temas além do rombo fiscal

• Debate deve incluir saúde, desigualdade de gênero, informalidade e mobilidade urbana, dizem analistas

Cássia Almeida - O Globo

A reforma da Previdência é inevitável, dizem especialistas e governo, para garantir o pagamento da aposentadoria para as gerações futuras. Mas não é só o equilíbrio fiscal e o envelhecimento da população — os dois pilares que vêm sustentando a discussão — que devem ser contemplados nessa discussão. A economista Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estudou o adoecimento dos trabalhadores e levanta a questão da aposentadoria por invalidez, que deve aumentar com a adoção de idade mínima de 65 anos, como quer o governo. Até 2050, considerando apenas o envelhecimento da força de trabalho, a inatividade por doença deve aumentar 181%. Se for levada em conta a entrada da mulher no mercado de trabalho — que adoece mais na velhice —, esse avanço sobe para 282%, de acordo com dados do também pesquisador do Ipea Marcelo Pessoa.

— Tem que fazer a reforma da Previdência. Depois de aposentado, o homem fica mais 5 a 6 anos trabalhando, o que indica que a aposentadoria está acontecendo antes da perda da capacidade laborativa. Mas se não for feita considerando todos os fatores envolvidos, a reforma vai perder efetividade. A mulher responde por dois terços dos aposentados por invalidez. Se pensar somente no ponto vista fiscal, a reforma pode ter um custo social elevado — diz Ana Amélia

Segundo Pessoa, de 50 a 59 anos, 4% dos trabalhadores que contribuem para a Previdência se aposentam por invalidez. Essa proporção aumenta mais de 50% quando a faixa etária sobe para 60 a 64 anos. Passa a ser 6,6% da força de trabalho que recolhe para o INSS. Nesse tipo de aposentadoria, não se aplica fator previdenciário e a idade média é de 51,5 anos:

— É um problema que vai surgir. Pode-se aumentar a carência para concessão do benefício (hoje são 12 meses de contribuição), tornar mais rigorosas as perícias médicas, pois há casos de fraudes, para se sobrepor ao aumento natural de aposentados por invalidez.

O governo vai enviar projeto de lei ao Congresso para passar um pente-fino nas aposentadorias por invalidez, depois de ter passado o prazo da votação da medida provisória que tratava do tema.

A desigualdade de gênero é outro fator a ser incluído no debate, já que, nos estudos para reformar a Previdência, pretende-se estabelecer a mesma idade mínima — 65 anos — para ambos os sexos. Só que a dupla jornada feminina é cinco horas superior à do homem. Enquanto 90% das mulheres fazem tarefas domésticas, somente 51% dos homens se ocupam desses afazeres, que incluem criar os filhos. Hildete Pereira de Melo, professora da UFF e feminista histórica, protesta. Diz que há que se discutir com o movimento feminista formas de levar esse tema em consideração nas decisões:

— A dupla jornada tem que ser incluída na discussão, ou reproduzir a vida não vale a pena? Esse trabalho feminino é, sobretudo, cuidado de crianças, do nosso futuro, a continuidade de cada um de nós. Essa questões precisam ser discutidas seriamente na sociedade brasileira. Principalmente porque a representação da mulher na política é pífia. Quem vai decidir isso são os homens.

MAIS DE 40 MILHÕES DE INFORMAIS
Há reflexo disso na condição de aposentadoria. Enquanto 42,1% dos homens estão aposentados entre 50 e 75 anos, entre as mulheres a parcela cai para 29,4%, já que o trabalho em casa dificulta ter o tempo mínimo de contribuição para pedir o benefício.

A informalidade é outro agravante. São mais de 40 milhões de trabalhadores sem proteção social, entre empregados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria que não contribuem para a Previdência, empregados domésticos sem carteira, não remunerados e os que trabalham para o próprio consumo.

— A informalidade da mulher é maior porque 95% do emprego doméstico são femininos, com baixa formalidade — diz Hildete.

Esse contingente não onera o INSS, mas pode inchar a seguridade social, por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado para idosos e deficientes pobres. Entre os mais velhos, a informalidade é maior, segundo Jorge Felix, da PUC-SP: 43% dos homens idosos são conta própria e 14,3% são não remunerados. Quase 60% estão em atividades sem proteção social.

Cerca de 50% das aposentadorias acontecem por doenças do aparelho circulatório e osteomuscular (causadas por esforço repetitivo), o que demanda mais ação dentro das empresas para permitir condições melhores de trabalho que evitem a aposentadoria precoce. Por isso, Ana Amélia defende uma ação conjunta:

— Isso requer pensar conjuntamente as ações em educação, trabalho, saúde, Previdência Social, segurança e mobilidade urbana, bem como o papel das empresas. No Brasil, as legislações atuam, em geral, de forma independente uma das outras e sem participação das empresas.

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