domingo, 20 de novembro de 2016

Questão de vida ou morte - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

• Em ‘Anatomia do Desastre’, Dilma diz que ‘despesa é vida’ e sai pedalando...

Se a classe média, a economia e o País foram ao paraíso nos anos Lula, como, quando, onde e por que o “Brasil grande” da era petista começou a dar errado até se esborrachar no inferno da recessão, inflação, juros, desemprego e impeachment de Dilma Rousseff? É a essas perguntas que “Anatomia do Desastre”, da editora Portfolio-Penguin, 264 pág., responde com uma clareza estarrecedora.

O momento crucial ocorre em 2005, terceiro ano do governo Lula, e tem como personagem chave a própria Dilma. O Brasil estava em êxtase, com o boom internacional das commodities, a continuidade da herança bendita de FHC, Lula como salvador da pátria, a sociedade vibrando. Condições perfeitas para o “choque de austeridade” que Delfim Netto, Antonio Palocci e Paulo Bernardo articulavam para sedimentar o futuro, baseado em déficit nominal zero por cinco a dez anos. Aliás, uma versão preliminar da atual PEC do teto dos gastos.

Na reunião decisiva, relata o livro, Dilma olhava para o teto, como que distraída, e tamborilava os dedos na mesa, como que impaciente, para então demolir as teses de austeridade e responsabilidade fiscal com uma ode ao populismo: “Despesa é vida!”. Meses depois, em entrevista ao Estado, desqualificou a proposta a seu estilo: “É rudimentar”.

Como a história mostrou dramaticamente, rudimentar era ela, que não apenas decretou ali o fim do “choque de austeridade”, mas o ambiente para as pedaladas, o descontrole fiscal, o desastre na economia e, por fim, o enterro do próprio mandato. Com um detalhe sórdido: Dilma só era ministra das Minas e Energia, fora do núcleo das decisões. Como teve tanta audácia? Segundo o livro, ela não falava por ela, mas falava por Lula, já empenhado na reeleição em 2006 e na perpetuação do PT no poder. Logo, Lula e Dilma construíram juntos o desastre.

E foi assim que Dilma subiu depois a rampa do Planalto endeusando a “despesa”, carregando a “nova matriz econômica” debaixo do braço, desdenhando o tripé econômico de austeridade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante e capaz de manipular preços públicos e desonerações fiscais de acordo com suas ideologias políticas, suas crenças intervencionistas e as conveniências eleitorais do PT (e dela). Deu no que deu. Mas não foi nenhuma surpresa para os autores de “Anatomia do Desastre”.

Ano após ano, desde o final da era Lula, os jornalistas Cláudia Safatle e Ribamar Oliveira, do Valor Econômico, e João Borges, da Globonews, não perdiam uma oportunidade, nas redações ou em encontros casuais, de manifestar perplexidade, ou indignação, com o desastre que se avizinhava. Hoje, cada um deles poderia se gabar: “Eu não disse?” Mas preferiram contar um desastre como “nunca antes na história deste País”, embalado pelo aparelhamento do Estado e pela corrupção sistêmica. É tão chocante que, no prefácio, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga adverte: “Se o texto lhe parecer ficção, a culpa é dos fatos, não dos autores”.

Lula. No Roda Viva, Temer deveria ter respondido sobre a prisão de Lula com um bordão da ditadura: “Nada a declarar”, acrescentando que “isso é com o Judiciário, não com o Executivo”. Mas, sabe-se lá por quê, preferiu admitir que isso causaria “sérios problemas” ao País.

Ele não está falando sozinho. Mesmo na cúpula militar, que não morre de amores por Lula e o PT, a avaliação é de que não se trata apenas de Lula, mas da instituição Presidência da República. A prisão de um ex-presidente é um trauma histórico, principalmente quando ele foi um mito dentro e fora do País.

Então, Lula não vai ser preso? A resposta é o oposto do que se pensa. Se for exclusivamente pela questão jurídica, há fortes indícios de que sim. Se pesar o fator político, não será.

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