sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Cabral, o humorista que imita os políticos, deve estar fazendo chacota de si mesmo - Jorge Bastos Moreno

- O Globo

• É exagero falar que a prisão abala o PMDB que governa o país. Cabral nunca deu bola para o comando nacional do partido — que nunca deu bola para Cabral

O Planalto e o PMDB tentaram se distanciar de Sérgio Cabral, alegando que o ex-governador era mais próximo do ex-presidente Lula do que da cúpula do partido. A ex-presidente Dilma disse que Cabral “jamais foi aliado”, apesar de terem mantido acordo político. Os especialistas dizem que o rombo na Petrobras se deu mais pela má gestão do que pela corrupção em si, apesar da sua grandiosidade. No Rio de Sérgio Cabral, a gestão do primeiro mandato fez com que ele ganhasse a reeleição ainda no primeiro turno sem sair de casa. Mas seu governo foi uma versão moderna do adhemarismo: faz, mas rouba.

É exagero falar que sua prisão abala o PMDB que governa o país. Por uma questão de justiça às duas partes, Cabral nunca deu bola para o comando nacional do PMDB e o comando nacional do PMDB nunca deu bola para Cabral. Toleravam-se. O ex-governador caiu nas graças de Lula e surfou sempre nesse prestígio, ao ponto de provocar invejas e ciúmes dentro do PT. Nem Dilma escapou desses sentimentos pequenos: como chefe da Casa Civil, era esnobada por Cabral e, muitas vezes, atropelada por ele em decisões presidenciais favoráveis ao Rio, sempre que ela dizia “não” aos interesses do estado. Ela só veio mesmo a conviver com Cabral já na metade do seu segundo mandato. O interlocutor preferencial e oficial de Dilma no Rio sempre foi Pezão.

Por causa de Pezão, inclusive, foi que Cabral começou a se afastar de Lula. Antes, com Lula dentro e fora do poder, eram impublicáveis os saraus que os dois promoviam num hotel de Copacabana. Foi numa dessas happy hours, entre degustações de vinhos, queijos e charutos, que Lula, a certa altura da bebedeira, chutou a candidatura de Pezão e disse com todas as letras para Cabral:

— Companheiro, teu filme está queimado. Gosto muito do Pezão, mas ele é um candidato pesado. E você não elege nem Jesus Cristo para sucessor. Vou com Lindbergh. No que Cabral retrucou: — Logo o Lindbergh, que o senhor diz ter tirado do fundo do poço e que, se não tivesse obrigado a fazer um tratamento médico, estaria lá até hoje?

— Exatamente. Ele é leve, é jovem e soube dar a volta por cima — respondeu Lula.

A convivência acabou ali, mas a ressaca permaneceu durante toda a campanha. Lula e Cabral voltaram às boas graças ao prefeito Eduardo Paes, que promoveu um churrasco para os dois na Gávea Pequena, com a presença também de Pezão. Mas a relação nunca foi a mesma de antes. Como estava viciado na convivência com o poder, Cabral trocou Lula por Dilma e passou a fazer para ela o mesmo tipo de show que costumava fazer para Lula, invertendo os papéis: imitava Lula para ela. Como seu antecessor, Dilma dava gargalhadas com as imitações de Cabral.

Na cadeia, os inquilinos costumam exercitar suas habilidades. E Cabral é conhecido por sua vocação humorística de imitar, e muito bem, as pessoas. Quem sabe lá ele não imite Eduardo Cunha para Garotinho ou, se vier a ser transferido para Curitiba, Garotinho para Eduardo Cunha? Sem saber que ele é quem mais sabe imitar Sérgio Cabral, o gestor, para Sérgio Cabral, o beneficiário da corrupção.

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