sábado, 12 de novembro de 2016

Ainda mais urgência – Editorial/Folha de S. Paulo

O desfecho inesperado da eleição dos Estados Unidos e a perspectiva de súbita mudança na configuração da economia mundial constituem sérios inconvenientes para a recuperação brasileira.

As primeiras e convulsivas reações à surpresa política são, em certa medida, esperadas; talvez passageiras. Grandes investidores no mundo inteiro procuram atenuar perdas ou revisam suas aplicações de modo a se adaptar às expectativas de modificação do cenário.

Ainda que não seja duradoura, essa reorganização de investimentos provoca danos a países de economia frágil e desorganizada. Mesmo que a incerteza nos EUA tenha vida curta, seus efeitos serão sentidos —e perdurarão— no Brasil.

A desvalorização do real, altas pelo menos momentâneas de taxas de juros e a dúvida sobre o que será feito da maior economia do planeta elevam riscos e dívidas privadas, dificultam o financiamento externo, intimidam empresas e suscitam ressalvas em relação ao ritmo de desaperto monetário mal iniciado pelo Banco Central.

A baixa da taxa básica de juros no Brasil, a Selic, é um dos poucos estímulos à retomada da atividade econômica. O tumulto que se sucede à vitória de Donald Trump pode retardar a volta do crescimento, que já se esperava lenta.

É quase geral a impressão de que o verdadeiro programa econômico do republicano ainda constitui uma incógnita. O que há de menos incerto, de todo modo, já seria suficiente para provocar uma reversão do caminho esperado para as finanças globais.

O programa de estímulos econômicos baseado em deficit maiores do governo americano tende a redundar em altas mais aceleradas das taxas de juros pelo mundo. Em outros termos, em financiamento mais escasso e caro para economias como a do Brasil.

A incerteza sobre alterações ainda mais turbulentas nos EUA, tais como mudanças abruptas no comércio mundial, promessa temerária de Trump, amplifica tais riscos.

A repercussão política e econômica da mudança americana e a série de eleições e outras decisões importantes na Europa em 2017 tornam o futuro ainda mais nebuloso.

Para o bem ou para o mal, o cerne do problema econômico brasileiro é doméstico. O conserto das finanças públicas seria de qualquer modo árduo. A possibilidade de tergiversações, porém, diminuiu; o risco de danos causados por meias medidas aumentou.

Há, em resumo, menos margem de manobra. Não se descarta a possibilidade de que a tentativa de implementar reformas domésticas seja ainda mais dificultada pela permanência de um ambiente econômico deprimido. Adotar mudanças por aqui era urgente; tornou-se urgentíssimo.

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