quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A outra face do Rio - Rosângela Bittar

- Valor Econômico

• Samba do Pezão: "Deixa que eu falo com a Dilma"

O governo federal apoia, como medida para atenuar a crise financeira do Rio, a securitização dos royalties por um consórcio de bancos públicos nacionais (BB) e privados internacionais, além de todas as ações que puderem atender a todos os Estados, como a distribuição urgente dos recursos da repatriação, segundo critérios usados para o Fundo de Participação dos Estados (FPE). A securitização, com horizonte em 2020, já que até lá estará em curso o pagamento de outras operações do mesmo teor firmadas antes da campanha de reeleição do governador Luiz Fernando Pezão, está sendo calculada em R$ 1 bilhão, no máximo R$ 1,5 bilhão, para uma necessidade, por alto, de R$ 17 bilhões. O repasse da repatriação, segundo modelo do FPE, dará mais aos Estados do Nordeste do que aos do Sudeste e Sul. É o possível, não há outras medidas no horizonte.

São cruciais, portanto, e o governo federal está em alerta de emergência, os 18 dias entre esta quarta-feira, 16 de novembro, e a sexta-feira, 2 de dezembro, para que se possa ter noção sobre se há ou não rumo para o governo do Rio. Ou se perdurará a sensação de caos inadministrável e risco. Esse é o período de votação do pacote fiscal do governador na Alerj. Ressaca de irresponsabilidade continuada, perigo, desânimo, precipício, greves de polícia armada, são expressões de uma imaginária nuvem que retrata o momento.

A crise do Rio foi criada, nutrida e amplificada pelas estruturas e instituições dos diferentes Poderes no Estado, tendo no Executivo o púlpito e maestro. É daí que terá que sair a essência da solução. Atribuir culpas, atrasos, responsabilidades, traições, perseguições a outros, é manobra e discurso.

Só agora, com o pagamento do salário nas áreas de educação e segurança, baixou um pouco a fervura, mas o governo federal estava sem piscar à espera de um recrudescimento da grave situação do Rio na área de segurança e à possibilidade, ainda remota, de ela se espalhar pelo Brasil em forma de greves da polícia armada. O que mais preocupa.

O governo Temer sente-se preparado para conviver com as manifestações populares e estudantis de protesto, a grande maioria ainda referida no processo de impeachment e acionada no contexto do projeto político dos partidos agora na oposição, como é o caso da reforma do ensino médio, há anos desejada por todos e agora objeto de um esquenta à espera do mote da reforma da Previdência. Mas ninguém se sente preparado para dialogar com um movimento de policiais que poderão ir às ruas ou invadir assembleias porque não recebem salário. O stress existe, e um precedente disso é mais ou menos recente, no Brasil, começou por Minas Gerais e aterrorizou sociedade e governantes.

A crise do Rio, segundo avaliação feita em Brasília, tem peculiaridades, por isso é baixa a expectativa de efeito dominó no caso de um movimento forte na área policial. Há a crise fiscal dos Estados, e a crise do Rio, diz-se no governo federal.

Sua situação de insolvência é conhecida e motivou a decretação de calamidade em junho último. Nos registros analisados em áreas técnicas, a relação dívida corrente líquida/receita corrente líquida ultrapassou o limite fixado pelo Senado, e está em 2,02 no segundo quadrimestre, só menor que a do Rio Grande do Sul, que é de 2,11.

O resultado primário vem negativo há três anos, aprofundando-se ano a ano, e o Rio só consegue permanecer no limite de 60% da despesa com pessoal com relação à receita porque não contabiliza nessa relação parte das aposentadorias e pensões. Com o truque, fechou o segundo quadrimestre deste ano em 48%, quando na realidade teria ultrapassado a barreira da LRF desde 2013. Neste ano, a previsão é de 85,1% se considerada a despesa real.

O Rio acreditou no conto do pré-sal e contratou gastos por conta; fez uma agressiva política de atração de empresas; desde 2009 aumenta sua despesa com pessoal: Segundo dados do Tesouro, o Rio foi o Estado que mais aumentou gasto com pessoal entre todas as unidades da Federação entre 2009 e 2015 (70% de aumento). Situação nacional não permite esperança com crescimento de receita tributária, e as extraordinárias estão com sua capacidade esgotada.

A demolição começou no governo Sérgio Cabral e se aprofundou no governo Pezão, também por suas especificidades: aumentos ao funcionalismo antes da campanha de reeleição; sete meses em licença, período em que o Estado teve dois governadores, sendo o substituto tolhido em sua ação.

Havia uma crise de governança. A única ideia de solução concreta nesse período, a privatização da ineficiente Cedae, foi recusada pelo governador. O repasse federal de R$ 2,9 bilhões à época da Olimpíada, premido pela sempre ameaçadora greve na segurança, nada corrigiu, foi sorvido de uma vez.

A cada momento em que a falta do ajuste aprofundava o abismo, o governador Pezão recitava as seis palavrinhas que o acompanharam por um longo tempo como um mantra: "Deixa que eu resolvo com Dilma".

Só agora se move e, registra-se no governo federal, algumas injustiças que Pezão vem cometendo na compreensível tentativa de eximir-se de culpas. A ameaça de pedir intervenção federal foi apenas uma espécie de chantagem, pressão política dirigida talvez à secretária do Tesouro. Não é prerrogativa do governador do Estado pedir intervenção federal.

E também não é real a queixa de que o governo federal tenha se recusado a ampliar a permanência dos militares cedidos para a Olimpíada para garantir a segurança por mais tempo Sequer houve pedido, e já e sabe, no Planalto, que não é solução. O efetivo de 23 mil militares para reforço da segurança demandaria R$ 1 milhão/dia, como foi na Olimpíada, de receita inexistente.

A reclamação do governador de que o governo federal o traiu porque bloqueou contas, é rechaçada por Brasília. Quando o Tesouro dá um aval, exige uma contragarantia que, geralmente, é o Fundo de Participação do Estado. Quando há inadimplência, a contragarantia é acionada automaticamente. Para mudar isso, é preciso alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ao afastar novamente risco iminente de contaminação, o governo federal reitera que a crise dos Estados, notadamente fiscal, provocada entre outras questões pela Previdência e salário do funcionalismo, não é igual à crise do Rio. Porém, alguma contaminação das peculiaridades haverá, mais razão para não haver medida exclusiva. O que o governo federal puder fazer para um, fará para os demais. É no Rio, porém, que está a tempestade perfeita.

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