quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A marcha fúnebre - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• As tentativas de mudar as leis a toque de caixa para favorecer os políticos envolvidos nos escândalos até agora fracassaram

A pulverização partidária revelada nas eleições municipais, aliada aos índices de anulação de votos e abstenções (ainda que levemos em conta apenas as cidades onde houve biometria), aponta para uma certa exaustão do atual modelo eleitoral e do quadro partidário. Dois fatores pesaram muito nesses resultados: a recessão econômica e a crise fiscal, de um lado, e o impacto das denúncias de corrupção e da Operação Lava-Jato, de outro. Em ambos os casos, pela responsabilidade que tinha à frente do governo, o PT foi o partido mais atingido, colhendo um resultado eleitoral desastroso e do qual dificilmente se recuperará até 2018.

Pode-se dizer que o PSDB e o PMDB foram os partidos que melhor se saíram na eleição, os números confirmam isso, mas a pulverização dos resultados entre legendas médias e pequenas revela que os dois partidos ainda não garantem uma saída política para a crise que o país atravessa. Isso vai depender do sucesso do governo Temer, de um lado, e da capacidade de o bloco de forças que o apoia chegar a uma candidatura unificada, o que não é fácil. O PSDB dificilmente abrirá mão de um candidato próprio, porém é o PMDB que articula os demais partidos da base.

O resultado das eleições municipais revelou um imenso espaço a ser ocupado no vácuo do colapso eleitoral do PT, que conta apenas com o carisma do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sobreviver, mas sem os recursos financeiros das grandes empreiteiras e a base de apoio municipal com que contava. Em tese, esse espaço pode ser ocupado pelo PMDB e pelo PSDB, juntos ou separados, mas a cortina em relação ao que acontecerá até o pleito de 2018 ainda está fechada.

O imponderável nas eleições de 2018 é a Operação Lava-Jato, não a recessão econômica e o impacto do ajuste fiscal nos humores do eleitorado. A delação premiada do empresário Marcelo Odebrecht e de seus executivos promete um novo capítulo na crise ética, no qual o eixo das denúncias pode se deslocar dos governos Lula e Dilma e atingir em cheio a Esplanada dos Ministérios e os governos estaduais, isto é, o PMDB e o PSDB, entre outros partidos da base. Na Praça dos Três Poderes, a discussão é como salvar a elite política do país, que pode ser varrida do mapa pelas revelações de como se relacionava com a empreiteira.

Há dois aspectos em questão: a forma como os grandes partidos políticos se financiavam para se manter no poder, cujo esgotamento determinou a adoção do financiamento público nas eleições municipais; e o nosso “capitalismo de laços”, que garantia contratos, empréstimos e isenções fiscais privilegiadas para as empresas que financiavam os partidos. Para se defender da catástrofe, a elite política discute duas propostas: a reforma partidária, com adoção da cláusula de barreira, que hoje reduziria o número de partidos para nove; e uma anistia para o “caixa dois eleitoral”, que blindaria os citados na delação premiada de Marcelo Odebrecht, desde que o dinheiro tenha sido destinado às campanhas eleitorais, e não ao enriquecimento pessoal.

Julgamento
É aí que a porca torce o rabo. Essa reação do Congresso encerraria a crise ética? O mais provável é que a elite política fique ainda mais desgastada e os grandes partidos sofram nas urnas a mesma dèbâcle do PT. Além da reação contrária de delegados federais, procuradores da República e juízes de primeira instância, que protagonizam as investigações da Operação Lava-Jato, existe mobilização da opinião pública contra essa “anistia” ao caixa dois eleitoral. Mas nada garante que a reforma partidária proposta para salvar os grandes partidos, incorporando as pequenas legendas que se fortaleceram nas eleições municipais, salve os seus candidatos majoritários. Com todo respeito aos que choram seus mortos no dia de hoje, a disputa eleitoral de 2018 pode se tornar uma grande marcha fúnebre para os principais líderes políticos do país.

Nesse aspecto, a melhor aposta ainda é no julgamento dos envolvidos pelo Supremo Tribunal Federal. O problema é que a Corte não consegue dar conta do volume de processos e o estoque de políticos enrolados só aumenta. No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos 432 recursos contra decisões da Lava-Jato tomadas na primeira instância, apenas 17 tiveram êxito. As tentativas de mudar as leis a toque de caixa para favorecer os políticos envolvidos nos escândalos até agora fracassaram. Mas, ao julgar os envolvidos na Operação Lava-Jato, o STF estabelecerá jurisprudência e dosimetria das penas, caso a caso, de acordo com a correlação entre o caixa dois eleitoral e os crimes conexos. Com certeza haverá um grande expurgo na política nacional, mas os que forem absolvidos poderão protagonizar a renovação da vida política nacional.

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