domingo, 6 de novembro de 2016

A festa da anistia do caixa dois - Elio Gaspari

- O Globo

Estão na reta final os entendimentos destinados a produzir uma anistia do caixa dois dos políticos. No século XXI, arma-se algo parecido com a impunidade oferecida no XIX aos traficantes de escravos. A manobra já foi tentada uma vez no escurinho do Congresso, mas fracassou. Desta vez, ela renasceu com várias acrobacias, quase todas destinadas a inocentar os malfeitores com indulgências plenárias. Algo tipo: todo mundo-faz ou não-mexe-nisso-que a-casa-cai. Como escreveu Fernando Henrique Cardoso em 1996, quando o Banco Central capturou uma pasta com a contabilidade eleitoral da banca: “Essa gente está brincando com fogo”. Se tivessem brincado com fogo naquela época, o incêndio não teria chegado às proporções a que chegou.

Aquilo que se denomina caixa dois junta num só balaio dezenas de práticas e delitos diferentes na origem, no volume e no propósito. Por exemplo: um empresário quer doar R$ 50 mil a um candidato, não quer aparecer, faz uma gambiarra fiscal, e o beneficiado gasta o dinheiro em sua campanha. Outro empresário doa R$ 100 mil, mas o candidato gasta só metade na campanha. A outra metade vai para a reforma do seu sítio. Um terceiro gasta tudo no sítio.

A prática complica-se quando se olha para a origem do dinheiro. Ele pode ter vindo do superfaturamento de uma obra pública ou servir para quitar um jabuti colocado numa Medida Provisória. Além disso, o dinheiro disfarça-se. Às vezes, finge que é um jatinho ou mesmo uma pesquisa de opinião.

Se ninguém gritar, fingindo anistiar o caixa dois, o Congresso poderá legitimar uma lavanderia do dinheiro embolsado por políticos. Várias propostas que estão no forno pretendem varrer os escândalos pontuais para baixo de um grande tapete escandaloso e genérico.

Nas últimas semanas, avançou uma ideia que pode resolver os casos específicos de dinheiro colocado ilegalmente em campanhas eleitorais. Trata-se de começar pelo início: o cidadão que recebeu pelo caixa dois assina uma confissão, reconhece o malfeito, aceita pagar uma multa e coloca-se à disposição da polícia e do Ministério Público para esclarecer quaisquer assuntos relacionados com os mimos que recebeu. Nesse modelo, o cidadão do primeiro exemplo lá de cima (recebeu R$ 50 e gastou-os na campanha) zera sua posição. Já o que reformou a piscina precisará se explicar. O que vendeu jabuti de Medida Provisória talvez ache melhor não mexer no assunto.

O caminho das confissões será trabalhoso e exigirá horas de trabalho de advogados para cobrir a rede de detalhes que o assunto provoca. Mesmo assim, terá a virtude essencial de colocar na vitrine o reconhecimento do erro.

Duda Mendonça, um campeão nacional
No índice onomástico da Lava-Jato havia uma lacuna: faltava o nome de Duda Mendonça. Pioneiro do mensalão, escândalo no qual foi absolvido porque o Supremo Tribunal achou que ele não sabia a origem do dinheiro que recebeu, ele se apresentou ao Ministério Público e revelou que embolsou R$ 4,1 milhões da Odebrecht para trabalhar na campanha do empresário Paulo Skaf ao governo de São Paulo, em 2014. Skaf não foi um candidato qualquer, preside a Fiesp, ajudou a criar o pato amarelo da campanha a favor do impeachment e candidatou-se pelo PMDB com o apoio do então vicepresidente Michel Temer.

A Lava-Jato e a voracidade do comissariado deram a impressão de que a corrupção nacional cabia no PT. Ela é anterior e maior que ele. Duda Mendonça é um enviado dos deuses. Mostrou a roubalheira do mensalão e reaparece associando-se ao nome do presidente da Fiesp, poderosa entidade que, em outra época, quando Skaf tinha apenas 15 anos, financiava a central de torturas do DOI-Codi. Pelo caixa dois, é claro.

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