quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A boia do apocalipse - Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

• Saída de Geddel acomodaria disputa pela mesa da Câmara

O apocalipse chegou à moda do PMDB. Trouxe uma boia de salvação na popa. A delação da Odebrecht vem em dobradinha com a anistia e a fritura de um dos homens do presidente aporta como solução para a encarniçada disputa pelo comando da Câmara que ameaça o biênio de Michel Temer.

A ex-presidente Dilma Rousseff começou a cair quando ignorou o perigo embutido na sucessão da Câmara dos Deputados que empoderou seu principal algoz. A estrada do presidente Michel Temer na Casa não o livra de riscos na disputa. O atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quer permanecer no cargo mas enfrenta um balaio de candidatos, do centrão e do PSDB. Pois se não houver outra saída a não ser rifar o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, o presidente ganhará um cargo seja para abrigar Maia, seja para acolher o mais forte de seus contendores.

Como a pasta de Geddel não rivaliza com o primeiro cargo na linha sucessória da Presidência da República, o perdedor desta disputa iria para o ministério. Se a condição de genro do secretário do Programa de Parceria de Investimentos, Wellington Moreira Franco, favoreceu a ascensão de Maia à presidência da Câmara, o mesmo parentesco pode vir a facilitar sua permanência no cargo, dada a necessidade de livrar o entorno do gabinete presidencial, pelo menos, de nepotismo. A saída do ministro da Secretaria de Governo abriria espaço, por exemplo, para um político do quilate de Jovair Arantes (PTB-GO), joia da herança de Eduardo Cunha, e mais ambicioso pré-candidato à presidência da Câmara.

A equação deixaria Geddel ao alcance do juízo de Curitiba, destino de Henrique Eduardo Alves, outro correligionário que, citado em delação, não chegou a esquentar a cadeira no ministério de Temer. Ao relento, o atual secretário de Governo ameaça cair atirando, ainda que as metralhadoras de plantão tenham perdido poder de alcance com a blindagem ampla, geral e irrestrita que a Câmara dos Deputados deve chancelar.

A anistia está para derrotar o proverbial poder de mobilização da força-tarefa e mostrar que foi a campanha do impeachment e não o engajamento popular contra a corrupção que fomentou a coleta dos 2 milhões de assinaturas das medidas patrocinadas pelo Ministério Público. O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que começou os trabalhos com a ambição de pavimentar a candidatura ao governo do Rio Grande do Sul, o conclui isolado de seus pares que o acusam de ter esquecido o bode na portaria.

Os parlamentares pressionaram pela inclusão do crime de responsabilidade dos integrantes do Judiciário. A ideia era levar o tema a plenário para que o artigo virasse moeda de troca com o Ministério Público pela aprovação da anistia. Nas idas e vindas do relatório, a responsabilização teve versões sucessivamente contestadas na comissão, instância em que a anistia foi contornada para ser levada a plenário, onde uma votação simbólica permitiria o sumiço das digitais do grande acordão da República.

A manada que invadiu a comissão ameaça incluir, em plenário, a anistia a corrupção e a lavagem de dinheiro. Uma anistia restrita ao caixa dois abriga muitos nomes da lista da Odebrecht mas pode deixar a descoberto personagens como Geddel Vieira Lima ou o presidente do Senado, Renan Calheiros, prestes a se tornar réu no Supremo Tribunal Federal pelo processo em que é acusado de usar uma empreiteira para pagar pensão alimentícia.

Parlamentares que acompanham as negociações do texto dão de ombros à reação popular. Não temem pela popularidade porque não se perde aquilo que já não se tem. Arrumaram uma boia. Com a repatriação das mesadas guardadas por seus familiares no exterior e os acordos de leniência que hão de recolocar as empreiteiras no jogo esperam ganhar vento a favor para chegar a 2018.

Os black-blocs do ajuste fiscal
A fúria dos servidores é a imagem pública da reação ao arrocho dos Estados, mas a negociação das propostas que podem vir a enquadrar os Estados na PEC dos gastos revelou que os verdadeiros black-blocs a bombardear as medidas de austeridade são as empresas beneficiárias de incentivos fiscais. Três burocratas das finanças, Eduardo Guardia (Fazenda), Ana Paula Vescovi (Tesouro) e Marcelo Caetano (Previdência) passaram a tarde de ontem reunidos com secretários e subsecretários estaduais para fechar o pacote de propostas a ser incluído no pacto dos governadores.

A ideia é que os Estados apresentem, em bloco, propostas de emenda constitucional que repliquem, nas Assembleias Legislativas, aquela que hoje tramita no Congresso destinada a limitar os gastos da União. A diferença é a duração mitigada (10 anos) e a possibilidade de que os investimentos, ao contrário dos federais, cresçam acima da inflação, se em algum lugar pingar dinheiro para tanto. Para evitar o cabo de guerra com os servidores estaduais, a elevação da alíquota previdenciária nos Estados de 11% para 14% será enviada ao Congresso Nacional e não às Assembleias, por dentro da PEC da Previdência, ou em separado.

Os governadores se dispuseram a rediscutir as contrapartidas que eles mesmos ajudaram a afundar quando a renegociação das dívidas tramitava na Câmara porque a União acenou com uma fatia a mais dos recursos da repatriação. O maior entrave surgiu com o fundo de estabilização fiscal a ser formado por 10% dos incentivos fiscais hoje concedidos nos Estados. Se uma empresa recebe, por exemplo, 80% de isenção de ICMS, passaria a receber 72%, sendo a sobra depositada num fundo. Parece pouco, mas é suficiente para empresários ameaçarem fechar as portas. Ceará, Pernambuco, Alagoas e Piauí já têm fundos semelhantes porque se moveram em bloco, mas Goiás teve que voltar atrás no por pressão das empresas. Uma coordenação nacional para a iniciativa foi tentada duas vezes na era petista, sem sucesso.

Sem esse fundo, os governadores teriam mais dificuldade de fechar as contas e pressionariam por uma fatia dos R$ 100 bilhões que o BNDES vai devolver ao Tesouro Nacional. Uma concessão do gênero, na avaliação de um técnico que acompanha a negociação, provocaria uma debandada no Ministério da Fazenda. O apetite dos governadores por esses recursos poderá ser medido até segunda-feira quando se espera que o pacto, com o fundo a ser formado com uma fatia dos incentivos fiscais, será anunciado.

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