quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Temer tenta arbitrar conflito entre Legislativo e Judiciário

Por Vandson Lima, Andrea Jubé e Carolina Oms – Valor Econômico

BRASÍLIA - Uma verdadeira crise institucional entre os Poderes Legislativo e Judiciário pode estar a caminho após a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, recusar o convite para uma reunião hoje, às 11h, com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o presidente da República Michel Temer.

A iniciativa de chamar o encontro foi de Temer, para tentar "harmonizar os Poderes", após Renan disparar uma série de ataques a representantes da Justiça, por causa da prisão de policiais legislativos sob seu comando. Ontem, Cármen Lúcia, que alegou já estar com a agenda cheia hoje, rebateu as críticas do presidente do Senado e se solidarizou com o juiz Vallisney Souza de Oliveira, chamado por Renan de "juizeco".

A presidente do Supremo disse que os juízes exigem "respeito" por parte do Legislativo e Executivo. "Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido. E não há a menor necessidade de numa convivência democrática livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade", disse ontem a ministra em sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sem citar nomes. Cármen Lúcia lembrou que a Constituição determina que os Poderes da República sejam independentes.

Já o presidente do Senado, por sua vez, atuou para esvaziar uma outra reunião, que Temer quer promover na sexta-feira com os chefes dos três Poderes e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para discutir a segurança pública. Cármen, em nova contrariedade a Renan, mantém a previsão de comparecer.

"Terei muita dificuldade de participar de qualquer encontro com o ministro da Justiça, que protagonizou um espetáculo contra o Legislativo", atacou Renan, que ironizou a possibilidade de Moraes participar de encontros dessa magnitude. "Ele representa qual poder? Polícia Federal não me parece ser poder do Estado". Na segunda-feira, Renan Calheiros já havia chamado Moraes de "chefete de polícia" e reclamado para Temer da atuação do ministro no episódio das prisões.

O Valor apurou que lideranças do PMDB, próximas a Renan, pediram o afastamento de Moraes. Mas o Palácio do Planalto afirma que, por enquanto, ele segue no cargo. Além disso, auxiliares de Temer ponderam que Renan "perdeu a razão" ao agredir representantes da justiça.

Renan minimizou as críticas a ele feitas por Cármen Lúcia, considerando como apenas uma defesa da ministra do Poder a ela subordinado - tal como ele próprio fizera. "Concordo com a manifestação. Ela fez exatamente como presidente do STF o que eu fiz como presidente do Senado".

Sem admitir ter cometido qualquer excesso, Renan cobrou da ministra uma repreensão à atitude do juiz Vallisney. "Acho que faltou uma reprimenda ao juiz. Toda vez que alguém da primeira instância usurpa competências do Supremo, quem paga é o legislativo. E sinceramente, não dá para continuar assim".

O senador confirmou que vai dar entrada hoje em uma ação judicial para definição de competência das atribuições no Poder Judiciário.

Alinhado com Renan, Rodrigo Maia classificou como "equivocada" e "duvidosa" a decisão do juiz ao autorizar uma operação da Polícia Federal dentro do Senado. "Acho que Renan tomou a decisão certa ao encaminhar essa reclamação ao Supremo".

Há o temor no governo de que a crise venha a atrapalhar o calendário já acordado para votação no Senado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui um teto para os gastos públicos. Renan garantiu que, por ora, o cronograma está mantido.

A Ajufe, associação de juízes federais, divulgou nota na qual afirma ter "repúdio veemente" às declarações de Renan, enquanto um grupo de juízes federais do Distrito Federal manifestou "profunda indignação e repulsa".

"Impressiona saber que o presidente do Senado e do Congresso Nacional, sob o equivocado e falacioso argumento de um "Estado de exceção", e com sério comprometimento das relevantes atribuições de seu cargo, permita-se aviltar o tratamento respeitoso devido a outra autoridade que, como ele, é também membro de Poder, isso sim a criar um cenário de instabilidade e a colocar em severa dúvida se é o Estado republicano, democrático e de direito que realmente se busca defender", disseram os juízes federais do DF. (Colaboraram Fabio Murakawa, Raphael Di Cunto, Thiago Resende e Letícia Casado e Carolina Oms)

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