terça-feira, 18 de outubro de 2016

Procuradores apuram empréstimos do BNDES de R$ 101 mi a amigo de Lula

• Liberação de recursos para o Grupo São Fernando, de Bumlai, teve participação do BTG, BVA e Bertin

Procuradores do DF e da Lava Jato apuram empréstimos do BNDES a amigo de Lula, à beira da falência

• Liberação de R$ 101 milhões para usinas do Grupo São Fernando, em 2012, com participação direta e indireta do BTG Pactual, BVA e Bertin, é alvo de investigação conjunta; força-tarefa de Curitiba compartilhou documentos apreendidos com pecuarista amigo de Lula e banco abriu auditoria interna

Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

O Ministério Público Federal, no Distrito Federal, em conjunto com a força-tarefa da Operação Lava Jato, investiga se o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi beneficiado em empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre 2008 e 2012. O Grupo São Fernando, de usinas de álcool, recebeu mais de R$ 500 milhões em três operações com o banco nos governos Lula e Dilma Rousseff. As participações do BTG Pactual, do falido BVA e do Grupo Bertin também estão sob suspeita.

A principal frente de investigação concentra-se na concessão de R$ 101,5 milhões em 2012. O valor foi contratado em nome da São Fernando Energia 1 – unidade do grupo que geraria energia com o bagaço da cana-de-açúcar -, no plano de reestruturação financeira do Grupo São Fernando. A operação foi feita de forma indireta, via bancos BTG Pactual e Banco do Brasil, que assumiram os riscos como agentes financeiros do repasse.

As empresas do pecuarista amigo de Lula – preso desde novembro de 2015, em Curitiba, por ordem do juiz federal Sérgio Moro – entraram com pedido de recuperação judicial, um ano depois de obter esse terceiro e último empréstimo do BNDES, principal alvo da apuração em conjunto dos procuradores do DF e da Lava Jato.

Em 2015, o BNDES e o Banco do Brasil pediram a falência das empresas de Bumlai por inadimplência. Prestes a ser condenado no esquema de corrupção da Petrobrás, pelo juiz da Lava Jato, em Curitiba, Sérgio Moro, o amigo de Lula tinha uma dívida de R$ 1,2 bilhão. Toda operação financeira do grupo com os bancos estatais envolvem o Grupo Bertin – também alvo da Lava Jato, como o BTG e o BVA.

As investigações contra o pecuarista são nas áreas civil e criminal. A Procuradoria, no Distrito Federal, e a força-tarefa da Lava Jato suspeitam de fraudes dentro e fora do BNDES para concessão dos valores às empresas de Bumlai e pagamentos de propinas. Delatores Andrade Gutierrez confessaram em outras apurações do escândalo Petrobrás terem pago valores de corrupção ao PT, em forma de doações eleitorais, pela liberação de dinheiro do BNDES em negócio da empreiteira na Venezuela.

O foco do Ministério Público nas operações do BNDES abrangem empreiteiras acusadas de cartel na Petrobrás e outros investigados pela Lava Jato. Na última semana, Procuradoria, no Distrito Federal, denunciou Lula e executivos da Odebrecht por suposto favorecimento à Odebrecht na concessão de empréstimos do banco para obras em Angola, na África. Desde maio, o BNDES suspendeu também o repasse de US$ 4,7 bilhões para 25 operações de financiamentos, em nove países, para empreiteiras alvo da Lava Jato – além de Odebrecht, OAS, Andrade Guritierrez, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa.

Empréstimos. Nos registros do BNDES consta que Bumlai fez 6 pedidos de empréstimos ao banco, três deles concedidos. Os dois primeiros foram para construção da São Fernando Açúcar e Álcool, em Dourados (MS), em 12 de dezembro de 2008 e em 3 de fevereiro de 2009, no valor total de R$ 395,1 milhões. As informações são de documento enviado em dezembro de 2015 pelo banco ao Ministério Público Federal.

O primeiro empréstimo, de R$ 330,5 milhões, destinado à implantação da usina, e o segundo, de R$ 66,6 milhões, para implantação do primeiro sistema de cogeração de energia da unidade, detalha documento assinado pelas áreas de Crédito, Industrial e Jurídica, e compartilhados em julho, com a Lava Jato.

A usina foi concluída em 2009 e entrou em operação em 2010. Dos valores devidos por esses dois primeiros empréstimos, o BNDES informou que o Grupo São Fernando teria pago até hoje R$ 252 milhões.

Reestruturação. Em 2011, quando os negócios de Bumlia já apresentavam problemas financeiros, foi “iniciada as tratativas para reestruturação do Grupo São Fernando”. Na ocasião, o saldo devedor dos dois primeiros empréstimos era de R$ 362 milhões.

O BNDES assinou em junho de 2012 esse último empréstimo, em nome da São Fernando Energia 1 Ltda, no valor de R$ 101,5 milhões na modalidade empréstimo indireto, em que o BTG Pactual e o Banco do Brasil foram intermediários como agentes financeiros – assumindo o risco do negócio.

“Além de dar suporte aos investimentos necessários às obrigações decorrentes dos contratos assumidos junto à Agência Nacional de Energia (Aneel), o financiamento repassado por Banco do Brasil e BTG Pactual teve o propósito de equacionar a estrutura de capital da empresa, através, basicamente, do alongamento de dívidas de curto prazo, sem, contudo, gerar aumento de seu endividamento”, informou o BNDES, em resposta à Procuradoria.

O banco registra no material compartilhado entre os procuradores que “sob a perspectiva dos credores financeiros, incluindo o BNDES, a operação possibilitada a redução do risco de crédito associado ao Grupo São Fernando”. ” À época, a operação era considera uma parte fundamental para viabilizar a recuperação e continuidade das atividades da São Fernando.”

Compartilhado. Desde agosto, os procuradores do Distrito Federal trabalham com esses materiais compartilhados pela força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba. Foram enviados documentos apreendidos na 21ª fase, batizada de Operação Passe Livre – referência ao livre acesso que o pecuarista tinha no Planalto, nos governos Lula. São e-mails e documentos apreendidos em endereços do pecuarista e dos filhos, Maurício de Barros Bumlai e Guilherme de Barros Bumlai, como os contratos e cartas trocadas com o BNDES na época das operações financeiras.

Os procuradores da República do Distrito Federal Sara Moreira de Souza, da área cível, e Claudio Drewes José de Siqueira, da área de combate à corrupção, investigam os negócios de Bumlai e o BNDES desde 2015. Essas frentes, em parceria com a Lava Jato, podem gerar novos processos contra o pecuarista.

Bumlai é uma figura emblemática das investigações da Lava Jato, que apuram a participação de Lula e pessoas ligadas a ele no esquema de corrupção na Petrobrás. O pecuarista deve ser condenado ainda esse ano pelo empréstimo fraudulento de R$ 12 milhões para o PT, em 2004, no Banco Schahin. O dinheiro foi pago com contrato fraudado da Petrobrás de US$ 1,6 bilhão.

O juiz federal Sérgio Moro, em seus despachos, destacou as concessões de empréstimos de instituições financeiras para Bumlai, como o BTG e o BVA.

Apuração interna. Além das apurações do Ministério Público, o BNDES também conduz uma frente interna que analisa as operações de empréstimos ao grupo do amigo de Lula. “A operação em questão está sendo avaliada por auditoria interna do BNDES. O Banco vem prestando toda a assistência necessária às autoridades competentes, no intuito de esclarecer quaisquer aspectos relacionados às referidas operações.”

O BNDES informou que nenhuma das duas empresas da família Bumlai, na ocasião do empréstimo, estavam em situação de falência, concordata ou recuperação judicial.
O banco infirmou em dezembro que todo risco na operação foi assumido pelos bancos BTG e Banco do Brasil e que essa operação até o final de 2015 estava em dia. “Por se tratar de operação indireta (em favor do BTG Pactual e do Banco do Brasil), o risco de crédito é dos referidos agentes financeiros, credenciados para operar com o o BNDES. Ambos possuíam classificação de risco, assim como limite suficiente para comportar o valor do financiamento.”

O BTG e Banco do Brasil “realizaram análise econômico-financeiras e cadastrais da empresa e declararam que após o processo de reestruturação financeira, a São Fernando Energia I, teria situação cadastral satisfatória e adequada capacidade de pagamentos de suas obrigações e não se vislumbrava nenhum óbice para a concessão de financiamento da referia”.

O BNDES sustenta ainda que a “motivação” do banco para realizar as operações de repasse foi “o caso bem sucedido (da implantação da usina financiada em 2008), o plano de reestruturação viabilizaria a manutenção de empregos e de atividade operacional de empresa em setor relevante da economia, tendo como consequência a melhora da capacidade de pagamento e a redução do riso de crédito do Banco”.

“No entanto, se porventura os riscos existentes fizessem com que o plano não lograsse o sucesso esperado, o esforço adicional do BNDES nas operações indiretas teria sido estabelecido através dos agentes financeiros Banco do Brasil e BTG Pactual, sem qualquer aumento de exposição do BNDES ao Grupo São Fernando.”

COM A PALAVRA, O BNDES
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social informou que a operação financeira com o Grupo São Fernando “está sendo avaliada por auditoria interna” e que a instituição presta “toda assistência necessária às autoridades”.

Leia as respostas do BNDES, via assessoria de imprensa:
“Existe alguma apuração interna no BNDES, ou qualquer outro tipo de procedimento referente a essas operações com o Grupo São Fernando?

BNDES – A operação em questão está sendo avaliada por auditoria interna do BNDES. O Banco vem prestando toda a assistência necessária às autoridades competentes, no intuito de esclarecer quaisquer aspectos relacionados às referidas operações.

Qual o valor hoje da dívida do Grupo?

BNDES – A empresa encontra-se em processo de recuperação judicial e o saldo devedor apurado pelo BNDES na data do pedido de recuperação, conforme o Quadro de Credores publicado em 27 de agosto de 2013, era de R$ 332,9 milhões. Este montante não contempla os valores pagos pela fiadora do contrato.

O contrato de 2012, feito via BTG e BB, está adimplente? Qual a situação dele?

BNDES – A operação está adimplente perante o banco. Trata-se de operação de crédito na modalidade indireta, na qual o risco é suportado pelos agentes financeiros credenciados.

COM A PALAVRA, O BTG PACTUAL
“O BTG Pactual nega qualquer irregularidade na referida operação, está plenamente documentado e à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos. Em investigação independente realizada pelo escritório de advocacia internacional Quinn Emanuel Urquhart & Sullivan LLP (“Quinn Emanuel”), não foi encontrado qualquer indício de irregularidade.”

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