sábado, 15 de outubro de 2016

O futuro depende dos professores - Fernando Luiz Abrucio

Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

As finanças públicas do país estão quebradas. Isso é inegável e, portanto, é preciso garantir a solvência do setor público para que se possa almejar um desenvolvimento sustentável no longo prazo. A aprovação da PEC 241, nesse ponto, não é a mudança mais importante. A reforma da Previdência tem maior relevância, pois é o item das contas públicas cuja rota, se não alterada, levará o Brasil para a bancarrota. Porém, se tivesse de escolher qual é questão com efeito mais estrutural para o futuro da nação, não hesitaria em dizer que é a educação, e, mais especificamente, a carreira dos professores.

A produção acadêmica internacional constatou que a educação é um dos fatores mais decisivos para o desenvolvimento. E dentro da política educacional, os estudos revelam que a variável mais relevante, embora não exclusiva para o sucesso das escolas, é a qualidade do professor. Por essa razão, vários governos pelo mundo têm investido muito na formação e na carreira docente. E no Brasil, em que pé está esse processo?

Para entender melhor essa questão, vale fazer uma síntese rápida da trajetória da política educacional. No modelo brasileiro de desenvolvimento, a educação não teve um lugar central e foi destinada de início basicamente aos mais ricos, e paulatinamente foi chegando aos setores médios. O objetivo foi, pelo menos a partir do arranque iniciado com Vargas, desenvolver-se com mão de obra barata, abundante e com pouca escolaridade, ao que se somava um núcleo pequeno de trabalhadores especializados e uma crescente classe média, embora diminuta em relação aos mais pobres, com uma boa formação para se transformar na elite dos setores público e privado.

A massificação da escola pública só começou mesmo na década de 1970, mas só com a Constituição de 1988 o ensino fundamental se tornou um direito efetivo dos cidadãos, fazendo com o que o país buscasse, pela primeira vez na história, a universalização do acesso. A ampliação dos formados pelo ensino médio e, mais ainda, pela universidade, ainda são desafios para os próximos anos. De todo modo, hoje o objetivo é bem diferente do passado: trata-se de aumentar a qualidade educacional para todos.

Tomando como base essa trajetória, quem era o professor no Brasil? Por boa parte da história, foram, principalmente, mulheres de classe média, com formação escolar crescente ao longo do tempo, que ensinavam para pessoas da mesma classe social ou superior. A partir da massificação, ocorreu a absorção de um universo grande de docentes com baixa qualificação, sobretudo nas áreas mais pobres do país. Desde a aprovação do Fundef, na segunda metade da década de 1990, foi feito um esforço enorme para aumentar a qualificação acadêmica, com resultados positivos importantes, aumentando a equidade no acesso a professores com mais escolaridade.

A despeito desse avanço, o perfil do professor brasileiro ainda tem muitos problemas, fato que tem efeitos negativos sobre o corpo discente, seja o mensurado em provas que avaliam o aprendizado, seja a perda crescente de interesse dos alunos em relação a escola, particularmente a partir do final do ensino fundamental. Se o país quiser melhorar sua política educacional, tem de começar a atuar urgentemente nessa frente, ainda mais porque cerca de metade dos professores da educação básica irá se aposentar nos próximos dez anos. Eis aqui uma janela de oportunidade, mas que poderá se transformar numa enorme chance desperdiçada.

Mas qual professor o país precisa para enfrentar melhor os desafios do futuro? Primeiro, é preciso tornar a carreira do magistério mais atraente, capaz de chamar mais jovens talentosos para trabalhar nesse ofício. Hoje, a maioria dos que optam por essa profissão estão entre aqueles com resultados fracos no Enem. Aumentar o salário inicial é um passo importante para elevar a atratividade, mas o ponto central é aperfeiçoar as condições gerais de trabalho, dando mais possibilidades de ascensão dentro do universo escolar - em vários tipos de trabalho pedagógico, como a mentoria ou a coordenação de áreas -, fixando o professor em uma escola única, preferencialmente de tempo integral, investindo fortemente na formação continuada e, especialmente, realçando os resultados obtidos pelo corpo docente.

Do mesmo modo que é essencial ter mecanismos de cobrança de metas do professorado, também é crucial criar mecanismos de motivação que mostrem o quanto o papel do professor pode fazer diferença aos alunos e à comunidade. É dessa maneira que se fecha o bom ciclo da satisfação no trabalho, fundamental para o bom desempenho em qualquer profissão.

Mesmo com mudanças na carreira do magistério, os melhores talentos dificilmente serão atraídos no curto prazo para essa profissão. Mas se uma parte deles perceber que tem vocação docente e for mais rapidamente convencida em fazer essa opção, já haverá um efeito demonstração importante, que poderá paulatinamente gerar um imã em prol do ofício de professor. Só que o raciocínio para captar os professores do futuro não pode parar por aí, uma vez que muitos deles terão de sair das comunidades onde estão os alunos mais pobres. Essa é uma lição que já vem do Mais Médicos: há lugares que têm menos capital humano e onde existe maior dificuldade para atrair certos profissionais.

Por essa razão, é importante ter programas de atração à carreira do magistério para jovens advindos das escolas públicas e, principalmente, dos lugares mais carentes. Os governos deveriam oferecer incentivos desde o ensino médio, com bolsas de estudo e preparo especial. Essa ação deveria continuar no nível superior, oferecendo apoio e recursos para que tais alunos pudessem ter melhores condições para se dedicar a uma boa formação docente.

Entra aí uma questão chave: a formação inicial dos professores no Brasil é geralmente inadequada. Primeiro, porque uma boa parte não obtém o conhecimento adequado da disciplina que será ministrada. As fragilidades de vários cursos de pedagogia e licenciaturas explicam em certa medida esse fenômeno, porém, o resultado deriva também das deficiências prévias da escolaridade e da falta de capital social. Antes de ensinar o ofício de professor, as instituições de ensino superior deveriam atuar para nivelar tais alunos em termos de bagagem acadêmica e cultural.

Um segundo passo é fornecer formação em didática e metodologias de ensino. Existem teorias e técnicas de como ensinar, inclusive no que se refere a disciplinas específicas - o ensino de matemática tem peculiaridades, como o de outros temas - e ciclos de ensino - o professor da educação infantil precisa ensinar aos alunos de modo diferente do que é feito no ensino médio. Há aqui abordagens consagradas, mas também há um espaço importante para a experimentação, o que depende da construção de uma ponte entre a prática escolar e teoria formulada na universidade.

Só que essa mudança necessita de uma maior interligação entre os centros formadores de professores, as redes de ensino que contratam os docentes e a escola. Todavia, esse caminho é marcado, hoje, por fossos entre os três lados. A distância entre o saber produzido na universidade e a prática escolar é imenso no Brasil. Para começar a mudar esse cenário, é preciso fazer com que a formação docente tenha uma vinculação com a vida escolar desde o início da graduação. O aprendizado do ofício do magistério depende muito da experiência na sala de aula, problematizada pela reflexão acadêmica. Assim, a melhoria da formação inicial passa por ter estágios e tutorias no maior número possível ao longo do curso, num trajeto que faça a ponte constante entre a teoria e a prática.

Para tanto, devem haver os incentivos necessários para que os atores desse tripé formativo participem ativamente: bolsas para os alunos, ganhos profissionais para os professores universitários, possibilidade de as Secretarias utilizarem uma mão de obra qualificada e, fechando o ciclo, criação de um clima nas escolas favorável à interação com os jovens estagiários, valorizando o saber produzido no "chão da fábrica" escolar.

O professor do século XXI também precisa desenvolver outras competências além da aptidão de ensinar um determinado assunto. Saber trabalhar em equipe junto aos colegas da escola, ter capacidade de entender e atuar sobre o contexto dos alunos e da comunidade, ser curioso e criativo em relação a experimentações no ensino, e, acima de tudo, guiar-se pela motivação apaixonada de querer ensinar pessoas. Claro que muitos desses comportamentos são apreendidos ao longo da carreira, bem como sempre é necessário atualizar-se para ter um melhor desempenho. Por isso que a formação continuada constitui peça-chave na produção de um professorado adequado para modificar o futuro do país.

Toda a discussão recente sobre ajuste fiscal é essencial para que tenhamos chão nos próximos anos. Mas o que nos fará voar como nação serão os docentes, de maneira que a reforma do Estado precisa garantir os recursos necessários para revolucionarmos o magistério. Assim poderemos ter maior alegria em desejar feliz dia dos professores nos próximos anos, juntamente com os alunos que sairão mais preparados da escola.
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Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e coordenador do curso de administração pública da FGV-SP.

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