domingo, 2 de outubro de 2016

Eleição difícil - Míriam Leitão

- O Globo

Hoje, 146 milhões de brasileiros estão escolhendo os prefeitos e vereadores entre 500 mil candidatos. Esta eleição está sendo uma das mais difíceis. O crime comum invadiu a política provocando mortes, aumentou o desinteresse do eleitor, principalmente dos jovens, a corrupção está abalando a confiança no processo de representação, apareceram novas formas de fraude.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, alertou para uma contradição que assusta quem espera ver, em cada processo de escolha coletiva, um novo avanço da democracia:

— Os jovens foram para as ruas pedir mudanças, mas caiu o registro do eleitor facultativo, aquele que tem 16 e 17 anos.

Na última eleição municipal, em 2012, registraramse para votar 2,9 milhões jovens nesta faixa etária. Agora, foram 2,31 milhões. Quase 600 mil a menos.

— O desinteresse dos jovens pela política tradicional é um fenômeno mundial, mas no Brasil há partidos falsos, sem vida, que não têm programas, legendas que fraudam a participação da mulher, colocando o nome delas apenas para constar, fundações partidárias que só existem para cumprir a lei — disse Gilmar Mendes.

Para além do fenômeno do afastamento dos jovens, esta eleição demonstrou que há uma fadiga em relação ao processo eleitoral:

— Vamos entender que o ambiente político contribui para este estado de alma, a política está perdendo a credibilidade.

Nesta eleição foi proibida a contribuição financeira de empresas. Mesmo assim, houve doações de pessoa física de alto valor, normalmente donos de grandes empresas. Um deles doou a exorbitância de R$ 19 milhões, distribuindo o dinheiro entre vários candidatos. Essa mudança no financiamento fez surgir também uma nova forma de fraude, com o uso dos nomes e CPFs de mortos e beneficiários do Bolsa Família na lista de doadores. O ministro Gilmar Mendes já havia alertado que apareceria um “laranjal”. Outra regra que pode ter incentivado a fraude foi o limite de gastos por campanha. Para 62% das cidades, o gasto máximo por vereador era de R$ 10,8 mil e de R$ 100 mil para o candidato a prefeito:

— Isso é irreal e provavelmente o que está acontecendo é muito caixa 2.

A campanha foi curtíssima. Entre o registro e a votação, foram 45 dias. Gilmar Mendes acha que isso tem a vantagem de reduzir o custo da eleição, sem poluição visual, mas pode criar vários problemas, como barreiras aos recém-chegados e benefícios para os nomes conhecidos, processo que, se for confirmado, impedirá a renovação:

— Será necessária uma nova lei para aumentar mais este prazo, mas esse encurtamento da campanha teve também a consequência boa de baratear o custo, que havia chegado a valores estratosféricos. A campanha da presidente Dilma, no oficial, foi de R$ 360 milhões. A do Aécio foi de R$ 290 milhões. Só o marqueteiro de Dilma recebeu R$ 70 milhões, pelo registro oficial.

Houve ainda, nesta campanha difícil, atentados contra candidatos, causando mortes, principalmente no Rio. O presidente do TSE foi duas vezes à Baixada Fluminense ver de perto e conversar com os líderes locais:

— O problema vai muito além da eleição. Há uma grave crise de segurança no Rio, que está exigindo um programa institucional mais amplo, do país, para enfrentar o crime no estado. Tivemos que mudar a programação logística para a entrega das urnas na Maré. Não pôde ser na hora marcada, que era seis da manhã.

Inúmeros candidatos concorrem, mesmo estando impugnados. Por isso, perguntei ao ministro Gilmar Mendes se o direito brasileiro não poderia ter medidas cautelares para proteger o eleitor, já que ele enfrenta o risco de votar num candidato que pode não ter o mandato. O ministro disse que muitos vão obter a confirmação e assumir seus mandatos, mas admitiu que é possível se pensar em encurtar as instâncias para uma decisão mais rápida sobre a impugnação.

Na visão do presidente do TSE, há muito o que refletir sobre esta eleição, pelas novas regras e pelos velhos problemas. Um deles é o enorme número de partidos: 28 legendas no parlamento, 35 partidos existentes e outros 35 esperando registro. Esse e outros obstáculos precisam ser enfrentados na reforma política, segundo o ministro.

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