terça-feira, 6 de setembro de 2016

Tensão eleitoral

• Tucanos voltam a atacar Temer, que cogita enviar reforma da Previdência só após a disputa

Júnia Gama, Silvia Amorim - O Globo

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- A sinalização do governo do presidente Michel Temer de só encaminhar a reforma da Previdência ao Congresso após a eleição municipal de outubro surpreendeu o PSDB, um aliado que já vem colecionando um histórico de desavenças desde o período da interinidade. Sem esconder desconforto com a situação, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), disse ontem que Temer precisa deixar claro, assim que retornar da viagem à China, as prioridades do governo no campo das reformas estruturantes. O tucano se encontrou com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e, juntos, cobraram rapidez para as mudanças na Previdência.

— Agora é hora de mãos à obra e mostrar o que é possível fazer ainda este ano. O presidente tem que dar sinais claros. Vamos aguardar o retorno dele. Se não vai mandar agora, vai mandar quando? — questionou Aécio.

O governo estuda deixar o envio da proposta de reforma da Previdência para depois das eleições municipais, mas a decisão só será tomada após o retorno de Temer da China, previsto para hoje. A expectativa inicial era que o texto fosse mandado ao Congresso logo após o impeachment, mas isto pode não acontecer devido ao temor do governo de que a reforma, com medidas impopulares, seja usada como munição contra candidatos alinhados ao Palácio do Planalto nas eleições municipais. 

Metáfora bíblica 
Aécio afirmou que o PSDB não foi avisado por nenhum integrante do governo de que o projeto da reforma da Previdência teria ficado para depois da corrida eleitoral. É a segunda vez em uma semana que o partido externa desconhecimento sobre atitudes da base de Temer. A primeira foi no dia da votação do impeachment com o fatiamento do julgamento da então presidente afastada Dilma Rousseff.

— Na última conversa que nós tivemos, a informação era outra, de que se faria logo. Não fomos comunicados ainda. Eu preferiria que essa agenda já estivesse sendo discutida — afirmou o senador.

Alckmin reforçou a cobrança recorrendo a metáfora bíblica:

— Não chegaremos à terra prometida com torcida e voluntarismo. Só vamos chegar com medidas concretas e rápidas. O argumento de que é difícil aprovar agora é verdadeiro. Mas até para ir amadurecendo e ganhando tempo, deveriam mandar o quanto antes. Se deixar para o fim do ano, pode nem votar este ano — avaliou Alckmin.

O ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, disse ao GLOBO que é “irrelevante” se a proposta for enviada um pouco antes ou pouco após as eleições municipais. O migoverno nistro se reunirá com as lideranças no Congresso para analisar o “timing” adequado para o envio do texto.

— Um pouco antes ou um pouco depois das eleições, isto é irrelevante. O que importa é que o parâmetro já existe, a decisão de propor uma reforma está tomada. Vamos discutir agora com os operadores na Câmara e no Senado qual o melhor momento. Dez dias a mais ou dez dias a menos é o que menos importa — afirmou.

O PSDB tem criticado a hesitação do governo em tomar medidas duras de ajuste fiscal, e Aécio sugeriu em entrevista ao GLOBO que Temer discuta a relação com o próprio partido, que não estaria sincronizado com a necessidade de reformas para a retomada do crescimento.

O governo também alega que o texto ainda não está pronto e só deve chegar a um formato final em meados deste mês. A área técnica do já entregou os estudos sobre o tema, mas falta ainda concluir a análise política sobre a viabilidade dos pontos que serão apresentados na proposta.

Geddel acrescentou que “nenhum” deputado o procurou para tratar do tema, mas que, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), tocou no assunto, ele irá conversar com outros parlamentares para ouvir opiniões.

— Nenhum deputado tratou desse tema. A primeira vez que ouvi isto foi com Rodrigo Maia. E como ele é um operador importante, de um partido que, junto com o PSDB, sempre reclama pressa nas reformas e critica o governo porque acha que está cedendo, é claro que temos que levar em conta isso — disse Geddel. 

Planalto espera contrapartida 
 A “ideia” de adiar o envio da proposta, segundo auxiliares de Temer, teria sido dada pelo presidente da Câmara, mas ainda não foi discutida com o presidente da República.

Ao GLOBO, Maia afirmou que o envio da proposta antes da eleição pode ser usado como desculpa por quem perder o pleito. E que, se a proposta não for enviada até o dia 14 deste mês, “tanto faz” deixar para depois da eleição, já que não haverá sessão nesse período para garantir os prazos de tramitação. Segundo o presidente da Câmara, até o momento nenhum deputado o procurou pedindo que o adiamento fosse negociado com o governo.

No Palácio do Planalto, assessores de Temer dizem que, dependendo da “contrapartida” que os parlamentares oferecerem, o envio da proposta pode de fato ficar para depois das eleições.

— Se for para ter uma tramitação mais rápida, ou para votarem a PEC do teto de gastos e deixar a pauta limpa para a reforma da Previdência depois, é uma opção — diz um interlocutor do presidente.

Em reunião há cerca de 10 dias, Temer afirmou a interlocutores que mandaria a proposta antes das eleições para evitar ser acusado de “estelionato eleitoral”. Mas, agora, irá analisar o impacto de um eventual adiamento para tomar a decisão.

— Vamos ver como o mercado reage, que leitura isto pode gerar. O texto para discussão interna está quase pronto, está sendo analisado pelas autoridades políticas para saber o que tem ou não viabilidade — diz este auxiliar de Temer.

Reservadamente, alguns deputados admitem que a reforma pode causar desgaste eleitoral. Mas dizem não estar dispostos a defender publicamente que ela seja apresentada apenas depois da eleição, também para não serem acusados de terem cometido estelionato eleitoral.

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