segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Pode isso, Arnaldo? - Ricardo Noblat

- O Globo

• Abre-se, finalmente, uma nova era para o Brasil. A Era sem Dilma e sem Dunga.

O que você responderia à pergunta: “Gosta de café com leite”? Que gosta ou que não. A pergunta não comporta outra resposta. Mas se lhe perguntassem se gosta de café e de leite, você poderia responder que gosta dos dois. Ou então que gosta de um deles. A Constituição diz que presidente cassado pelo Senado perde seu mandato e seus direitos políticos. Ponto. É café com leite. Não é café e leite.

ESTÁ NO parágrafo único do artigo 52: “(...) limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Dito de outra maneira: uma vez condenado, o presidente perderá o cargo com inabilitação, etc e tal...


MAS O MINISTRO Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), aceitou o pedido do PT de fazer duas votações: uma para cassar o mandato de Dilma; a outra para inabilitá-la para o exercício de função pública. Procedeu com base na interpretação de artigos do regimento interno do Senado. Ora, desde quando um regimento pode ser superior à Constituição?

SE O MINISTRO entendeu possível cassar o mandato de Dilma sem inabilitá-la, o contrário poderia ser possível: inabilitá-la para o exercício de cargo público, permitindo, contudo, que presidisse o país até o fim do seu mandato. Que tal? Faria sentido? Dilma continuaria no cargo até 2018 apesar de ter sido condenada por crime de responsabilidade e perdido os direitos políticos.

DILMA ACUSA seus adversários de rasgarem a Constituição para poder cassá-la. Lewandowski fez o mesmo em parceria com um grupo de senadores liderados por Renan Calheiros, que responde a mais processos no STF do que o deputado Eduardo Cunha. Ao que parece, Lewandowski, um jurista sem brilho, ainda paga pedágio por ter sido indicado pelo casal Lula para ministro do STF.

LEWANDOWSKI JOGOU no impeachment como muitas vezes joga um time de várzea. Foi bem até quase o fim. Aí fez uma lambança e perdeu o jogo. Na semana passada, Renan acusou o Senado de ter virado um hospício. Pelo visto, não só o Senado. Dilma falou 16 vezes em “golpe” no seu discurso de despedida do cargo. Mas calou-se sobre o verdadeiro golpe que foi a manutenção dos seus direitos.

“ESTAMOS JUNTOS”, disse Temer a Renan ao tomar posse como presidente da República. Para menos de uma hora depois, reunido com seus ministros, criticar o “acórdão” que salvou os direitos políticos de Dilma. Antes, autorizara o senador Romero Jucá, presidente do PMDB, a recorrer ao STF da bizarra decisão do Senado. Temer de nada sabia, ele jura.

FOSSE VERDADE que Renan e 12 dos 19 senadores do PMDB passaram a perna em Temer, tenderia a agravar-se a situação de um presidente contestado no comando de um governo fraco. Melhor que ele soubesse e que, acostumado a ceder, tivesse abençoado o acordo. Temer quer passar à História como quem arrumou a economia e pacificou o país.

A CRISE POLÍTICA contaminou o STF. Mas se ele quiser, poderá cingi-la ao governo e ao Congresso. Basta anular a decisão monocrática de Lewandowski que permitiu fatiar o resultado do impeachment. A valer a Constituição, o Senado cassou os direitos de Dilma quando lhe cassou o mandato. É bem verdade que o reajuste salarial do Judiciário, a ser votado em breve, depende do Senado. Aí... sei não.

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