terça-feira, 13 de setembro de 2016

Falta de afinação política aflige o governo Temer – Editorial / Valor Econômico

O governo de Michel Temer continua a se mover em terreno pantanoso, após uma sequência de tropeços que não eram esperados em uma equipe de veteranos articuladores políticos. Os erros do núcleo político de Dilma Rousseff, logo após ela vencer o pleito da reeleição, foram, no contexto da acirrada disputa, o início do fim de seu governo. No caso de um presidente que assume após um turbulento processo de impeachment, erros podem cobrar um preço igualmente alto no futuro.

Diante do pandemônio partidário no Congresso, cuja base de apoio ao novo governo é semelhante à do que sai, e da formação em mutirão do ministério, trombadas entre objetivos e realidade são inevitáveis. Não deveriam, porém, resvalar para o amadorismo, como sugerem.

O governo de Michel Temer tem um déficit de representatividade que poderá ser coberto ao longo do tempo com medidas que tragam a recuperação da economia e ações que mantenham unida uma maioria parlamentar que lhe permita aprovar seus principais projetos. A estridente oposição do PT e dos movimentos sociais satélites era esperada e ganhou a iniciativa nas ruas. Suas bandeiras são óbvias e se resumem às acusações de que Temer deu um golpe para retirar direitos e acabar com programas sociais, que foram a marca dos governos petistas desde 2003.

Mas o que os ministros escolhidos por Temer têm oferecido se presta facilmente ao que a oposição poderia classificar de um laboratório de maldades. Apenas nos últimos dias a lista de intenções atribuídas ao governo inclui mudanças no FGTS que poderiam impedir os trabalhadores de sacá-los no momento em que mais necessitam, quando desempregados; que as mudanças trabalhistas elevariam para 12 horas a jornada de trabalho, com toques de macabra ironia diante do desemprego de 12 milhões de pessoas e com viés de alta; e a elevação da idade mínima para a aposentadoria, para 65 anos, que deverá constar da reforma da Previdência. Como adendos desagradáveis, há boutades de ministros que apenas compõem um quadro ainda menos lisonjeiro do governo.

Nenhuma dessas intenções é indefensável ou ilegítima. Mas no clima de polarização política que persiste, como seria previsível após um impeachment, as aparências contam mais que os fatos, se as intenções não forem claramente justificadas. Nessa situação, o presidente Michel Temer e seus ministros ficam no pior dos mundos. Entre os que apoiam seu governo e têm expectativas favoráveis, ele parece contemporizador, vacilante e indeciso ante a enormidade das tarefas que têm de cumprir em prazo exíguo, entre elas a aprovação da PEC do teto dos gastos e a reforma que garantirá sua viabilidade, a da Previdência. Entre os que o renegam, há farta munição saindo da Esplanada a dar alguma verossimilhança à fábula de que vem aí a demolição dos programas sociais. Falta ao núcleo palaciano uma definição de prioridades e a sequência planejada de execução.

É importante fazer uma reforma trabalhista e reconhecer a realidade, abrindo espaço para flexibilidade da jornada de acordo com a negociação das partes, o que pode envolver 12 horas diárias de trabalho, em determinadas condições. Não há saída à vista para as contas previdenciárias sem o aumento da idade mínima e do tempo de contribuição. Os programas sociais precisam de avaliação e fiscalização permanentes, assim como correção de rumos, quando for o caso, sem que isso signifique a intenção de que eles serão eliminados.

Após o impeachment, Temer tem de coordenar expectativas e por fim a ambiguidades. Em um primeiro momento, a revisão das regras do trabalho e da previdência parecerão piorar as coisas para seus beneficiários, sensação que será reforçada pela oposição e pelas manifestações de rua. Mas fazem sentido e a racionalidade pode prevalecer em um segundo momento, desde que os objetivos sejam explicados, com começo, meio e fim. Não é o que ocorre.

Em sua primeira entrevista como presidente de fato, Temer disse a "O Globo" que se opõe ao aumento salarial para o Judiciário neste momento e que não abrirá mão do "conceito do teto" de gastos, não permitindo despesas acima da inflação para saúde e educação. É uma definição. Falta agora evitar que seu ministério se transforme em uma Babel de ideias mal cosidas, que causam atritos inúteis no presente e que podem não ter qualquer futuro.

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