sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A faxina no Orçamento - Claudia Safatle

- Valor Econômico

• Programas podem ser extintos depois de avaliados

O governo vai fazer uma faxina geral nos programas e projetos do Orçamento da União para conter as despesas, enquanto a reforma da Previdência Social não resultar em redução do déficit. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que congela o gasto em valores reais por até 20 anos, tem gordura suficiente para se sustentar nos dois primeiros anos.

Após 2019, a disputa por espaço no Orçamento vai ficar acirrada com o aumento contínuo do pagamento das aposentadorias e demais benefícios. Se não fizer nada, nenhum corte adicional, a PEC se inviabiliza no médio prazo, enquanto que nos primeiros anos ela é inócua para barrar o crescente endividamento do setor público.

O teto para o gasto federal, em 2017, é de R$ 1,316 trilhão, sendo que com a previdência social dos trabalhadores do setor privado e dos servidores públicos ele supera R$ 670 bilhões. Com as contribuições muito aquém dos pagamentos dos benefícios, o déficit está em uma trajetória explosiva. Só o do regime geral é estimado em R$ 181, 2 bilhões em 2017, além de mais R$ 75,5 bilhões do funcionalismo público civil. Ou seja, em 2017 a previdência total, excluídos os militares, terá um déficit de R$ 256,7 bilhões.

A reforma da Previdência não traz impactos imediatos sobre a estrutura do gasto, mesmo se a transição do regime atual para o novo for rápida. No governo, a expectativa é que o prazo para a implementação do novo modelo seja de 15 anos e, para professores, policiais militares e mulheres, de 20 anos. Mas, sem ela, é inútil se imaginar um conserto efetivo das contas públicas.

O grande ganho de uma equação sustentável para a seguridade social no presente é o de sinalizar o futuro, caso contrário seria preciso um aumento de até dez pontos percentuais na carga tributária para sustentar o crescimento dessa despesa. Não há mágica para fazer ajuste fiscal. Ou aumenta-se a receita com a cobrança de mais impostos ou corta-se o gasto. Por enquanto, o governo escolheu a segunda alternativa.

Segundo o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, chegou a hora de cuidar da eficiência do gasto público. "Vamos passar um pente fino na despesa", disse ele.

Essa é a face mais cuidadosa e menos impactante do ajuste. A área econômica vai contar com a ajuda do Banco Mundial, que fez esse trabalho no México, e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Trata-se, aqui, de olhar com lupa cada um das centenas de programas e projetos do Orçamento federal, para ver o quanto gasta e que resultados produz.

Essa tarefa vai demandar uma revisão geral, também, nos regimes especiais de tributação. A título de exemplo, Mansueto disse que tem medida de tributação especial que beneficia uma única empresa e custa, anualmente, cerca de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos. Cifra equivalente ao gasto também anual com a compra de medicamentos para a farmácia popular.

Há um vasto campo para explorar, mesmo nas áreas mais sensíveis como saúde e educação, ambas com orçamentos de mais de R$ 100 bilhões. No caso da saúde, 85% da dotação orçamentária se destina a despesas de custeio e, nesta, o maior peso está nos procedimentos de média e alta complexidade. A ideia é vasculhar os procedimentos para ver se há possibilidade de ganho de eficiência.

O orçamento da educação cresceu, em média, 9% reais entre 2010 e 2014, para financiar a construção de universidades e escolas técnicas. A contratação de professores e funcionários para essas novas unidades foi de 100 mil pessoas entre 2007 e 2015, em comparação com apenas 5 mil contratados entre 1997 e 2007. Esse é um aumento de gasto que não se repetirá nos próximos anos.

Rever os contratos de compras governamentais e as desonerações de impostos concedidas às empresas nos últimos anos também é parte da faxina que, segundo Mansueto, deverá extinguir programas inteiros do Orçamento. Assim, argumentou, será possível preservar e melhorar os gastos sociais com foco nos realmente pobres.

Um levantamento feito por outra área do governo identificou que, atualmente, 500 mil funcionários públicos municipais recebem Bolsa Família. Todos estão rigorosamente dentro dos critérios do programa, disse uma fonte, sugerindo que seria necessário apertar um pouco as regras de acesso a esse benefício. Critérios de acesso também devem ser reavaliados nos benefícios de prestação continuada, como a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que atende a idosos e deficientes muito pobres. Hoje, 25% da Loas é concedida por decisão judicial por falta de clareza no texto da lei.

Quando foi secretário de Política Econômica, na gestão de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa viu que existiam pencas de programas e projetos com dotação de recursos orçamentários, cuja execução, ao fim do exercício, era praticamente zero. Quando tentou elimina-los, os beneficiários dessas rubricas apareceram para defender a sua manutenção.

Agora, Mansueto, disse que vai novamente tentar acabar com esses fantasmas no âmbito da faxina orçamentária. Ele não dimensionou o potencial que essas iniciativas teriam para reduzir o gasto público.

É importante salientar, porém, que isso leva a uma discussão que nunca ocorreu no país, sobre o resultado do uso do dinheiro do contribuinte na melhoria das condições de vida da população. Não é um hábito dos governos no Brasil fazer avaliações de programas para se ter a exata noção da eficiência do gasto. Até porque ajustes sempre foram feitos pelo aumento da receita e não pelo corte na despesa. Com menos recursos disponíveis, talvez se crie por aqui a cultura de permanente cobrança de resultados.

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