quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Apenas esporte não resolve o problema social – Editorial / O Globo

• A judoca Rafaela é um caso de superação da pobreza por meio de uma atividade esportiva, mas a esmagadora maioria precisa é de educação de boa qualidade

Amedalha de ouro de Rafaela Silva, conquistada no tatame do Parque Olímpico, não muito distante da Cidade de Deus, comunidade em que nasceu, ganhou ares de um conto de fadas na vida real.

A família pobre da irrequieta Rafa a encaminhou a um projeto do terceiro setor voltado à população carente, o Reação, criado por um judoca laureado, Flávio Canto. O professor de Rafa, Geraldo Bernardes, na Rio-2016 treinador de dois judocas do Time de Refugiados, e no passado preparador de outros judocas brasileiros vitoriosos em Jogos, identificou na energia e agressividade de Rafa predicados em bruto a serem lapidados para o judô.


Deu muito certo, tanto que ela foi campeã mundial, também no Rio, em 2013, um ano depois da passagem frustrada pela Olimpíada de Londres.
O sucesso de Rafaela joga luz sobre iniciativas como o do Reação, em que ex-atletas e profissionais de várias especialidades conseguem patrocínio e executam um trabalho sério em áreas carentes.

É preciso, inclusive, uma ação mais ampla do poder público na atividade, sem desprezar, por óbvio, a experiência dessas entidades de cunho social, assentadas em bases profissionais.

É necessário, porém, reconhecer os limites desses projetos. São essenciais para retirar crianças e jovens das ruas, salvá-los do tráfico, e assim por diante. Mas nem todos serão atletas brilhantes, de largo futuro à frente, como Rafa. Ou técnicos.

Também o mesmo acontece no futebol, o esporte mais popular do Brasil, porém com um mercado estreito. Nem todos vão para o exterior, e apenas uma minoria pode ostentar mansões, carros, um padrão de vida de “famosos”.

Espera-se que venham mais exemplos brilhantes como o de Rafaela, de superação da pobreza pelo esporte. Mas serão sempre casos isolados, sem que haja, ao mesmo tempo, uma geração de jovens preparados para entrar no mercado de trabalho em condições de atender a exigências de ganhos de produtividade pela economia, imprescindível para o país sobreviver num mundo cada vez mais globalizado, queiram ou não.

Projetos de cunho social podem se articular com a rede de ensino público, por exemplo. Mas sem uma escola pública de qualidade não haverá futuro para crianças e jovens de renda mais baixa. E, por consequência, para o país.

Não será pelo esporte, exclusivamente, que estratos menos favorecidos ascenderão socialmente, como se deseja. Assim, o país perderá de vez o bônus demográfico — grande população de jovens —, essencial para o desenvolvimento. O Brasil ficará velho, antes de se tornado desenvolvido.

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