quinta-feira, 14 de julho de 2016

Sem novo socorro para o Rio

• Só os estados em melhor situação financeira terão aval para crédito, diz secretária do Tesouro

Martha Beck, Bárbara Nascimento - O Globo

-BRASÍLIA- Escolhida pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para comandar o Tesouro Nacional em meio a uma grave crise fiscal, a economista Ana Paula Vescovi tem sido a porta-voz de recados duros a estados e municípios. Para o Rio de Janeiro, que tem a situação mais crítica, a secretária afirmou, em entrevista ao GLOBO, que não há mais dinheiro da União para uma ajuda financeira direta nem aval a novas operações de crédito. A partir de agora, o apoio será apenas técnico. Autorizações do Tesouro para empréstimos só serão concedidas a governadores que tiverem as contas em dia e boa classificação de risco.

Para estados que estão em melhor situação fiscal e cujas dívidas com a União são menores, como vários do Norte e Nordeste, o governo federal já prometeu dar prioridade na concessão de operações de crédito. Serão aceleradas as garantias aos mais bem classificados em termos de capacidade de pagamento. Além disso, o processo de concessão de financiamento vai passar por uma revisão de normas. Como o governo da presidente afastada, Dilma Rousseff, acelerou fortemente a concessão de crédito para estados nos últimos anos, essa margem ficou pequena. O espaço para este ano é de R$ 17 bilhões. Por isso, os critérios de liberação dessas operações ficarão mais rígidos, diz a secretária. Será criado um banco de projetos e a seleção das operações de crédito será feita pela qualidade das propostas e pelo retorno social delas. Outro critério, acrescenta, é se o estado recebeu ou não operações anteriores.

Para o Rio, só ajuda técnica
Ana Paula lembrou que o Rio foi a unidade da federação que mais elevou seus gastos com folha de pagamento nos últimos anos — a alta foi de 52% somente entre 2012 e 2015 — sendo que isso ocorreu com base numa renda volátil atrelada ao preço do petróleo. Isso contribuiu em grande parte para o déficit estrutural fluminense, que gira em torno de R$ 20 bilhões por ano, diz ela:

— O Rio foi o estado que mais aumentou o valor da folha de pagamento. E fez isso tendo como suporte uma renda provisória, temporária e finita, que é a renda do petróleo. O ciclo do petróleo passou, e a despesa obrigatória ficou. São lições que o Brasil precisa aprender para que erros do passado não repercutam no futuro.

A secretária do Tesouro lembrou que o auxílio financeiro de R$ 2,9 bilhões dado pelo governo federal ao Rio foi exclusivamente para ajudar no cumprimento de um compromisso internacional do Brasil com os Jogos Olímpicos. O estado também será beneficiado pelo projeto que alonga por 20 anos as dívidas estaduais com a União e ainda dá carência de seis meses no pagamento desses débitos. De resto, caberá ao governo do Rio tomar medidas estruturais que reequilibrem as contas.

— A União está do lado do Rio de Janeiro, incontestavelmente, mas com oferta de assistência técnica, naquilo que for necessário para formular esse ajuste estrutural caso o estado necessite e demande — ressaltou.

A secretária lembrou que o papel da União é preservar o equilíbrio federativo e que, para a economia brasileira voltar a crescer, o governo precisa ser rigoroso na condução da política fiscal.

— Temos um horizonte muito claro, que é o Brasil voltar a crescer. Para chegarmos até lá, o Brasil precisa ser rigoroso com a condução de suas despesas e da sua política fiscal. Esse é um elo importantíssimo pelo qual poderemos reconquistar a confiança. Qualquer esforço que contradiga essa concepção poderá dificultar o retorno do crescimento e impor um custo não só a um estado específico, mas a todos. É colocar um custo aos trabalhadores que precisam de um mercado pujante para voltar a arrumar emprego — pontuou.

Como medidas estruturais que poderiam ser adotadas pelo Rio, ela cita o aumento da contribuição previdenciária dos servidores para resolver desequilíbrios nos regimes de aposentadorias, além da implementação de programas de privatização de estatais e revisão de benefícios fiscais. Ana Paula citou como um avanço a aprovação de uma Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no Rio Grande do Sul.

Contribuição maior no regime especial
A fixação de uma idade mínima para aposentadoria e o aumento das contribuições para servidores enquadrados em regimes especiais são temas que precisam ser debatidos, segundo Ana Paula. O desequilíbrio na Previdência Social é hoje o principal problema dos estados brasileiros. Uma parte disso se explica por regimes especiais nos quais algumas categorias, como policiais e professores, se aposentam mais cedo.

— O desenho entre contribuições e benefícios tem que ser tal que os direitos sejam cumpridos. Essa discussão de idade mínima e, nos casos dos regimes especiais em que alguns servidores se aposentam muito mais cedo, é pertinente. Se é meritório que alguns servidores se aposentem mais cedo, então, o custo de contribuição deles, por coerência com os demais servidores, também precisa ser maior — frisou ela.

A secretária deixou claro que, independentemente da votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que define um teto para os gastos públicos, o governo terá despesas limitadas em 2017. Ana Paula explicou que a equipe econômica decidiu antecipar “os efeitos benéficos” da PEC e incluiu na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017 um dispositivo que limita os gastos primários à inflação do ano anterior. Ela disse que o governo aposta em uma parceria com o setor privado para não sacrificar os investimentos:

— O investimento, pela lógica do governo, é algo que precisa de complementariedade com o setor privado. Nós não partimos de uma lógica de investimento público puro. Temos que voltar a fazer desmobilização de ativos, privatizações, concessões, parcerias público-privadas. Tudo isso bastante conectado à melhoria de marcos regulatórios, fortalecimento das agências reguladoras e a uma boa comunicação com atores interessados para que possa haver uma valorização desses ativos.

A secretária evitou arriscar uma data para quando as agências de classificação de risco devem elevar a nota do Brasil e devolver ao país o grau de investimento perdido em 2015. Ela avalia que, à medida que o governo der sinais de maior solvência das contas públicas, a melhora do rating será uma consequência.

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