sábado, 2 de julho de 2016

Lava-Jato expõe necessidade de restrição ao foro privilegiado – Editorial / O Globo

O semestre terminou com o Supremo Tribunal Federal conduzindo 59 inquéritos, 11 denúncias e 38 denunciados na Lava-Jato. A Procuradoria-Geral da República registrou no serviço de protocolo da Corte, nos últimos 16 meses, nada menos que 865 manifestações e 118 pedidos para buscas e apreensões relativos a essa grande investigação federal.

Já são 134 pessoas investigadas com foro no Supremo. É uma situação inédita, que impõe reflexão, porque o STF tem como função precípua a guarda da Constituição, e o acúmulo de processos do gênero representa um risco real de morosidade, contribuindo para elevar ainda mais o já alto índice de prescrição de ações penais.

O foro privilegiado, tecnicamente foro especial por prerrogativa de função, é uma forma de estabelecimento da competência penal. Surgiu na reação ao absolutismo, para submeter governantes à lei comum. Foi adotado no Brasil Imperial, por inspiração liberal. Desde então, expandiu-se o uso da prerrogativa de função como modo de definir o foro.


A Constituição de 1988 fixou o foro para o chefe e os ministros civis e militares do Executivo federal e chefes dos governos estaduais, integrantes do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas da União, do Judiciário e do Ministério Público. Deixou brechas para novas definições nas Constituições estaduais e em leis federais, no âmbito das justiças Eleitoral e Militar.

O problema atual é o excesso. No Congresso e no Supremo o debate ganhou força desde que o tema foi levado às ruas, pelas multidões em protesto, em meados de 2013.

Os resultados da Lava-Jato, até agora, contribuem decisivamente para a consolidar aquilo que já era uma percepção coletiva: é preciso, com urgência, restringir-se a definição e a aplicação do foro por prerrogativa de função. Deve ficar limitado a um número mínimo de autoridades — chefes de poder. Nada além.

Como reconheceu nesta semana o ministro do STF Luís Roberto Barroso, “o foro foi feito para não funcionar” e, por isso mesmo, “o foro privilegiado não funciona”. Por consequência, pontuou o ministro, “ele fomenta a impunidade”. Esse é, deve-se admitir, um dos riscos inerentes à Lava-Jato, quando se observar além do horizonte de médio prazo.

Barroso tem repetido essa pregação por onde passa. Até aqui, os fatos demonstram que está certo. Lembrou, mais uma vez, que o índice de prescrição de ações penais no Supremo é “um escândalo, elevadíssimo”. O prazo médio para recebimento de uma denúncia no STF é de 617 dias, enquanto no juízo de primeiro grau a média é de uma semana.

O preço da morosidade judicial é a impunidade. O Congresso, que há tempos debate propostas nesse âmbito, deveria tomar a iniciativa para limitar o privilégio. No mínimo, como homenagem à sensata voz rouca das ruas.

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