sábado, 23 de julho de 2016

A volta da política – Editorial / O Estado de S. Paulo

Pretende-se que o jantar realizado na terça-feira passada entre o presidente em exercício Michel Temer e os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Rodrigo Maia, represente a volta da política como protagonista da cena nacional. O gesto mostraria a disposição de alcançar o quanto antes o entendimento necessário para debater e aprovar as medidas de que o País tanto necessita para superar essa infausta quadra de sua história. Espera-se que este seja o primeiro sinal de que a prática política tenha começado a deixar para trás o caráter de mera ferramenta de assalto ao Estado para enriquecer gatunos e financiar projetos delirantes de poder.

Um encontro como o de Temer, Calheiros e Maia, no qual foi discutida uma agenda de amplo alcance, especialmente as medidas econômicas e as reformas previdenciária e trabalhista, seria impensável até pouco tempo atrás, quando a Presidência da República era ocupada por Dilma Rousseff e a Câmara era presidida pelo deputado Eduardo Cunha.


No caso da petista, sua aversão aos volteios da articulação com o Congresso era notória. Eleita exclusivamente graças à popularidade de seu padrinho, o chefão Lula da Silva, Dilma adotou a arrogância como método em sua relação com o Legislativo. Ela provavelmente supôs que sua legitimidade, em razão do monopólio da vontade popular que o PT sempre julgou ter, fosse muito superior à dos deputados e senadores, desprezíveis “picaretas”, como a eles se referiu Lula certa vez.

Por essa razão, em lugar de se dedicar à dura negociação dos projetos de interesse do governo, Dilma exigia obediência e submissão dos políticos. E, afinal de contas, considerando que parte da base governista estava se lambuzando de dinheiro público roubado de estatais, seria natural esperar que não houvesse dificuldade para aprovar o que Dilma quisesse. Assim, a presidente e o PT trocaram a política, que dá trabalho e exige uma expertise que Dilma jamais teve, pela descarada compra de votos, cuja única habilidade requerida é saber se safar do flagrante.

Nem mesmo a iminência do afastamento de Dilma fez a presidente e o PT mudarem de comportamento. Dilma sabotou todos os esforços de seus articuladores no Congresso, enquanto Lula, apesar da aura de raposa política, se limitou a tentar comprar apoio de deputados num quarto de hotel em Brasília para salvar sua pupila.

Eduardo Cunha, por sua vez, foi o resultado mais expressivo da transformação da política em gangsterismo. O deputado explorou a degradação produzida pelo lulopetismo no Congresso para formar um bloco de parlamentares fiéis apenas a seus interesses pessoais, em número suficiente para fazer dele o presidente da Câmara e para submeter os inimigos a todo tipo de chantagem. É claro que um tal político seria um sério obstáculo para as articulações que Temer agora começa a operar.

Sem Cunha e Dilma, que estão a caminho da cassação, o presidente em exercício pode enfim restabelecer a negociação política tradicional, que é o único caminho, nas democracias representativas, para que os diversos interesses da sociedade sejam levados em conta. Nada disso significa que o saneamento esteja completo – o País está apenas no começo desse trabalhoso processo.

Um exemplo disso é que o próprio Temer ainda parece prisioneiro da prática de lotear a máquina do Estado para angariar apoio, como deixou claro em entrevista recente aoEstado. Questionado sobre se o PMDB de Minas Gerais ficaria com o Ministério do Turismo, Temer respondeu: “Estamos examinando com calma. A bancada do PMDB de Minas está acertando com Furnas. Vou devolver a estatal a eles”. E o raciocínio foi além: “Furnas pode ser mais expressiva politicamente do que o Turismo. Tem Chesf, Eletronorte, Eletrosul, Itaipu...”. Ao tratar estatais como propriedades dos partidos, o presidente em exercício flerta com um modo de fazer política que o Brasil repudia: a política com etiqueta de preço.

Temer tem demonstrado até aqui grande habilidade para superar o grave momento do País, razão pela qual não parece demais esperar que ele tenha condições de arregimentar sustentação sem precisar recorrer ao bazar fisiológico do Congresso.

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