domingo, 26 de junho de 2016

Não quero ter razão – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Fiquei surpreso ao ler o artigo de Augusto de Campos ("Ilustrada", 15.jun, pág. C4). Surpreso pelo tom insultuoso e agressivo de suas palavras em reação à crônica que eu havia publicado aqui, um domingo antes, evocando minha relação com Oswald de Andrade e sua obra. Toda a fúria de Augusto foi motivada por ter eu mencionado uma conversa nossa, ocorrida em 1955, em que ele fez restrições a Oswald e de que discordei. Se fiz menção a tal conversa foi apenas porque ela efetivamente ocorreu e faz parte de minha relação com o autor de "Serafim Ponte Grande". Não tive outro propósito, muito menos o de subestimar a contribuição de Augusto, Haroldo e Décio para a revalorização da obra de Oswald, fato que reconheci e registrei na referida crônica.


Por isso mesmo, não vejo razão para o tom insultuoso com que ele se refere a mim e a minha participação naquela fase da poesia brasileira, como se guardasse um profundo ressentimento do que aconteceu então, quando divergências teóricas levaram à ruptura dos concretistas paulistas com os cariocas. Isso ocorreu quando, em junho de 1957, Augusto e seus parceiros nos enviaram um manifesto afirmando que, a partir de então, a poesia concreta seria fundada em equações matemáticas. Achei um disparate, liguei para Augusto e ele respondeu que era aquilo mesmo o que pensavam e, se eu discordava, fizesse o que achasse melhor. Rompemos. Só que eles nunca fizeram poesia matemática nenhuma nem tampouco desdisseram o que haviam pregado. Se eu fosse tão ressentido quanto ele, diria que o nome disso é charlatanice literária: mas não, era imaturidade mesmo. No entanto, pensar que ele se tornou meu feroz inimigo por ter eu discordado dessa teoria inconsequente é lamentável.

Muitos anos se passaram desde então. Afastei-me das experiências de vanguarda, as buscas concretistas como as neoconcretas foram por mim abandonadas em função de minhas próprias necessidades estéticas e ideológicas. Reconheço-as, umas e outras, como momentos importantes da poesia brasileira, mas estão, de há muito, fora de minhas preocupações. Não seria, portanto, agora que me ocuparia em fazer provocações a Augusto, coisa que, como todos sabem, não é de meu feitio.

E vejam bem, quando me caiu nas mãos, meses atrás, um livro sobre a pintura de Waldemar Cordeiro, tive uma surpresa: é que ele, um dos lideres do concretismo paulista, afirmara, naquela época, que a cor, por ser sensual, deveria ser excluída da pintura concreta, essencialmente racional. "Se você elimina a cor da pintura, acaba a pintura", disse-lhe eu. Mas eis que, ao manusear o tal livro, verifiquei que, ao contrário daquela antiga teoria, ele tinha mais tarde realizado belos quadros intensamente coloridos. Sabem o que fiz? Escrevi, neste espaço mesmo, um artigo refazendo o juízo que, erradamente, mantinha acerca dele. Costumo dizer que não quero ter razão, quero ser feliz. E, para ser feliz, há que ser justo.

Augusto, sem dúvida alguma, vai dizer que minto, se afirmar que, ao saber da publicação de seu novo livro de poemas, tive vontade de escrever um artigo simpático sobre ele. Cláudia, ao ouvir isso, comprou o livro e me deu de presente. Trouxe-o para casa, porém, ao abri-lo, deparei-me com blocos de palavras de muita riqueza gráfica e cromática mas que não conseguia entender. Deficiência minha, certamente, mas o fato foi que, desapontado, desisti de fazer o artigo, pois não poderia escrever sobre o que não compreendo.

Sei que ele não acreditará nisso e dirá que se trata de um pretexto para negar as qualidades de seu livro. E menos ainda acreditará que, há duas semanas, na Academia Brasileira de Letras, quando conversávamos sobre os possíveis candidatos ao Prêmio Machado de Assis, Antônio Carlos Secchin sugeriu o nome de Augusto e eu o apoiei. Mas, agora, depois do que ele falou da Academia nesse furioso artigo, sua candidatura é carta fora do baralho. O que é uma pena, não digo pela glória, mas pela grana. Não é nada, não é nada, são, concretamente, R$ 300 mil.

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