quinta-feira, 9 de junho de 2016

Inflação resistente e valorização cambial desafiam o novo BC – Editorial / Valor Econômico

Ao receber como legado uma inflação muito acima do centro da meta, de 4,5% - que não é atingido desde 2009 -, o novo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn foi sucinto e claro. Em sabatina em comissão do Senado, ele disse que a maior contribuição do BC à sociedade é um "nível de inflação baixo e estável" e prometeu cumprir "plenamente" a meta, "mirando seu ponto central". O BC deixará de se referenciar no teto de 6,5% para acomodar a política monetária, estratégia que deu muito errado, deixou a inflação mais alta e mais rígida, e seu combate, mais penoso, mais caro e mais prolongado. Cumprir o que prometeu não será uma tarefa fácil e a esse desafio alinha-se agora o da valorização cambial.


O IPCA de maio, de 0,78%, indicou que mesmo com recessão cavalar e juros reais muito altos, a redução do ritmo de alta dos preços será mais demorada que o previsto. As apostas para 2016, mesmo as mais otimistas, são de índice acima de 7%. Com Goldfajn no comando do BC, o aguardado início da distensão da política monetária terá de esperar o que tiver de esperar, ou seja, quando houver sinais inequívocos de que ela converge para 4,5% no prazo de ação delimitado pelo banco. Com isso, os juros permanecerão onde estão por mais alguns meses, pelo menos.

Um inconveniente da inflação alta é sua maior resistência à queda, pela indexação, expectativas desfavoráveis ou ocorrência de choques ou anormalidades na cadeia de preços. Boa parte da arrumação dos preços administrados foi feita em 2015, mas há pressões adicionais, a começar pela espantosa alta de tarifas de água e esgoto em São Paulo de 41,9%, motivada em parte pelo fim dos bônus por economia de água. Remédios e cigarros aumentaram, e os alimentos refletem impacto da alta de commodities internacionais, como soja e milho.

A taxa de câmbio é um fator importante para empurrar os preços para baixo, a política fiscal é outro. Como Goldfajn crê que a política fiscal estará em sintonia com a monetária, resta desarmar a armadilha cambial. O real está em trajetória de forte valorização, em parte por motivos domésticos, em parte pegando carona na reavaliação da trajetória do dólar após o retardamento da alta de juros nos EUA. Internamente, a rápida correção do déficit do balanço de pagamentos retirou pressão pela depreciação e favoreceu alguma apreciação.

Lances dos investidores, porém, desequilibram o jogo no curto prazo, como ocorre agora. A apreciação do real se intensificou após uma interpretação livre das palavras de Goldfajn em sabatina no Senado, de que o câmbio tem de flutuar. A ausência do BC no mercado desde 18 de abril foi tomado como outro sinal de que não há qualquer limite de apreciação a ser contrarrestado pela autoridade monetária. Só ontem o real subiu 2,4%.

Flutuações significativas são objeto de intervenção de um BC responsável. O BC, quando comandado por Henrique Meirelles, assistiu a uma apreciação excessiva do real, que machucou a indústria, mas manteve a inflação na linha. Ilan Goldfajn, porém, foi diretor na gestão de Armínio Fraga, que enfrentou o problema contrário, o da enorme desvalorização do real no período eleitoral de 2002, intervindo fartamente com swaps cambiais, já que as reservas internacionais não eram substanciais.

Com base na prática, supor que ele deixará o real seguir seu ritmo errático pelo princípio de não mexer no câmbio é um engano. O momento pode ser oportuno para acelerar e concluir a desmontagem da cadeia de US$ 65 bilhões em swaps remanescentes. É possível usar tributação de operações como medida macroprudencial e usar outros instrumentos.

Pode não ser necessário, porém, fazer muita coisa. Nada indica que o Brasil voltou a ser estrela brilhante no mapa dos investidores externos. Em maio, US$ 11 bilhões deixaram o país. Endividadas, as empresas brasileiras voltaram a captar no exterior, mas o custo maior é fator importante de contenção da demanda. A gravidade da crise política, que põe um ponto de interrogação sobre a continuidade do governo Temer, não é um ambiente benigno aos investidores, a não ser para os dispostos a correr altos riscos. O pêndulo do cenário externo variou do pessimismo extremo ao otimismo moderado. Os juros nos EUA devem subir até o fim do ano. Assim, o câmbio de equilíbrio para o Brasil não é R$ 4,1558 de 21 de janeiro, nem R$ 3,3898 de ontem. Equilibrar o real exigirá ciência e arte.

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