sábado, 4 de junho de 2016

Dilma nunca mais - Miguel Reale Júnior*

- O Estado de S. Paulo

A apuração do desvio de bilhões da Petrobrás assusta parcela da classe política envolvida na bandalheira. Houve tentativas concretas de inviabilizar o prosseguimento de atos processuais e intenções de intervenção, por ora, sabidas apenas como preparatórias.

A presidente Dilma é investigada por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da Procuradoria-Geral da República, por ter, em possível coautoria com o ministro da Justiça e o líder do governo à época, manobrado para indicar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) desembargador a vir a ocupar a turma julgadora dos habeas corpus relativos ao processo Lava Jato, com o compromisso de soltar os empresários, em especial Marcelo Odebrecht. O novel ministro do STJ efetivamente concedeu a ordem em favor dos presidentes da Andrade Gutierrez e da Norberto Odebrecht, sendo voto vencido. Consta que, em delação premiada, Marcelo Odebrecht confirma contar com essa nomeação pela presidente.

A presidente Dilma, como ficou comprovado por gravação de conversa telefônica considerada lícita pela Procuradoria-Geral da República, nomeou Lula ministro-chefe da Casa Civil para impedir que viesse a ser preso, como se temia. Renan Calheiros, em conversa gravada por Sérgio Machado, confirma que Lula apenas foi nomeado ministro para fugir de eventual prisão.

Lula, por sua vez, em denúncia apresentada no processo já promovido contra Delcídio Amaral, no Supremo Tribunal Federal, é acusado de ter sido o organizador da compra de Nestor Cerveró para que este não viesse a fazer delação premiada. É o revelado em conversas telefônicas, pelo saque do dinheiro em agência bancária feito pelo filho de José Carlos Bumlai e no encontro com o filho de Cerveró, artimanhas estas para impedir produção de prova importante. Lula, diz o procurador-geral, “conduzia as articulações espúrias para influenciar o andamento da Lava Jato”.


O PT tentou concretamente evitar outra delação: o então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, teve gravada por Eduardo Marzagão, assessor do senador Delcídio Amaral, conversa na qual prometia meios, advogado e até mesmo a construção de uma “saída no Supremo” em favor do senador, com vistas a que ele não viesse a fazer delação premiada. O ministro não foi exonerado por Dilma.

Foram, portanto, estes os atores, além dos atos preparatórios para intervir diretamente oferecendo vantagens de diversas naturezas, mas sempre visando a impedir a realização de prova no âmbito de investigação de corrupção na Petrobrás.

A mesma investigação apavorava e apavora alguns senadores do PMDB, cujos sonhos de impunidade foram gravados em conversas por Sérgio Machado, na expectativa de acordos impossíveis envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal, para zerar o jogo, com uma anistia. Quem esperava do impeachment – exigência antes de tudo das ruas, como instrumento importante contra a corrupção – um enfraquecimento da persecução penal da Lava Jato deu-se mal: a apuração dos crimes contra a Petrobrás recebeu o aplauso do presidente Temer e todo o apoio do ministro da Justiça.

Políticos acusados no processo Lava Jato deixaram registrada sua busca indevida de impunidade: elucubraram uma aproximação com o ministro Teori Zavascki, que consideram inacessível; a mudança da lei da delação, para impedir que preso a faça; e, ainda, um possível entendimento de “salvação” nacional envolvendo o Supremo.

Não sabem mais o que fazer para tentar se livrar de suas responsabilidades. Mas o jeitinho, parece, não funciona mais. E é pedagógico o afastamento de ministro que por palavras queira pôr em risco a Lava Jato.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal sabem que as instituições não se encontram em perigo, e é absurdo e nem sequer cogitável qualquer acordo de salvação nacional a envolver o Judiciário tendo por subproduto a garantia de impunidade de políticos implicados em corrupção, por mais elevados que tenham sido ou sejam os seus cargos.

As conversas visando a exercer pressão sobre ministros do Supremo faz ressurgir o tema do foro privilegiado. A bem da verdade, o foro especial não foi instituído como privilégio para o réu, mas como garantia da sociedade, pois o Supremo Tribunal Federal estaria mais defeso contra a prepotência e a influência de um senador, enquanto um juiz de primeiro grau poderia sucumbir diante da voz elevada de um parlamentar.

O exemplo de Sérgio Moro e de outros indica, todavia, estarem hoje os juízes de primeiro grau, federais e estaduais, conscientes de sua independência, sem temor reverencial ao poder político, como já antes sucedeu em nosso país.
Assim, o controle social por uma sociedade que se politiza a cada dia, somado à circunstância de uma magistratura consciente de sua autonomia indicam que se pode pôr fim ao chamado foro privilegiado.

O Brasil está mudando, e nessa esteira processos deverão ser instaurados pelo “odiado” procurador-geral, sempre referido com raiva pelos políticos, e denunciadas as tentativas de obstrução de Justiça, inclusive em face da presidente afastada, se consolidados os elementos de prova já apresentados.

Em contrapartida, se não tivesse sido Dilma removida, Lula teria assumido o governo fantoche, como chefe da Casa Civil. Então, as investigações sobre o sítio de Atibaia, a obstrução de Justiça e a sua condição de artífice do petrolão, como indica o próprio procurador-geral da República e o dizem Delcídio e Pedro Corrêa, iriam ser objeto de todo tipo de postergação. Estaríamos em plena pirotecnia: o Brasil iria empacar na economia e na consolidação da corrupção.

Em afronta ao Legislativo, tentam impor a empulhação de ter havido um golpe. Um golpe com ampla defesa, 2/3 na Câmara e no Senado? Mas o povo não esquece a roubalheira, o aparelhamento do Estado, a irresponsabilidade fiscal que levou ao desemprego e à inflação. O Fora Dilma há de ser Dilma Nunca Mais.

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*Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e foi ministro da Justiça

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