terça-feira, 28 de junho de 2016

Câmara em festa – Editorial / Folha de S. Paulo

Ninguém ignora que a Câmara dos Deputados vive momento esdrúxulo até mesmo para seus padrões tumultuosos. Com um presidente —o famigerado Eduardo Cunha (PMDB-RJ)— afastado pelo Supremo Tribunal Federal, assumiu um vice —o peculiar Waldir Maranhão (PP-MA)— que não preside.

No dia a dia, o enredo previsto vai conduzido pelo segundo vice, Fernando Giacobo (PR-PR), ou pelo primeiro secretário, Beto Mansur (PRB-SP). Não raro Maranhão irrompe de volta em cena, porém, atendendo a deixas imperativas: os interesses do aliado Cunha.


Assim se deu com a rocambolesca consulta do parlamentar maranhense à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os vários quesitos sobre os ritos do processo da quebra de decoro parlamentar apresentados por Maranhão poderiam abrir brechas favoráveis ao presidente defenestrado e permitir que escapasse com punição mais branda que a cassação.

Dias depois de o Conselho de Ética aprovar parecer a favor da perda de mandato, Maranhão cancelou o próprio pedido. Alegou que a CCJ, diante do fato consumado no conselho, poderia examinar diretamente os questionamentos da defesa do deputado fluminense.

Na sexta-feira (24), Maranhão reapareceu para liderar a pantomima. Anunciou aos colegas que a Câmara só voltaria a funcionar no dia 4 de julho, para que todos pudessem participar dos festejos de São João e São Pedro.

Houve quem pusesse sob suspeita os reais motivos do presidente intermitente. Uma semana de interrupção representaria uma semana a mais no já arrastado processo de cassação de Eduardo Cunha.

O pretexto junino não soa de todo descabido, registre-se, porque as festas no Nordeste são um acontecimento cultural e popular que os parlamentares da região se sentem no dever de prestigiar. E dessa região provêm nada menos que 151 deputados, quase 30% da Câmara.

Na era do jato (e dos jatinhos), contudo, não é dificultoso um político deslocar-se em poucas horas de Caruaru (PE) ou Campina Grande (PB) para Brasília a fim de cumprir obrigações parlamentares.

Tanto é assim que o próprio Maranhão, em mais uma reviravolta, reverteu a decisão de sexta-feira sobre os feriados prolongados e marcou uma única sessão do plenário para esta terça (28). Decerto o fez diante da péssima repercussão do ato anterior, um acinte aos olhos da parcela da população que não vê razão para festejar em meio à incineração dos empregos e da renda na fogueira da crise.

Só Eduardo Cunha terá motivos para comemorar, se as peripécias da Câmara lhe adiarem o desfecho do processo por mais uma semana.

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