terça-feira, 3 de maio de 2016

Procurador acusa Dilma de ‘contabilidade destrutiva’

• ‘Pedaladas’ teriam sido usadas para garantir reeleição, afirma Relator 
do pedido de afastamento da presidente na comissão especial do Senado deve apresentar seu parecer amanhã, e a previsão é que a votação no colegiado aconteça nesta sexta-feira

À comissão de impeachment no Senado, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira sustentou que as “pedaladas” fiscais foram feitas de forma continuada, de 2013 a 2015, e chamou o artifício de “contabilidade destrutiva” e fraude fiscal. O procurador afirmou aos senadores, em tensa sessão ontem, que o objetivo das manobras foi, em última instância, garantir a reeleição da presidente Dilma. Senadores governistas reagiram e acusaram o procurador de atuar como militante pró-impeachment. Em junho, o TCU deve pôr em pauta a análise das “pedaladas” de 2015, objeto também do processo de impeachment.

Contabilidade destrutiva’

• Procurador do TCU diz que ‘pedaladas’ vêm desde 2013 e aumentaram em ano eleitoral

Eduardo Bresciani e Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- Em sessão que durou mais de dez horas ontem, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira afirmou à comissão especial do Senado que analisa o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff que as “pedaladas fiscais” feitas pelo governo ocorreram de forma continuada, de 2013 a 2015. Indicado pela oposição para participar da audiência, ele destacou que o principal objetivo do governo teria sido manter despesas acima do que poderia sustentar para garantir a reeleição da presidente.

— O nome adequado deveria ser contabilidade destrutiva, porque os efeitos que nós tivemos, na economia brasileira, de destruição do ambiente econômico, de destruição da qualidade das contas públicas levaram à perda do grau de investimento, a um crescimento explosivo da dívida, a um ambiente de desconfiança no futuro, em que empresários não investem, investidores não se arriscam, pessoas físicas não consomem, preferem guardar, porque têm medo do amanhã, têm medo do desemprego. Então, todo esse ambiente é resultado de práticas de contabilidade destrutiva e de fraudes fiscais — afirmou Júlio de Oliveira.

A tese de que as “pedaladas” foram um crime continuado é uma das linhas que o relator na comissão, Antonio Anastasia (PSDB-MG), pretende contemplar em seu parecer para reforçar o vínculo da presidente com o fato, conforme revelou O GLOBO. O processo de impeachment está restrito a fatos de 2015, por decisão da Câmara.

Na sua exposição, o procurador fez um histórico das operações do governo junto à Caixa Econômica Federal, ao Banco do Brasil e ao BNDES. Destacou que em 2013 os atrasos nos repasses do Tesouro começaram a ocorrer de forma sistemática. Observou que em 2014, ano da reeleição, esde sa prática foi feita de forma ainda mais evidente. E concluiu ressaltando que sobraram vultosos saldos a serem quitados em 2015.

— O que verificamos em 2015? A continuidade de algumas dessas graves irregularidades. O governo encerra 2014 devendo bilhões ao Banco do Brasil e ao BNDES. À Caixa, ele pagou no final de 2014, mas ao Banco do Brasil e ao BNDES, não. Ele entra o ano devendo parcelas de vários exercícios anteriores. E se mantém nessa irregularidade durante todo o exercício de 2015. É fato notório que as “pedaladas” só foram quitadas ao final de 2015. E foram pagas todas de uma vez. (O governo) Não pagou, na minha visão, porque ele não quis pagar, porque queria executar outras despesas para as quais não tinha dinheiro — disse Oliveira.

Petista condena “visão contábil fria”
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse que a interpretação do TCU sobre os decretos poderá levar o país a ter sérios problemas na execução de políticas públicas:

— Estamos criminalizando um debate legítimo no mundo inteiro. Quero entrar nas consequências disso para o país. Se fosse levar a ferro e fogo o que dizem os senhores do TCU, sabe o que tínhamos feito? O shutdown, o fechamento do Estado. Eles têm uma visão técnico-contábil fria, no ar condicionado deles. O Orçamento para nós tem de ser uma peça de justiça social, de combate ao desemprego.

O procurador ressaltou que a quitação das “pedaladas” apenas no fim de 2015 e a expedição de decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso recomendam a rejeição das contas daquele ano pelo TCU, assim como ocorreu com as de 2014. Oliveira afirmou que houve fraude fiscal em 2014 para vencer as eleições:

— Há uma maquiagem fiscal e uma fraude engendrada para fazer um gasto público insustentável em ano eleitoral, obviamente com o objetivo vencer as eleições.

Outro participante da audiência, também indicado pela oposição, o professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) José Maurício Conti afirmou que a mudança na meta fiscal em dezembro de 2015 não anula a ilegalidade no momento da edição dos decretos.

— O que se fez foi: diante do evidente descumprimento da regra, mudou-se a regra e não a conduta. O que só faz enganar quem faz absoluta questão de ser enganado — disse Conti.

Também presente, o presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado, Fábio Medina Osório, afirmou que os senadores poderão utilizar o “conjunto da obra” ao julgar o governo Dilma, uma vez que não são obrigados a motivar juridicamente seus posicionamentos.

— Não se impede um debate mais amplo. O voto de cada um é soberano. No plano formal, o que está no processo é aquilo ali, mas o que levou a presidente ao banco dos réus aqui é maior do que o que está naquela peça. É uma obra de má gestão completa — afirmou.

A comissão ouve hoje especialistas indicados pelos senadores governistas. Falarão o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcelo Lavenère, autor da denúncia que levou ao impeachment de Fernando Collor em 1992, e os professores de Direito Geraldo Mascarenhas Prado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Ricardo Lodi Ribeiro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O ministro José Eduardo Cardozo (Advocacia-Geral da União) afirmou que o processo no Senado tem sido tratado com maior “imparcialidade”:

— Na Câmara, o arbítrio predominou. No Senado, independentemente do julgamento, pelo menos no âmbito daquilo que o presidente Renan (Calheiros) vem estabelecendo como regra, a situação encontra uma normalidade. (Colaborou Eduardo Barretto)

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