domingo, 29 de maio de 2016

O grande expurgo - Luiz Carlos Azedo

• Ninguém sabe ainda o impacto das delações premiadas e da abertura dos processos ocultos no governo provisório de Temer

- Correio Braziliense

As gravações das conversas do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o senador Romero Jucá (PMDB-RR) e o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), expondo as articulações na cúpula do Senado para tentar abafar a Operação Lava-Jato, precipitaram a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, de acabar com a existência de processos ocultos nos tribunais superiores. Somente no Supremo são 38 processos, que envolveriam de 55 a 61 senadores da República. Na Câmara, há cerca de 190 deputados processados com foro na Corte.

Ao contrário dos processos sigilosos, cujo conteúdo é desconhecido, os processos ocultos sequer apareciam no sistema. Agora, será possível verificar a existência de uma investigação e a identificação dos investigados, seja nominalmente, ou por meio das iniciais, no caso de procedimentos sob sigilo. A medida atende aos princípios constitucionais da publicidade, do direito à informação, da transparência e aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.


Ponto para a Operação Lava-Jato e outras investigações em curso, que também terá garantida “especial proteção às medidas cautelares que devem ser mantidas em sigilo até a sua execução, a fim de que a coleta da prova não seja prejudicada”. A decisão aumenta a tensão no Senado, em razão das delações premiadas dos ex-senadores Delcídio do Amaral e Sérgio Machado e do ex-deputado Pedro Correia, todos na Lava-Jato. Os senadores estão incumbidos da tarefa de julgar o impeachment da presidente Dilma Rousseff, depois de afastá-la do cargo por até 180 dias.

Ao contrário do que aconteceu na Câmara, onde o pedido de impeachment foi aprovado sob a presidência do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que depois foi afastado do cargo e do mandato pelo STF, o julgamento da presidente Dilma no Senado será presidido por Lewandowski, conforme o rito estabelecido pela própria Corte, e não por Calheiros. No Palácio do Planalto, a apreensão também é grande. Ninguém sabe ainda o impacto das delações e dos processos ocultos na base de apoio do presidente interino, Michel Temer, que chegou a ser citado por Machado como autor de um pedido de “ajuda” para o ex-deputado Gabriel Chalita, então candidato a prefeito de São Paulo pelo PMDB. Na votação que aprovou a admissibilidade do impeachment de Dilma, essa base era de 55 senadores, apenas um a mais do que o necessário para aprovação definitiva do afastamento.

Cassações
A hipótese de Dilma voltar ao cargo não é impossível — basta alguns que votaram a favor da admissibilidade mudarem de ideia quanto ao impeachment —-, nem a possibilidade de convocação de novas eleições em razão de um pedido de cassação da chapa Dilma-Temer apresentado pelo PSDB, que está para ser julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na hipótese de o julgamento ocorrer ainda neste ano, a Constituição determina a realização de novas eleições.

A Lei da Ficha Limpa e a Lei de Responsabilidade Fiscal estão provocando uma renovação em massa da composição das casas legislativas, o que explica o surgimento de tantas caras novas na Câmara, embora vários sobrenomes sejam representantes de velhas oligarquias. Muitos políticos já estão ou serão impedidos de participar das eleições em razão de terem sido condenados em duas instâncias. Agora, a Lava-Jato sinaliza um grande expurgo no Congresso e pode alijar da política algumas das suas principais lideranças. Ou seja, o fim da impunidade na política.

Expurgos de grande monta ocorreram na Revolução de 1930, que provocou a renovação quase total do quadro político da República Velha e da maneira de fazer política, após a democratização em 1945; e após o golpe militar de 1964, com seus 10 mil exilados políticos, 4.682 cassados e 245 estudantes expulsos das universidades, além de milhares de prisões e centenas de mortos e desaparecidos, dos quais poucos conseguiram se eleger após a anistia de 1979. Desta vez, porém, o expurgo ocorrerá por decisão da Justiça e não de ditadores, em plena democracia, com liberdade de imprensa, de organização partidária e de expressão, além de eleições livres, diretas e limpas. Muitos que escaparem da Lava-Jato provavelmente serão cassados pelo povo nas urnas.

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