sexta-feira, 20 de maio de 2016

De Moro para Moura - Cristian Klein

• PMDB não tem seu próprio centro de gravidade

- Valor Econômico

O processo de impeachment - com a assunção de Michel Temer - é um momento crítico da democracia brasileira que delimitou bem os campos políticos na aparente geleia geral de 25 legendas com representação na Câmara - a maior fragmentação partidária do mundo. No que interessa para grandes movimentos do sistema, no entanto, há apenas três partidos ou blocos: uma esquerda com cem deputados (cerca de 20%), encimada pelo PT; um grupo de siglas centristas e de direita mais ideológica, que fizeram oposição aos 13 anos de governo petista, com o PSDB à frente, composto por 25% dos parlamentares; e a miríade de pelo menos 13 partidos, encabeçados pelo PMDB, cuja linha de atuação básica é o fisiologismo e reúnem em torno de 280 deputados, nada menos que 55% do Parlamento.


É esse "centrão", com apoio da antiga oposição, que atualmente governa o país, depois de ter coadjuvado tucanos e petistas. Mas não é Temer o seu comandante. É o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, como vem ficando claro na montagem do ministério e das negociações para postos-chaves, a exemplo da indicação de André Moura (PSC-SE) - tão aliado de Cunha a ponto de ser considerado outro de seus "paus mandados" - para líder do governo na Câmara. Temer teve que aceitar. Como aceitou outros preferidos do deputado fluminense, réu na Lava-Jato. Até o ministro da Justiça, que advogou para Cunha.

A principal característica dos partidos do "centrão" não é a falta de clareza ideológica. O PP - herdeiro do PDS e da Arena, sustentáculo da ditadura militar - é arauto do pensamento conservador, especialmente na economia. O PSC - que acaba de filiar o radical Jair Bolsonaro - e o PRB - braço político da Igreja Universal do Reino de Deus - são legendas de direita, sobretudo na dimensão de valores, do comportamento.

O traço que distingue as siglas do "centrão" é o fato de serem, essencialmente, partidos parlamentares. Em diferentes graus, não são atores relevantes nas disputas eleitorais aos cargos executivos mais importantes. O maior deles, o PMDB, desde 1994 não concorre à Presidência da República, embora faça questão de brigar por cada palmo dos Estados. Os outros, longe disso. Dos 27 governadores, 20 (quase 75%) pertencem a PT, PSDB, PMDB e PSB.

A lógica das corridas majoritárias, concentradora de votos, leva a maioria das pequenas e médias legendas a voltar suas energias às eleições proporcionais ao Legislativo. As vagas conquistadas são, então, transformadas, indiretamente, em poder executivo, pela troca de apoio parlamentar por cargos em ministérios, secretarias estaduais e empresas estatais - quando não por dinheiro mesmo. A barganha, a chantagem, o fisiologismo tornam-se a principal estratégia de sobrevivência e crescimento - e não a defesa de programas consistentes. Mesmo quando concorrem ao Executivo.

Bolsonaro candidato a presidente em 2018 é mais artifício do PSC para aumentar bancada de deputados federais e estaduais - e o poder de barganha do partido num segundo turno - do que um projeto majoritário nacional de fato.

A seção regional mais expressiva do PSC fica no Sergipe. É dali que vem André Moura. O deputado, braço-direito de Eduardo Cunha, tem longa ficha. É réu em três ações penais no Supremo Tribunal Federal, acusado de desviar dinheiro público. E é investigado em, ao menos, mais três inquéritos, entre eles por corrupção na Petrobras, no âmbito da Lava-Jato, e por supostamente ter participado de uma tentativa de homicídio.

Em Sergipe, André Moura é aliado de outro Eduardo, Amorim, senador, também pelo PSC. Com o irmão e empresário Edivan, Eduardo Amorim chegou a Brasília depois de montar um grupo político controlador de 11 siglas médias, pequenas e nanicas. André Moura, um deputado do baixo clero que ascende na Câmara, é resultado de uma espécie de "centrão" estadual. O "centrão" do menor Estado brasileiro é capaz de produzir um senador da República e o líder do governo na Câmara. O nacional é anticlímax para os que foram às ruas enrolados em bandeiras de apoio ao juiz Sérgio Moro e à moralização da política.

Manipular a fragmentação partidária, juntar todos os seus cacos de representação, dar-lhes forma e sentido num grupo de pressão, para ocupação de espaços de poder, virou um negócio da China - não fosse prática mais do que brasileira. A consequência para a governabilidade, em vez de favorável, tem sido ruinosa. Depois de mais de 22 anos na Presidência, PT e PSDB não aumentaram sua representação na Câmara. Pelo contrário, a viram reduzida de 31%, em 1998, para os atuais 22%. Os polos do sistema se enfraqueceram, e os satélites vitaminaram-se.

O PMDB também perdeu tamanho, de 16% para 13%, mas avançou em sua posição relativa. Passou de terceira maior bancada para a primeira, o que lhe garante a primazia na indicação dos cargos de liderança na Câmara.

O "centrão", entre outras origens, cresceu sobre os escombros do PFL, que elegeu 105 deputados (20%) em 1998 e agora, como DEM, conta com apenas 28 (5%). O "centrão" de hoje, que de centrista não tem nada, é a direita de ontem que não topou ficar fora do governo. Pulverizou-se.

No ambiente de extrema competição, o PMDB, por ser o maior e ocupar o centro do espectro ideológico, é o guia e a inspiração para as demais legendas fisiológicas e governistas. Mas trava disputa latente com elas ao mesmo tempo em que precisa liderá-las. O radicalismo de Cunha, ao promover uma cruzada pelo impeachment, também pode ser entendido como resultado desse movimento. Empurrou o PMDB da Câmara para a direita.

O PMDB que reina no Senado, no entanto, tem outra lógica. É mais Norte e Nordeste, mais hegemônico na Casa, mais zeloso com as repercussões sobre os quintais dos caciques estaduais - que os dominam por meio de eleições majoritárias. Como se sabe, a principal clivagem do partido de Temer é entre o PMDB da Câmara e o do Senado. Uma divisão que ontem se expôs no fogo cruzado entre Cunha e Renan Calheiros. O presidente do Senado também é notório antagonista de Temer, que foi presidente da Câmara por três vezes. O PMDB se apoia no "centrão", mas não tem seu próprio centro de gravidade.

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