quinta-feira, 19 de maio de 2016

Acerto de contas - Maria Cristina Fernandes

• O presidente não é dado a barganhas, paga o que lhe cobram

- Valor Econômico

Nada mais natural que um governo fiscalista comece pelas contas a pagar. O ministério Michel Temer resulta de um acerto com o núcleo parlamentar do 'centrão', que virou o jogo pró-impeachment, e seu principal avalista, o presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha. Não surpreenderá se, ao se concluir o processo no Senado, o presidente, a ser empossado em definitivo, tenha restos a pagar. Pode esperar pelos resultados das eleições municipais, de onde virão os exércitos de 2018, para contrabalancear quinhões de deputados e senadores.

Como tem papagaios custosos como a reforma da Previdência e a CPMF, ainda terá que purgar um bom tempo nas mãos da agiotagem antes de voltar a se financiar no mercado spot. Pela escolha que fez para a liderança do seu governo na Câmara dos Deputados, há de se concluir que o presidente da República em exercício não é dado a barganhas. Paga o que lhe cobram.

Pela base que tem, vê-se que desperdiça recursos. Financia-se no mesmo 'centrão' que sangrou a presidente afastada. Naquele governo, no entanto, o bloco partidário tinha muito mais cacife. A permanente ameaça de impeachment lhe valorizava o passe. Desta vez, as alternativas ao governo Temer - Marina Silva, Ciro Gomes ou o balaio do PSDB - podem não ser igualmente atrativas ao 'centrão'. Se vale mais do que pesa, é porque tem sociedade com os carcamanos que controlam as balanças deste governo.

A facilidade com que os credores se servem do governo Temer pode ser medida pela desenvoltura de Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força. O deputado comanda uma fatia da Força Sindical e se vale do governo Temer para tentar retomar o controle da central sindical. Pois antes mesmo de dar qualquer sinalização em torno da reforma da Previdência, já arrancou do governo a Secretaria de Relações do Trabalho, a poderosa instância que chancela as adesões sindicais com as quais as centrais medem forças para a repartição do imposto sindical.

Como a Lava-jato é um passivo que custa a ser coberto, o presidente ainda terá que se valer de muita criatividade para manter a contabilidade em dia até o fim do seu mandato. É possível que o contribuinte, extorquido pelo governo que passou, lhe dê uma trégua, mas, em nome da transparência fiscal, há de se reconhecer as contas a serem oneradas. O saldo devedor pode ser medido pelas notas promissórias que os novos ministros deixam escapar. Um dia é a lista tríplice da Procuradoria Geral da República que vai a leilão, no outro, a privatização do SUS. Ainda não se assistiu nenhum ministro cometer o deslize de se manifestar a favor da cobrança do imposto sobre herança.

O ministério dos filhos (Picciani, Mendonça, Sarney e Barbalho) já está precificado, bem como a amortização de Flávia Piovesan (direitos humanos) e Maria Sílvia Bastos Marques (BNDES), mas o acerto de contas com Eduardo Cunha é que parece não ter fim. Foi na condição de confortável credor do governo e inspirador-mor do espetáculo do impeachment na Câmara que o presidente afastado da Casa revelou ter decidido acatar um dos 53 pedidos de impeachment no dia 2 de dezembro, em homenagem à filha aniversariante.

Depois de ver dois de seus ex-advogados contemplados, um no Ministério da Justiça, e o outro na subscretaria de assuntos jurídicos da Casa Civil, coração da Presidência da República, Eduardo Cunha conseguiu emplacar na liderança do governo, em parceria com o 'centrão', um de seus principais aliados na Casa. A mesma 'joint venture' será capaz de manter na presidência da Câmara dos Deputados marcada para fazer o desmonte da Constituição de 1988 um parlamentar com as credenciais de Waldir Maranhão.

Na montagem final de seu governo, Temer valeu-se de uma moeda que não é nova, mas teve forte valorização neste governo. Saem petistas e cutistas e entra a república dos advogados. Não é a abundância de envolvidos na Lava-jato que explica tantos causídicos no governo. Ficou fora de moda chamar o fenômeno de aparelhamento, mas não há como escamotear-lhes os interesses e, ainda menos, os conflitos.

Tome-se a Advocacia Geral da União, que abriga a representação judicial do governo. O cargo, com status de ministério, foi destinado no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva ao advogado do PT, José Antonio Dias Toffoli. Com sua assunção ao Supremo, o cargo foi parar nas mãos de um funcionário de carreira da AGU, o procurador da Fazenda Nacional, Luiz Inácio Adams. No início deste ano, o cargo caiu no colo de José Eduardo Cardozo, que dele se valeria para a defesa da presidente da República, liberalidade de que nem o ex-presidente Fernando Collor se valeu em seu processo de impeachment.

Michel Temer resolveu inovar. Colocou no lugar um advogado que brilhou na defesa do impeachment no Senado. Até aí, o aparelhamento de praxe. A inovação vem da carteira de clientes do escritório que tinha Fábio Osório Medina como titular até a posse na AGU. Lá está a Febraban. O sindicato dos bancos tem interesse direto na securitização da dívida ativa, cuja execução é de responsabilidade da Procuradoria da Fazenda Nacional, uma das quatro abrigadas sob o guarda-chuva da Advocacia-Geral da União.

Sua indicação, no entanto, talvez não se explique pelo conflito de interesses mas por sua convergência. Na condição de titular da AGU, Osório Medina vestirá a camisa União/Febraban no processo dos 'planos econômicos' que está para ser reaberto no Supremo com a saída do advogado Sérgio Bermudes do caso. A passagem da filha de um dos ministros do Supremo (Luiz Fux) pelo escritório deste advogado o mantinha impedido de participar do julgamento bloqueando, por empate, o placar do caso.

União e bancos estão do mesmo lado da força. Do outro, estão correntistas que tiveram perdas pela não correção de seus saldos bancários na sucessão de planos econômicos da virada dos anos 1980/90. A convergência de interesses representada pelo novo titular da AGU pode ser um sinal de que o governo se vê com força suficiente para enfrentar o jogo no Supremo. É uma forma de retirar uma espada de Dâmocles sobre os bancos. Os fiscalistas que perdoem o Temer, mas a aliança até que pode sair em conta.

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