domingo, 10 de abril de 2016

Socialismo para o Brasil Contemporâneo – Sérgio C. Buarque

Revista Será?, Recife, 8 de março, 2016

1. Qual socialismo?

No mundo contemporâneo, o socialismo deve ser compreendido como uma sociedade com qualidade de vida da população e, principalmente, com igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Para garantir a qualidade de vida para a população com igualdade de oportunidades – objetivo último de uma sociedade socialista – são necessárias duas grandes condições: a competitividade da economia, para criação de riqueza, geração de renda e de emprego, condição necessária mas não suficiente; e a conservação ambiental para garantir a sustentabilidade do desenvolvimento no longo prazo e a qualidade de vida da população. 

O socialismo hoje, portanto, coincide com o conceito de desenvolvimento sustentável baseado nos três pilares: qualidade de vida e equidade social, competitividade econômica e conservação ambiental.

A equidade social constante do desenvolvimento sustentável deve ser entendida como igualdade de oportunidades dos cidadãos. Ou seja, que todos tenham, desde o nascimento, as mesmas condições de acesso à educação e aos serviços sociais básicos de saneamento, saúde, habitação e transporte. A igualdade de oportunidades não significa igualdade de renda e sim igualdade de condições sociais que permitam explorar suas capacidades para a sua formação como cidadão, o desenvolvimento dos seus talentos e vocações e a construção de uma vida digna e confortável.

A democracia é um fim e um meio para o socialismo democrático. A democracia é parte da qualidade de vida na sociedade contemplando liberdade de opinião e manifestação e acesso à informação, assim como a participação dos cidadãos nos processos decisórios. Ao mesmo tempo, as instituições democráticas são o espaço para a disputa política (confronto de ideias e interesses) que leve à definição de estratégias e políticas públicas dos socialistas voltadas para a igualdade de oportunidades.

O socialismo democrático não deve se orientar pela falsa dicotomia Estado-mercado (o Estado máximo que ignora, enfrenta e distorce o mercado) que tem levado a experiências fracassadas de hipertrofia do Estado que ignora e busca sufocar o mercado. O resultado tem sido, quase sempre, uma enorme ineficiência econômica, a formação de mercado negro, e a inibição da inovação e de iniciativas empreendedoras.

Nesta concepção, o socialismo deve conviver e respeitar o mercado como o espaço de negociação de bens e serviços entre produtores e consumidores, cujo equilíbrio depende da igualdade de oportunidades dos cidadãos; esta sim promovida pelo Estado. O mercado sinaliza para alocação eficiente de recursos e, portanto, evitando a ineficiência, o compadrio e a corrupção de empresas estatais. Mas, esta sinalização se concentra nos resultados internos ao setor produtivo e orienta para o curto prazo e não para a eficiência coletiva da sociedade, além de reproduzir desigualdades sociais.

O socialismo contemporâneo terá que ser construido pelo Estado mas aceitando e orientando o funcionamento do mercado. O mercado não é justo mas a concorrência entre produtores e vendedores orienta para a alocação mais eficiente de recursos e para a inovação. Ao Estado cabe impedir o uso de poder de monopólio no mercado, criar o ambiente favorável à inovação e ao investimento, e orientar as decisões dos empreendedores na direção do desenvolvimento. Mas a justiça do Estado não se dá sobre o mercado ou obrigando este a ser justo, mas fora do mercado e de forma mais ampla na promoção da igualdade de oportunidades na sociedade.

Ao contrário do estatismo que predominou no socialismo de origem soviética, osocialismo contemporâneo não deve ser um sistema de produção estatal. A atividade produtiva deve ser de responsabilidade dos empreendedores privados sob a orientação e regulação estratégica do Estado. O Estado deve se concentrar no seu papel de provedor de serviços públicos aos cidadãos de forma igualitária, promotor das condições de competitividade (inovação e infraestrutura) e regulador da economiade mercado.

Da perspectiva do socialismo, o Estado deve ser justo mas não pode substituir o mercado na atividade produtiva em termos de eficiência e inovação. Por outro lado, o Estado não é justo em essência, na medida em que é a síntese de uma estrutura de poder na sociedade. De modo que a proposta socialista depende de uma disputa política para orientar o Estado na direção das mudanças sociais que promovem igualdade de oportunidades na sociedade. Entretanto, não se trata de uma “tomada de poder” que leva de um Estado injusto para o Estado justo, como a virada de uma insurreição, mas de um processo de reconstrução da hegemonia, que pode ser lento e incremental, embora tenha momentos de ruptura e salto dependendo das condições políticas e sociais. Este é o terreno da disputa política pelo socialismo democrático e que vai enfrentar dois poderosos tipos de obstáculos na reconstrução da hegemonia:

1 – A capacidade dos segmentos sociais privilegiados (não apenas os capitalistas) de formação da opinião público e manutenção da hegemonia com grande poder financeiro e domínio das instâncias do Estado. O conservadorismo que expressa os interesses dos privilegiados impede a mudança da hegemonia na direção de um Estado justo.

2 – O populismo que explora as expectativas imediatistas da população vendendo falsas ilusões, passando ao largo das instituições e provocando desorganização na economia que levam instabilidade econômica e política. O imediatismo conspira contra as transformações que preparam o futuro. Mas, um país com tantas emergências e tanta pobreza encontra um terreno fértil para o populismo e o messianismo.

De alguma forma, o modo de produção capitalista, para utilizar um conceito marxista, continua dominante mas declinante na medida em que a revolução científica e tecnológica muda radicalmente as relações entre produtores e proprietários (a própria geração e apropriação de mais-valia) e o Estado disponibiliza igualmente a todos os cidadãos o principal ativo da nova economia, o conhecimento (educação e qualificação).

Ao mesmo tempo, em países maduros (e este é o caso do Brasil hoje), a dinâmica demográfica, com baixo crescimento da população em idade, ativa leva ao declínio continuado do que Marx chamou de “exército industrial de reserva” que favorecia a apropriação de mais-valia absoluta. De modo que cresce o poder dos trabalhadores para aumentar sua participação direta no excedente, obrigando as empresas à inovação e ao aumento da produtividade, elevando a renda total da sociedade e o excedente econômico.

Para o socialismo, a democracia é um valor fundamental com ampla participação da sociedade nos processos decisórios e com acesso pleno a informação e conhecimento que informam o debate e as escolhas políticas. A participação da sociedade nos debates e decisões é parte da qualidade de vida além de permitir o confronto e negociação de interesses e visões de mundo. E para uma sociedade complexa e com mais de 200 milhões de habitantes, a democracia deve ser representativa. Mas deve se apoiar também na organização da sociedade civil nas suas diversas formas e grupos de interesse para participação política. E os avanços tecnológicos na informação e comunicação permitem combinar formas de participação direta da população pelas redes sociais. O acesso pleno e livre de informação requer liberdade de imprensa e dos meios de comunicação que, entretanto, como concessão pública, deve se orientar pelo equilíbrio e equidade das informações, confiabilidade dos dados e informações, pela ética profissional do jornalismo (contraditório, direito de resposta e comprovação das informações) e respeito à vida privada dos cidadãos.

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