sexta-feira, 1 de abril de 2016

Num mato sem cachorro - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Se Dilma já deu o Ministério da Saúde para o deputado Marcelo Castro enfrentar zika, chikungunya, dengue e H1N1 quando o PMDB ainda era oficialmente governo, o que ela não dá agora para tentar amarrar o PP, o PR, o PSD e outros ao pé claudicante de seu governo? É um festival de ministérios, estatais e cargos de segundo e terceiro escalão, não mais pelo natimorto ajuste fiscal, mas para tentar evitar o impeachment.

Imagine-se como Dilma delegou para Leonardo Picciani um dos cargos mais sensíveis da República. “Querido, quem você tem aí para a Saúde?”. Ele, rastreando a bancada do PMDB: “Olha, presidenta, tem lá um tal de Mauro de Castro, ou Marcelo, não sei direito. Parece que tem diploma de médico”. E ela: “Feito!”.

O Aedes aegypti adorou, mas nem por isso Dilma garantiu o apoio do PMDB do Rio, que votou alegremente pelo rompimento com o governo. E quem anunciou a traição foi o pai do Piccianinho, Jorge Picciani. Agora, o constrangimento: Marcelo de Castro não serviu nem para matar mosquito nem para assegurar o PMDB do Rio, mas se agarra ao cargo como jabuticaba no pé, até que surja alguém de mais serventia.

Parece ficção, mas tem muito de realidade e vai se repetir dezenas de vezes no Planalto, transformado ora em feira, ora em bunker, ou num hotel não muito longe dali, onde funciona o feirão de cargos do ex-presidente Lula. O fato é que o PP, o PR e os partidos menores, mas tão gulosos, estão em alta em Brasília. Aliás, o voto é que está em viés em alta.

Quanto mais o dólar cai, sob a perspectiva de impeachment, mais o preço dos deputados e senadores do “centrão” e do “centrinho” dispara. É a lei do mercado: a oferta de votos contra o afastamento de Dilma está menor do que a demanda do Planalto. Logo, o negócio está o olho da cara. Ou é falta de vergonha na cara?

O risco é Dilma conseguir barrar o impeachment, mas arrastar um governo de xepa, com centenas de oportunistas, um ministro qualquer na Saúde para evitar mortes por dengue e microcefalia por zika, outro no Esporte passando ao largo da Olimpíada, um terceiro no Turismo quando milhões de estrangeiros desembarcarem para o maior evento esportivo da face da Terra. E com um bilhão de telespectadores no mundo mirando os jogos e o Brasil.

A prioridade de Dilma não é governar, é manter o governo a qualquer custo. O foco não é restaurar a economia aos cacos, corrigir as contas públicas, combater as doenças, cuidar de saúde, educação, turismo... Toda a energia está voltada para um único fim: salvar o mandato, com o bordão do “golpe”.

Apesar de todas essas evidências, claras como um dia de verão, há ainda muitas nuvens pairando sobre a sociedade brasileira e o Congresso, responsável constitucional para decidir se Dilma sai e Michel Temer entra, ou se tudo fica como está. O PMDB não ajuda muito a dirimir as dúvidas. Não bastasse um Eduardo Cunha réu no Supremo e um Renan Calheiros enfrentando sete inquéritos, há o fantasma da divisão interna que assombra o maior partido do país desde sempre.

Após o rompimento por aclamação (o voto a voto iria materializar a dissidência), veio o vexame e a humilhação, com Renan respaldando e os ministros do partido implorando para manter suas boquinhas. Kátia Abreu à parte – está na Agricultura menos pelo PMDB e mais por Dilma e pela representatividade no setor –, os outros cinco tremem até Dilma decidir: uni duni tê, quem fica é... você!

Se Dilma está nas mãos dos mais fisiológicos entre os fisiológicos, Temer foi solapado por Renan, o que só aumenta a dramaticidade da novela: se não une nem mesmo o PMDB, como o vice pode acenar com um “pacto nacional” em torno da transição e do enfrentamento da crise? A cachorrada se dá bem, mas o País está num mato sem cachorro.

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