sábado, 2 de abril de 2016

Meia-volta – Editorial / Folha de S. Paulo

Em tempos menos conturbados, seria o caso de tratar apenas com ironia a situação do PMDB, depois da reunião em que foi anunciada sua ruptura com o governo Dilma Rousseff (PT). A gravidade da crise política e econômica brasileira sugere, entretanto, mais consternação do que bom humor.

É como se um velho comediante, convidado subitamente a preencher papel de destaque devido à incapacidade da estrela principal, desconhecesse o texto que lhe cumpre enunciar –e, ignorando o contexto do espetáculo, pateticamente se pusesse a repetir piadas e ditos espirituosos de que a plateia já se fartou há décadas.

Encerrada a fulminante cerimônia de terça-feira (29), quando líderes do PMDB, com brados de guerra, marcavam o abandono da base governista, a agremiação parece ter, em parte, voltado a si.

Nem todos os próceres peemedebistas, a começar do vice-presidente Michel Temer, acharam conveniente participar da cerimônia. Seja como for, tinha-se como certo que os membros do partido ainda a ocupar cargos ministeriais haveriam de abandonar o governo ou procurar outra legenda.

Pois não se deu uma coisa nem outra. Alguns se fazem de desentendidos; outros esperam que venha de Dilma a palavra final.

Reabrem-se, assim, cisões que o frenético jogo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), procurara ocultar. Seu equivalente no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), lava as mãos: a ruptura "não foi um bom movimento".

Ausentes do espetáculo também estavam o ex-presidente José Sarney e o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) –com quem, segundo se noticia, o ex-presidente Lula mantém diálogo com vistas a barrar o impeachment de Dilma.

Paradoxalmente, aquilo que foi entendido como o dobre de finados do atual governo adquire novo sentido. Com a retirada dos peemedebistas, ficariam vagos ministérios importantes a serem loteados entre as agremiações dispostas a votar a favor da presidente.

Inexistindo a ruptura anunciada, cria-se um incômodo para os estrategistas da barganha. Estes, recuperados do baque inicial, movem-se de todo modo com um pouco mais de ânimo.

Num comentário indiscreto, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, não se conteve ao ver uma foto da festa da ruptura: "Meu Deus do céu! Essa é a nossa alternativa de poder".

Melhor que tivesse ficado em silêncio. Expressou, contudo, um sentimento que não é difícil de compartilhar. Olhasse para outra foto –a dos peemedebistas que ficaram com Dilma–, sua atitude tampouco teria sido diferente.

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