quinta-feira, 28 de abril de 2016

É preciso preservar um espaço para o investimento público – Editorial Valor Econômico

A enrascada fiscal em que o Brasil se meteu, uma das mais nocivas heranças da nova matriz econômica, não pode ser resolvida a curto prazo. A forma de recuperar o equilíbrio fiscal importa muito no curto prazo, pois pode aprofundar ou suavizar a recessão, que completa seu terceiro ano em 2016. O vice-presidente Michel Temer terá a chance de encaminhar o princípio de uma solução, embora não se espere milagres em dois anos, se boas políticas forem adotadas, o que é incerto.

As opções não são muitas: corte e racionalização de despesas, aumento de impostos, redução de subsídios e estímulos fiscais. De maneira geral, haverá um pouco das três, e a dosagem de cada uma delas no mix importará bastante no resultado final.

Há um certo consenso de que a redução dos gastos é bem mais eficaz e traz resultados menos danosos do que o aumento de impostos. Diminuir gastos públicos no Brasil, porém, é muito complicado, pelas amarras das vinculações e pela força dos lobbies do setor público. Mesmo diante de uma crise aguda, por exemplo, a elite do setor público, o Judiciário, pressiona os partidos, e eles aceitaram, a votar em regime de urgência reajuste de 53% a 78%, vetado, com razão, pela presidente Dilma.

Um governo de transição não terá força política para executar um aperto drástico das despesas de custeio e usará o atalho válido das desvinculações temporárias do orçamento, embora balões de ensaio indiquem a intenção de Temer de por fim na destinação obrigatória de recursos.

Há barreiras pelo lado da redução das despesas e também para o aumento das receitas. O Congresso não deve negar pedidos de elevar a carga tributária, mesmo que isso retarde a recuperação da economia e possa diminuir, e não aumentar, a arrecadação. A CPMF é de novo a bola da vez, mesmo que seja um imposto regressivo, em cascata, inflacionário, mas é ao mesmo tempo muito eficaz e de rápido efeito arrecadador.

O tamanho do conserto que terá de ser feito é respeitável. Em estudo técnico, economistas do Fundo Monetário Internacional apontam que será preciso um superávit primário de 2,5% do PIB para estabilizar a dívida pública e de 3% para se começar a reduzi-la. O que os governos petistas conseguiram foi transformar um superávit primário estrutural de 3,5% do PIB em 2008 em um déficit de -0,6% em 2014, que já ultrapassou 1% agora.

As observações do estudo são úteis para intuir algumas saídas para o "imbroglio" fiscal. Ele constata que os multiplicadores fiscais - o efeito sobre o PIB da mudança de 1 ponto percentual no balanço fiscal - são hoje, após a crise de 2008, muito menores do que antes. Explicando indiretamente o fracasso das políticas de estímulo de Dilma, afirma que o aumento dos gastos correntes têm efeito limitado de curta duração no estímulo da demanda, em seguida contrabalanceado por pressões sobre a inflação e expectativas de aperto monetário para detê-la. Da mesma forma, é baixo o multiplicador para o corte dos impostos, enquanto que o do crédito público tem muito maior persistência e é, no acumulado, cinco vezes maior ao fim de 2 anos.

Os técnicos do FMI argumentam que os efeitos do aumento do crédito dos bancos oficiais e dos gastos públicos hoje são praticamente nulos, devido à "ineficiências das despesas públicas, a seu impacto no nível de endividamento (que traz a expectativa de forte ajuste futuro) e ao 'crowding out' da atividade bancária privada (cuja fatia de mercado diminuiu continuamente desde 2011)".

Por outro lado, fica claro que uma opção é preservar o investimento público, que tem maiores e mais persistentes efeitos multiplicadores e que, porém, "é excepcionalmente baixo no país". Os técnicos são explícitos ao apontar resultados positivos, "não keynesianos", na racionalização dos gastos e na gradativa desaceleração do crédito público", e ao desaconselhar a consolidação pelo lado da receita, que traria "um maior peso fiscal negativo", isto é, perda de arrecadação.

Assim, exercícios teóricos como o vice-presidente fez ontem, ao mencionar "cortes radicais" nos investimentos públicos na prática podem ser nocivos, especialmente quando os investimentos privados estão historicamente deprimidos, como agora. O ideal é preservar algum espaço para eles e criar uma força tarefa para as concessões de infraestrutura, que teriam importante papel contracíclico, além de agir positiva e rapidamente sobre as expectativas.

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