quinta-feira, 7 de abril de 2016

A segunda carta - Maria Cristina Fernandes

• Arrocho no funcionalismo é o primeiro capítulo

- Valor Econômico

Foi na última terça feira de março que o PMDB, ao bradar o rompimento com a presidente Dilma Rousseff, moveu o pêndulo contra o impeachment. Tivesse continuado a operar nas sombras para, às vésperas da votação no plenário da Câmara, colocar-se à frente do pelotão, impossibilitaria o governo de reagir ao que seria dado como fato consumado. O prazo, por exíguo, nem exigiria que os pemedebistas passassem por detectores de cargos. A opinião pública, arrebatada pela estrepitosa imolação de um PMDB oposicionista, pressionaria os 342 votos que hoje parecem mais distantes.

Da mesma forma que é confortável fazer previsões sobre um passado de nuvens carregadas, pode parecer arriscado antever, nessa conjuntura pendular, as consequências do passo em falso dos pemedebistas. Mas parece improvável que seu desnorteamento fique restrito ao espetáculo oferecido por Romero Jucá (RR) esta semana na tribuna do Senado.

O PMDB não costuma fazer pouco da concorrência mas, desta vez, menosprezou o apetite do chamado 'novo centrão' por sua fatia no governo. O partido, faz tempo, vale mais do que pesa. Tem mais ministros que votos. Em grande parte porque consegue operar para se manter no comando do Legislativo. O que mudou é que outras legendas passaram a oferecer um número concorrente em votos sem espaço proporcional no governo. PR, PP e PSD, partidos do 'novo centrão', um dia já couberam dentro do PMDB. Hoje somam o dobro dos votos pemedebistas. Não devem ser capazes de reverter a derrota governista na comissão que vai aprovar o relatório pró-impeachment, mas dão à presidente maioria que hoje é suficiente para barrar a cassação em plenário.

Ainda que tenha respondido, em público, com contundência pouco habitual ("Vai ter um ataque de setores, atrasados, bolivarianos, setores fundamentalistas. Vão se juntar aí a Venezuela com o Estado Islâmico"), às críticas de Renan à desinteligência do desembarque pemedebista, o pronunciamento de Jucá era visto ontem no Senado como parte do jogo de cena de um partido que pretende continuar a gerenciar suas ambiguidades.

Economista, relator do Orçamento nos dois governos do partido, eleitor de Aécio Neves em 2014, Jucá é o representante de Estado rural no Congresso com melhor trânsito no mercado financeiro. Ao lado de Renan, articulou aos dois programas, "Agenda Brasil" e "Ponte para o futuro" com os quais o PMDB tentou, primeiro por dentro do governo, depois pelo impeachment, vestir uma malajambrada casaca liberal.

A ocupação do governo pelos partidos que um dia foram chamados de nanicos ameaça tirar do PMDB a liderança desta agenda. Se o pêndulo derrotar o impeachment e empossar Lula, é ao ex-presidente que caberá a condução desta agenda.

A segunda carta ao povo brasileiro já tem capítulos inteiros não apenas escritos como enviados ao Congresso. Se alcançar tudo o que pretende, a "Agenda Brasil" e a "Ponte para o Futuro" deixarão saudades do futuro. Tome-se, por exemplo, o que já está proposto na proposta de alongamento da dívida dos Estados. Negociado pelo ex-ministro Joaquim Levy, o projeto teve seus condicionantes estabelecidos pelo ministro Nelson Barbosa. Em nada ficam a dever àqueles propostos pela gestão Fernando Henrique Cardoso no projeto que resultou na federalização das dívidas estaduais em 1997.

Mal recebido no mercado pelos R$ 39 bilhões que os Estados deixariam de pagar até 2018, em amortização das dívidas, o projeto passou desapercebido no aperto promovido no gasto com pessoal. Para se enquadrar na Lei de Responsabilidade Fiscal, a maioria dos Estados hoje recorre a subterfúgios como a contratação terceirizada, via Organizações Sociais, para as áreas mais intensivas em mão de obra, como educação e saúde.

Quando entrou no governo, vinda da iniciativa privada, a secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Costa não entendia por que o Estado tinha 58,9% das despesas comprometidas com a folha e mal conseguia fechar as contas no fim do mês. Descobriu que os gastos entram no orçamento como custeio e não como despesa de pessoal. Se contabilizadas as terceirizações e vantagens incorporadas ao funcionalismo, como quinquênios e licenças-prêmio, a despesa sobe para 80%. Pelo projeto apresentado pelo governo federal, essa incorporação seria feita em todos os Estados e, do Oiapoque ao Chuí, estouraria os limites da LRF.

Para não serem obrigados a cortar terceirizado e preservar o servidor estatutário, os secretários de Fazenda pressionaram, sem sucesso, o ministro Nelson Barbosa a incluir no projeto o fim da estabilidade do servidor e a mudança na lei de greve. Incumbidos de apresentar às assembleias legislativas propostas estaduais de Lei de Responsabilidade Fiscal, os governadores terão que enfrentar as resistências dos servidores para operacionalizar o corte de despesas. Curitiba terá se transformado na terra da premonição, pelas cartas do juiz Sergio Moro e pela guerra enfrentada pelo governador Beto Richa (PSDB) com a Assembleia. Nos Estados mais saneados, o dinheiro que vai sobrar do alongamento poderá ser usado para investimento. Naqueles mais enforcados, não há discurso que escamoteie a necessidade de tapar os rombos de uma receita em queda livre.

O PT e as centrais sindicais já começaram a bombardear o projeto no Congresso. No que pode ser entendido como sinal dos novos ares da base governista, a relatoria do projeto caiu nas mãos de um parlamentar do 'novo centrão', Esperidião Amin (PP-SC). O presidente da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas, e o presidente do PT, Rui Falcão, não querem ouvir falar em nova carta. O máximo a que Freitas se permite reconhecer é que o governo vai continuar em disputa e que o ex-presidente vai abrir a porta do diálogo.

Parlamentares que frequentam a suíte de Lula no Royal Tulip reconhecem que a nova versão da carta ao povo brasileiro é parte das gestões junto a empresários para a reconquista da confiança do mercado, quando - e se - o governo virar a página do impeachment. Por receio de que a discussão contamine a defesa de Dilma o máximo a que se permitem é o discurso da repactuação do governo.

Quem acompanhou o freio de arrumação da estreia lulista no Planalto em 2003, sabe o que vem por aí se Dilma sobreviver. O problema é mandar de volta pra casa o povo todo que o PT e os sindicatos chamaram para as ruas em defesa deste governo.

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