sábado, 5 de março de 2016

‘Tradição de impunidade é desafiada’, diz cientista político

• Cientista político da USP afirma que rivalidade entre grupos pró e contra Lula e o PT não ajuda a democracia brasileira

Gabriela Caesar – O Estado de S. Paulo

O cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP), aponta o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem como uma síntese do atual momento do País. Para ele, “há um processo com emergência de integridade que enfrenta a tradição de impunidade que sempre existiu no Brasil”. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado

Qual é a importância histórica dos episódios de ontem para o País?

A resposta vai depender do desdobramento do que aconteceu. Há acusações muito graves na apresentação que os promotores fizeram e que estão na dependência dos esclarecimentos do ex-presidente.

Há semelhanças entre esses episódios e outros momentos importantes da vida política nacional?

Eu acho que esse episódio é bem típico do momento que estamos vivendo. A minha interpretação é que estamos tendo uma espécie de situação em que várias camadas da crise se sobrepõem. A crise econômica se sobrepõe à crise política. Por baixo disso tem um processo das instituições de fiscaliza- ção e controle aumentarem a capacidade de perceber e, ao mesmo tempo, punir situações de abuso de poder. É um processo com a emergência de integridade que passa, pela primeira vez, a enfrentar a tradi- ção de impunidade que sempre persistiu no Brasil.

Qual é o impacto disso nos movimentos de rua que vêm ocorrendo desde o ano passado?

Nós vimos que está aumentando a polarização. As pessoas que são a favor ou contra o PT e o ex-presidente Lula estão progressivamente se mobilizando mais e, às vezes, se confrontando. É preciso olhar isso com muito cuidado. Por um lado, tem uma coisa que é positiva: as pessoas quererem mais participação e querem se posicionar. Mas alguns segmentos estão estimulando setores da opinião pública a se comportarem com “nós contra eles”, “as elites contra nós”. Não é um discurso bom para a democracia, que tem como um dos principais princípios reconhecer a legitimidade da diversidade.

O que sr. achou da condução coercitiva?

Tenho dúvidas se teria sido necessária a condução coercitiva nos termos em que ela ocorreu.

Segundo as palavras de Lula, a ação da PF foi ‘o que precisava para o PT levantar a cabeça". O sr. concorda?

Faz sentido para o ex-presidente e para o PT tentar recuperar a imagem diante da opinião pública. Você estabelece uma solidariedade com quem é considerada uma vítima. Da maneira como foi feita, abriu-se a possibilidade de o ex-presidente Lula e o PT explorarem essa imagem de vitimização.

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