sexta-feira, 18 de março de 2016

Grampos põem o governo mais perto do impeachment – Editorial / Valor Econômico

Concebida, entre outras intenções, como uma estratégia visando apaziguamento e conciliação, a entrega da Casa Civil ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cavou mais fundo o fosso da crise política e econômica, e lhe deu ainda ingredientes de uma crise constitucional. Na véspera da posse, a divulgação de diálogos gravados pela Polícia Federal acentuaram o clima de caos político e colocaram o governo mais perto do impeachment.

Logo após a cerimônia de posse, um juiz da 4ª Vara Federal concedeu liminar suspendendo-a, o primeiro de uma série de atos que desaguaram no Supremo Tribunal Federal com o mesmo objetivo. Até ontem à tarde, mais 9 ações bateram no STF, enquanto que na Justiça Federal dos Estados ingressaram 50 ações populares com idêntica finalidade. A liminar concedida, sob alegação de que o exercício do cargo por Lula poderia ensejar "intervenção indevida e odiosa" nas investigações ecoou as suspeitas provocadas pelas gravações de escutas telefônicas divulgadas com autorização do juiz Sergio Moro, com diálogos entre Lula, a presidente Dilma Rousseff, os ministro Jaques Vagner e Nelson Barbosa, da Fazenda, entre outros.

Nesses grampos, Lula revela irritação e impotência diante do cerco das investigações da Lava-Jato. Cobra atitudes mais positivas da Procuradoria Geral, insta o ministro da Fazenda a ver o que a Receita, que atua com a PF, tem contra o Instituto Lula, reclama do rigor com que a entidade está sendo tratada, condena a "República de Curitiba" e diz que a Suprema Corte está "totalmente acovardada". Moro e os procuradores da Lava-Jato viram nessas conversas o risco lógico de que, no centro do poder, Lula irá coibir as investigações. A ideia da divulgação foi mostrar "a guerra desleal travada nas sombras" contra a Lava-Jato, segundo o coordenador da força-tarefa da Operação, Dalton Dallagnol.

Mas Moro e os procuradores podem ter cruzado a linha vermelha ao divulgarem um diálogo de Dilma com Lula, que motivou a interpretação corrente de que se tratava de tentativa de garantir que Lula não fosse preso, ao combinar que lhe enviaria o termo de posse para que usasse "em caso de necessidade". Esta foi a ação política mais explícita e incisiva do juiz Moro, que pode lhe causar dissabores e por a perder parte das investigações realizadas. O que a presidente disse não poderia ter sido divulgado sem autorização do STF, segundo advogados, embora haja polêmica a respeito. A questão será também dirimida pelo Supremo.

O discurso da presidente Dilma na cerimônia de posse não foi nada pacificador. Fez vários elogios a Lula, o "maior líder político desse país", com o qual afirmou se identificar em tudo, e abriu fogo contra "grampos ilegais", "inverdades, métodos escusos e práticas criticáveis" da Lava-Jato. "Os golpes começam assim", disse. Ao defender a tese da democracia ameaçada, Dilma afirmou que "todo esse barulho, que não é a voz rouca das ruas, mas é uma algaravia, advinda da excitação de pré-julgamentos, deve acabar, pelo bem do Brasil". Completou: "os que não têm razão não terão força política para provocar o caos e a convulsão social" e que "a gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos".

O vice-presidente, Michel Temer e a bancada do PMDB no Senado, onde se decidirá o impeachment, não compareceram à solenidade, um mau presságio. Temer considerou uma afronta a escolha de Mauro Lopes (PMDB) para a Secretaria da Aviação Civil, dias depois de a convenção do partido ter proibido por 30 dias a aceitação de cargos no governo. À tarde, a Câmara escolheu a comissão que analisará o processo de impeachment, que deverá ser célere.

Com a cristalização de todos os aspectos da crise em poucos dias, o país está parando à espera da resolução do impasse. A situação política e econômica é totalmente desfavorável ao governo, incapaz de criar fatos novos positivos que durem mais que poucas horas. Alvejado pelos grampos antes da posse, Lula, pelos diálogos revelados, não contará com a simpatia do Judiciário ou do Congresso, atingidos por sua avaliação desabonadora. Celso de Mello, o mais antigo ministro do STF, disse que, no que se refere ao Judiciário, ela é "torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes". Com o relógio do impeachment começando a correr, novas delações premiadas a caminho e o barulho das ruas, é muito difícil que o ex-presidente consiga deter, com ações decisivas, uma maré anti-governista que agora parece ter ganhado força própria.

Nenhum comentário: