quarta-feira, 16 de março de 2016

Abraçados até o fim - Rosângela Bittar

• A presidente Dilma não tem mais o que perder no governo.

- Valor Econômico

A discussão sobre se é Lula ou Dilma quem perde ou quem ganha mais com a devolução precoce da faixa presidencial ao candidato declarado do PT à sucessão em 2018, uma antecipação de quase três anos, é inócua. Estão ambos completamente perdidos.

Porém, no detalhe, a se configurar a nomeação do ex- presidente como ministro forte do governo Dilma, hoje, para conduzir a administração petista para longe da crise econômica e coordenar a política no sentido objetivo de evitar o impeachment, é o ex-presidente quem se expõe a mais riscos.

Dilma não tem mais o que perder. Faltam-lhe as condições mínimas para retomar o governo, equipe, competência política, destreza administrativa, credibilidade, confiança da população, e claramente está pedindo socorro e dizendo que não tem mais o que fazer. O convite a Lula foi o único fato novo que lhe ocorreu apresentar ao Brasil.

Entrando o novo sangue velho, ele pode levar um dos que pensa ser milagreiro para conduzirem a economia e ver se ainda dá para fazer alguma mágica.

É muito tempo para dividirem o trono, não são três meses, são três anos. Mas já fizeram isso antes, com Lula na posição de presidente e Dilma na de primeiro-ministro. Não se tem notícia de babado, confusão e gritaria entre eles, apenas entre cada um e seus subalternos.

Lula pode tentar adiar o impeachment, embora tenha sobrado pouco a negociar votos no Congresso. Fazer movimentos, misturar sindicatos, MST e sua base social com Palácio do Planalto. O que vier, para Dilma, é lucro, ela não tem nada. Parece disposta a praticar a humildade e procurar um bom lugar para ver a banda passar.

Para o ex-presidente, entretanto, há muitas pedras no caminho, e nada autoriza imaginar que sua situação política não vá piorar com a entrada no governo.

Uma instituição sai prejudicada, a Presidência da República, então transformada numa espécie de esconderijo de alguém procurado pela justiça.

A vantagem cantada em prosa e verso é o foro privilegiado, para, investigado por corrupção, ser julgado no Supremo Tribunal Federal. Embora tenha nomeado a maioria dos ministros, de quem já cobrou alguma solidariedade no Mensalão, e de outros seja dileto amigo até hoje, o Petrolão guarda características que impedem contar com uma superproteção. Ele terá foro privilegiado, sua família não.

Mas digamos que tendo a caneta presidencial quase à mão, consiga tempo bom para os seus e possa ser visto como um político que voltou a governar e não apenas a só tratar de denúncia, investigação, corrupção, defesa. É inexorável a constatação de que se impregnará de todos os males que atingem o governo Dilma.

Já estaria atingido se não viesse integrar a equipe, mas tinha a esperança de recuperação nas caravanas que faria Brasil afora.

Não terá tempo para isso, pois seu destino estará soldado ao da presidente Dilma. Se ela sofrer impeachment, ele também terá que descer a rampa do Palácio do Planalto, e aí, sim, com uma marca desnecessária que não teria se tivesse ficado na sua para se defender, a de presidente escorraçado, posto para fora.

O governo está tão abalado que não conseguirá ajudar o presidente a superar a forte imagem da manifestação popular gigante, que correu o país e o mundo, do ex-presidente embonecado como presidiário.

A esperança de um Lula funcional, que possa colher a glória de resolver os problemas do governo, não existe. Para isso, ele teria que se transformar novamente. O cientista político e sociólogo Antonio Lavareda avalia que Lula só pode ser útil ao governo "com um figurino de lulinha paz e amor; não pode ser o lulinha jararaca".

Terá Lula capacidade, a esta altura das investigações, fazendo-se conhecer melhor pelo depoimento que deu à polícia, de resgatar o figurino? E sem isso, como conquistará os votos contra o impeachment?

Hoje, quem está às vésperas do impeachment é a Dilma. Ele é candidato a manchar sua biografia com a corrida ladeira abaixo.

Quanto à questão de sua densidade eleitoral, suas chances na campanha presidencial, sua volta por cima para surgir em 2018 em plenas condições de disputar, a entrada no governo Dilma não melhora em nada sua situação. Melhor seria fazer campanha na oposição, o que acontecerá se sofrerem o impeachment.

O que o Lula tem, efetivamente, hoje? As pesquisas que medem o potencial eleitoral dele são feitas com a apresentação do nome em uma lista, e essas são consideradas de pouca eficiência na medição que se pretende, pois oferecem nomes com diferentes graus de conhecimento, todos os que gostariam de ser candidatos mas não têm a menor chance.

Essa comparação não ajuda a entender o cenário eleitoral futuro. As pesquisas são importantes para medir a probabilidade do voto, quem votaria naquele nome com certeza, poderia votar ou não votaria nunca.

O que as últimas pesquisas mostraram sobre isso não é muito confortador para o ex-presidente. No Ibope de fevereiro último o eleitor, quando perguntado se votaria com certeza no Lula, 19% responderam que sim. Esse é, no momento, o contingente do lulismo que se pode considerar firme e forte. E 61% disseram que não votariam de jeito nenhum, uma rejeição bastante alta.

O PT teve a expectativa de que o episódio da condução coercitiva seria especial para a imagem de vítima do ex-presidente, e melhoria sua performance no eleitorado. Pode não ter funcionado tão bem para Lula.

O ex-presidente se contrapor a duas instituições que estão agradando ao eleitorado e fazendo um trabalho de combate à corrupção, ao erro, à irregularidade, duas instituições muito melhor avaliadas do que ele nesse momento, com índices de apoio maiores que os 19% que ele tem, pode não ter sido uma estratégia certeira. A policia federal, segundo o Ipea, tinha, em outubro de 2010, teve 83% grau de confiança da população, e de lá para cá só melhorou sua atuação. E o juiz Sergio Moro, que tem mais de 70% de admiração.

O embate do Lula contra a PF e o Moro, sua retórica na sexta-feira, o deboche do seu depoimento, teve com certeza um efeito positivo para reunificar seu grupo político, animar a militância que estava meio perdida, à procura de discurso.

No governo Dilma, seja descendo a rampa com ela, seja conseguindo adiar o impeachment, seu desempenho eleitoral pode estar até pior do que agora, pois assumirá o desgaste do governo. Mas para Dilma é bom, ela tem a metade do tamanho do Lula, entre 5 e 11 em diferentes medições, pode se beneficiar de uns pontinhos do popular ex-presidente.

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