terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Investimento corre atrás das necessidades no saneamento – Editorial / Valor Econômico

O papa Francisco abraçou a causa do saneamento básico, tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica, lançada há algumas semanas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic). Na mensagem para divulgar a campanha, o papa afirmou que "o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário é condição necessária para a superação da injustiça social e para a erradicação da pobreza e da fome, para a superação dos altos índices de mortalidade infantil e de doenças evitáveis, e para a sustentabilidade ambiental". O presidente do Conic, dom Flávio Irala, foi direto ao ponto e disse que o acesso ao saneamento promove a inclusão social e a garantia dos principais instrumentos de proteção da qualidade dos recursos hídricos e dos inibidores de doenças, como cólera, febre amarela, chikungunya, dengue, diarreia, bem como para evitar a proliferação do vírus zika".

Dados recentes mostram, porém, que o avanço do saneamento tem sido lento ao longo dos anos, antes mesmo da restrição fiscal ter se tornado a desculpa do governo para explicar porque não há melhora desses serviços. De acordo com o levantamento mais recente do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, 93,2% da população urbana era servida de água, em 2014, ou 83% da população total do país. Esse índice cresceu menos de um ponto percentual em quatro anos pois 92,5% dos domicílios nas cidades eram servidos de água, em 2010. As perdas por vazamentos e pelas ligações clandestinas aumentaram nesses quatro anos, de 35,9% para 36,7% em 2014. A desigualdade se reflete até na distribuição de água, como suspeita a Igreja. No Sul a população atendida chega a 97,3%, no Sudeste é de 96,8%, no Centro-Oeste, de 96,7%, mas cai a 89,5% no Nordeste e a 67,8% no Norte.

No caso do esgotamento sanitário, a situação é ainda pior. Em 2014, apenas 57,6% da população urbana ou 49,8% da população total eram atendidas por redes de coleta. Eram tratados 70,9% do esgoto coletado no país, o equivalente a 3,8 bilhões de metros cúbicos por ano, e apenas 40,8% do total gerado. Isso significa que 5,5 bilhões de metros cúbicos de esgoto são despejados no ambiente todos os anos sem tratamento, contaminando solos, rios, praias e acarretando problemas para a saúde da população. Em 2010, a coleta de esgoto atendia apenas 53,5% da população urbana e 37,9% do esgoto gerado no país era tratado. As desigualdades são ainda maiores nessa área com 83,3% da população atendida no Sudeste, 46,4% no Centro-Oeste, 44,4% no Sul, 31,1% no Nordeste e apenas 9,9% no Norte.

O governo pretende melhorar esses números. O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) prevê a universalização do abastecimento de água nas áreas urbanas até 2023. As outras metas têm horizonte mais distante e estão previstas para 2033: captar esgoto em 93% das áreas urbanas, universalizar a coleta de resíduos sólidos urbanos e diminuir a perda de água para 31%. No entanto, no ritmo atual de investimentos, o governo já admitiu que vai levar mais tempo para atingir esses objetivos. Levar a rede de esgoto a 93% das cidades, por exemplo, só em 2041; e universalizar a oferta de todos os serviços, apenas em 2046, prevê o Ministério das Cidades.

Avaliando o problema de outra forma, o Instituto Trata Brasil estima que o país poderá levar a oferta dos serviços de água e esgoto a todos os domicílios brasileiros se aumentar os investimentos na área. Nos últimos anos, o investimento médio anual tem ficado ao redor de R$ 10 bilhões. De acordo com o DNIS, foi de R$ 12,2 bilhões em 2014, com aumento de 16,7% sobre 2013.

A crise fiscal, porém, coloca esses projetos em xeque. Outro problema é a crise hídrica que deve levar o governo a dar uma atenção maior à questão da água, utilizando recursos de outras áreas. Há ainda a Operação Lava-Jato, cujas investigações envolvem grupos com atuação expressiva no setor.

Tudo isso ocorre em meio à epidemia de doenças disseminadas pelo mosquito Aedes aegypti, cuja proliferação é facilitada pelas condições inadequadas do saneamento. A situação fiscal do país é crítica. Há, no entanto, despesas que, se forem cortadas, vão significar gastos em outras áreas mais à frente. Essa é especificamente a relação direta existente entre saneamento e saúde.

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