sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A moeda número 1 - Merval Pereira

- O Globo

É crível que um sujeito que tem o apelido de Patinhas desde a adolescência seja desligado de dinheiro a ponto de não saber quem depositou US$ 7,5 milhões em uma conta sua? E se essa conta está em um banco suíço, escondida da Receita brasileira?

É crível que uma pessoa que tem uma conta secreta na Suíça desde 1998 seja apenas “um criador”, que “não trabalha com questão financeira, com questão bancária”, como definiu seu advogado?

É crível que um profissional que tem diversas contas, secretas ou declaradas, no exterior, que recebe “em euro ou dólar”, à escolha do freguês, como sua mulher Mônica Moura escreveu num bilhete para o operador de propinas Zwi Skornicki, não soubesse que tinha que declarar os ganhos no exterior e que não podia ter “contas secretas”?

Pois é esta fantástica história que está sendo contada em Curitiba pelo marqueteiro João Santana e por sua mulher e sócia Mônica Moura aos procuradores da Lava- Jato. O apelido de Patinhas, em referência ao personagem da Disney, vem da adolescência, quando foi tesoureiro do grêmio nos Maristas, em Salvador, cargo que exercia com “tirania fiscal única”.

São histórias tão bizarras que só fazem fortalecer a suspeita de que os dois montaram um esquema internacional de lavagem de dinheiro.

E o que dizer das revelações de que a empreiteira brasileira Odebrecht pagava no caixa dois campanhas eleitorais em países em que tem obras, como a Venezuela de Chávez, a Angola de José Eduardo dos Santos e tantos outros?

Tentando safar- se da acusação mais grave de lavagem de dinheiro, Patinhas e a mulher admitem caixa dois e jogam em cima da Odebrecht toda a culpa pelas irregularidades. E ainda transformam a empreiteira brasileira em uma máquina de corrupção internacional.

A Odebrecht vive falando em “valores” para negar, até agora, ter participado do esquema de corrupção na Petrobras. Mas como admitir que a empreiteira usa todos os esquemas ilegais no exterior e não use os mesmos métodos no Brasil?

Até o momento, o marqueteiro e sua mulher protegem claramente a presidente Dilma. Mas seu testemunho perde completamente a credibilidade quando vem acompanhado das seguintes afirmativas: que “nunca manteve qualquer contrato com o poder público no Brasil” e que “eventuais serviços prestados para o governo federal se deram a título não oneroso”.

Ele acrescentou em seu depoimento que “foi um doador de serviços ao governo em razão do prazer que isso lhe gera e da facilidade que possui”. Mais uma vez a questão do dinheiro. Para quem gosta de trabalhar de graça, o marqueteiro João Santana é uma potência. Ele parece mesmo ter encontrado a moeda número 1 do Tio Patinhas.

Seu patrimônio cresceu mais de 5.000% entre os anos de 2004 e 2014, segundo a Receita Federal. Em 2004, Santana tinha patrimônio declarado de cerca de R$ 1 milhão, que saltou para R$ 59,12 milhões em 2014. A mulher e sócia Mônica Moura, por sua vez, declarou patrimônio de aproximadamente R$ 19,5 milhões em 2014, diante de pouco mais de R$ 56 mil em 2004.

Pois no mercado publicitário há quem afirme que João Santana recebe cerca de R$ 1 milhão por mês para assessorar a presidente Dilma.

Zwi Skornicki vai depor proximamente em Curitiba, e pode acabar de vez com essa farsa, já que o lobista não atuou nesse mercado de corrupção por interesses ideológicos ou partidários, mas apenas para fazer negócios. Um bom negócio para ele agora será uma delação premiada.

Também a Odebrecht vai ter que se pronunciar a respeito das “revelações” da mulher de João Santana. Ou persiste na sua posição de que não faz esse tipo de atuação criminosa — o que a cada dia fica mais difícil de sustentar — ou sairá do episódio com a imagem de uma empresa metida em corrupção em diversas partes do mundo.

E por que não no Brasil, onde se descobriu um dos maiores escândalos envolvendo empreiteiras e órgãos públicos?

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