quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Vinicius Torres Freire: Muda do gelo para a água

- Folha de S. Paulo

O governo deve "liberar" R$ 50 bilhões em empréstimos, dizem as notícias. Quer dizer, quer fazer com que os bancos públicos emprestem R$ 50 bilhões.

O que significa isso? Não dá para saber. São R$ 50 bilhões de aumento do total de crédito? São R$ 50 bilhões em um ano?

O governo começaria a dar safanões na banca estatal a partir de hoje, quando reúne as cortes, digamos assim, seus consultores do Conselhão. Trata-se do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, empresários, banqueiros, sindicalistas e outros representantes da sociedade convidados a dar sugestões que raramente dão em algo mais do que nada.

Suspenda-se, por um instante, a descrença em um pacote de crédito. Deixe-se de pensar por um momento no fato de não haver política econômica, no sentido maior da coisa.

O que são R$ 50 bilhões? Equivalem, por exemplo, a uns 30% do rendimento mensal das pessoas empregadas no Brasil (segundo a pesquisa do IBGE em 3.500 municípios do país). Talvez seja o equivalente à queda real da massa nacional de rendimentos em 2016.

Numa comparação menos exótica: em 2015, o total de dinheiro emprestado no país (estoque de crédito) caiu quase R$ 123 bilhões, por exemplo. O total de crédito baixou 3,7% em 2015, em termos reais. Não se tinha notícia de tombo desse tamanho desde as crises de 1998 a 2003. Na pequena recessão de 2009, o estoque de crédito ainda crescia a 10% anuais, no seu ritmo mais vagaroso.

É fácil perceber a quão baixo descemos, até porque as leis e o sistema de crédito melhoraram bastante neste século, dadas as reformas de meados dos anos 2000.

Na crise de 2009, o aumento do crédito compensou a queda dos rendimentos do trabalho. Os bancos ainda se dispunham a emprestar (embora o grosso dos empréstimos adicionais viessem dos bancos estatais). Consumidores e empresas se dispunham a tomar empréstimos. O país se recuperou rapidamente de um colapso da confiança econômica.

Agora, há depressão. O total dos empréstimos dos bancos privados encolhe ainda mais rápido do que a média. A procura de financiamentos novos caiu, pois a confiança de empresários e consumidores faz tempo está em colapso; a banca joga na retranca, por temer calotes.

Os bancos públicos vão, pois, emprestar para clientes rejeitados pela banca privada, assumindo risco maior de calote? Pode ser que esses bancos privados estejam receosos demais. Pode ser que haja nichos em que o crédito não funcione bem. O governo entraria para resolver esse excesso de medo e defeitos do mercado (como no financiamento do capital de giro de pequenas e médias empresas). O governo vai demonstrar que é esse o problema?

Pode ser que o dinheiro remende a ruína da construção civil, estimule um tico de exportações, evite a asfixia de empresas menores que nem mais conseguem se manter o dia a dia das operações. O fato de o governo concentrar seus esforços em remendos, sem plano maior algum, vai no, entanto, reforçar os fatores da crise que pretende combater.

O desemprego será maior neste ano, os indicadores macroeconômicos maiores (dívida pública, inflação) estão fora de controle, a confiança e o crédito estão no chão. Se sair do papel, o plano vai enxugar algum gelo.

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