sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Vinicius Torres Freire: Cobertor curto e desfiando

- Folha de S. Paulo

A velha história do cobertor curto não pode dar conta do que vai acontecer com os gastos do governo neste ano. Talvez seja otimista demais ficar na dúvida entre cobrir os pés ou a cabeça. O cobertor deve ficar mais puído, deve diminuir de novo.

Não é lá grande novidade que a arrecadação federal de impostos deve cair outra vez em 2016. Surpresa seria ver o governo fazer a poupança mínima que prometeu e não dar outro talho brutal nos seus investimentos "em obras".

Evitar outro corte nos investimentos deve ser prioridade para um governo que quer estancar a recessão. No entanto, pelo andar da carruagem, será possível investir tanto quanto em 2015, que já foi pouco, apenas com mais cortes em saúde e educação. Ou com mais deficit.

Ao fim das contas de 2015, o gasto com investimento deverá ter caído quase 40% em relação a 2014. Em relação ao tamanho da economia, os gastos "obras" devem cair de 1,36% do PIB, em 2014, para 0,9% do PIB. Como fatia da despesa do governo, de 7,5% para 4,9% do total.

Trata-se dos níveis mais baixos em nove anos.

No papel, no Orçamento para 2016, a despesa com investimento deve cair uns 7%. Essa estimativa foi feita com base na ideia oficial de que a recessão não vai diminuir ainda mais a receita de impostos; de que vão entrar dinheiros tais como o da CPMF, que talvez seja votada lá por meados do ano.

Na previsão oficial, ainda sobraria dinheiro equivalente a 0,5% do PIB, a meta de superavit primário para este ano (isto é, a diferença entre receita e despesa, afora aquela com juros da dívida pública).

Chutes bem informados de economistas do setor privado projetam um deficit primário de pelo menos 1% do PIB, o terceiro ano seguido de contas do governo no vermelho fogo.

Parece uma previsão mais condizente com o espírito da nova equipe econômica, que não quer sacrificar muito mais investimento em troca de décimos de superavit fiscal, de uma equipe econômica que tem dito com insistência que quer estabilizar o crescimento. Acredite-se ou não nessas ideias, é o que os novos ministros da economia têm dito.

Não se corta mais investimento, pois. Não se mexe mais com as despesas de saúde e de educação, que já estão quase no limite inferior obrigatório. Muito bem. Qual será então o efeito de mais um deficit primário? Como vai reagir, por exemplo, o Banco Central?

Há um zum-zum a respeito da decisão do BC na semana que vem, se vai aumentar ou não a taxa básica de juros, a Selic. Pelos compromissos em tese assumidos pelo menos na segunda metade de 2015, o BC deveria aumentar a taxa de juros. De resto, o BC tem dito que o gasto excessivo do governo tem prejudicado o controle da inflação.

No entanto, mesmo economistas ditos "liberais" de peso acreditam que uma alta extra não faria efeito ou seria francamente daninha (não vai bulir com a inflação, vai elevar ainda mais a despesa com juros).

É bem possível. Mas então podemos ficar na situação muito interessante de o BC não elevar a taxa de juros, as expectativas de inflação continuarem em alta, de o governo continuar a ter deficit e de não haver nenhuma reforma maior que aponte mudança no médio prazo.

Como vai ser o nome dessa política econômica?

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